São Paulo, quarta-feira, 01 de janeiro de 2003

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LUÍS NASSIF

O destruidor de famílias

Em São Paulo, a senhora A recebe mensalmente a pensão do marido e corre imediatamente para um bingo. O dinheiro desaparece em uma tarde. Depois, ela corre atrás de parentes, de amigos, querendo dinheiro emprestado. O vício arruinou seu casamento e sua carreira. Não consegue parar em nenhum trabalho. Os filhos, adolescentes, passaram a trabalhar para ajudar no sustento da casa e dos estudos.
A senhora B era administradora bem-sucedida, mãe de uma filha que criava sozinha, com dignidade. O vício em bingo a fez, primeiro, perder o apartamento em que moravam, depois, a carreira. A filha, quase adolescente, passou a trabalhar para sustentar os estudos.
Em Ribeirão Preto, a senhora C pode ser vista diariamente no bingo, em uma máquina de nome Turbo onde cada aperto de botão custa R$ 10, dura dez segundos e equivale a uma rodada de bingo. Quando o dinheiro acaba, ela dá um cheque para descontar. Enquanto se desconta o cheque, ela pega dinheiro emprestado com o vizinho, para não parar o vício.
Não são cenas de ficção. Graças a essa vergonha nacional, em milhares de lares brasileiros, esse primeiro dia do ano será de tristeza.
Faça-se uma pesquisa detalhada sobre os vícios que acometem a classe média nas médias e grandes cidades. Vão se encontrar alcoólatras, cocainômanos e nós, os viciados em trabalho.
Mas provavelmente a proporção de viciados em bingos já deve superar todo o restante, especialmente entre mulheres, donas-de-casa e pessoas de maior idade, de todas as classes de renda.
O bingo é enquadrado na categoria de vício, doença. Existem as associações de jogadores anônimos, assim como os alcoólicos e os narcóticos anônimos. Por isso mesmo, havia na Constituição proibição para abertura de cassinos.
Em países em que a legalidade se impôs sobre o crime organizado, existe a determinação de que cassinos devem ficar em cidades turísticas de pequena população, afastados dos grandes centros.
Aqui, por um desses episódios de corrupção consentida, conseguiu-se driblar a Constituição, permitindo a introdução dos cassinos disfarçados em bingos fincados nas grandes concentrações urbanas. O país costuma comentar envergonhado a situação do Rio de Janeiro, a maneira como o crime organizado tomou conta da cidade.
E o bingo? Procuradores, especialistas em crime organizado, membros da CPI do Futebol, todos são unânimes em afirmar que o crime organizado controla a atividade, que há evidências da presença da máfia espanhola.
E o que se faz? Ninguém assume a responsabilidade de lutar contra essa praga urbana, com exceção de meia dúzia de procuradores, com resultados inevitavelmente lentos, devido às suas limitações.
A verdade é que a corrupção do bingo incrustou-se por toda a sociedade, em cima de alianças com o submundo das organizações esportivas e da influência que passaram a deter no Congresso.
Se o país pretende que 2003 seja um ano de mudanças, pode-se começar por aí, os novos governos, federal e estaduais assumirem o combate a essa forma nefasta de vício que vem destruindo as famílias brasileiras e envergonhando o país.

"Lei da Mordaça"
Do promotor de Justiça de Sorocaba, Jorge Marun, sobre a "Lei da Mordaça":
"É estranho que o ministro Flavio Bierrenbach venha defender a "Lei da Mordaça". Justo ele que, quando político, fez acusações de enriquecimento ilícito contra José Serra no horário eleitoral. Quem defende a mordaça para juízes e membros do Ministério Público que, cumprindo seu dever, dão satisfações à sociedade sobre processos ou investigações em andamento, deveria também ter a coragem de defender a mesma medida contra políticos que se utilizam da tribuna do parlamento, das CPIs e do horário eleitoral para fazer acusações, muitas vezes infundadas".
Está certo.

E-mail - lnassif@uol.com.br


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