São Paulo, quinta-feira, 01 de janeiro de 2009

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Deflação, emprego e déficit desafiam os EUA em 2009

Projeções indicam primeiro semestre ruim e recuperação no final do ano

Pacotes de estímulo econômico para evitar queda no consumo e, em consequência, demissões aumentarão déficit público

John Moore - 25.set.08/France Presse
Desempregados fazem fila por trabalho em Denver (EUA)

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Três males que começam com a letra "d" ameaçam a economia norte-americana e, consequentemente, a mundial em 2009: deflação, desemprego e déficit público.
Segundo economistas e acadêmicos ouvidos pela Folha, os dois primeiros devem levar a situação do país a piorar até o meio do ano e, caso o governo intervenha ainda mais no mercado na forma de pacotes de estímulo, o terceiro explodirá.
Deflação é quando a variação dos preços é negativa, motivada pela queda no consumo. Isso pode levar a uma espiral em que os consumidores não gastam, esperando o valor das mercadorias cair, o que efetivamente acontece, pela falta de gastos. Aconteceu em outubro, quando os EUA viram a maior retração nos preços em mais de meio século. Com o tempo, a atividade das empresas diminui e as demissões aumentam.
Uma das maneiras de tentar reverter essa situação são ações de estímulo econômico do governo, o que a administração de Barack Obama, que assume no dia 20, promete fazer em valores recordes (leia texto nesta página). O gasto deve aumentar a diferença entre despesa e receita do governo, que promete chegar a US$ 1 trilhão, ou 70% do PIB brasileiro.
A combinação dos três fatores é explosiva.
"Nós certamente veremos uma recessão global em 2009", disse Dean Baker, codiretor do Centro de Pesquisa Econômica e de Política (CEPR, na sigla em inglês), de Washington. Para o economista, só não será uma depressão porque o governo não vai deixar. "Pacotes de estímulo fiscal agressivos nos Estados Unidos, na China e em outros lugares devem mitigar os efeitos da queda."
Ainda assim, Baker acredita no aumento da taxa de desemprego nos EUA, hoje em 6,7%, a maior em 15 anos. "O índice deve chegar aos 8%, ou mesmo 9% até o final do ano. Sem os pacotes de estímulo, pode cruzar a barreira dos 10% e continuar crescendo em 2010."
Cálculos semelhantes faz Simon Johnson, ex-economista-chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional), hoje no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). "Acho que estamos olhando para uma recessão na forma de "L'", disse, referindo-se à letra formada nos gráficos pela queda brusca da atividade econômica seguida por uma permanência prolongada na baixa.
"O ano de 2009 já está "comprado" negativamente", concorda Otaviano Canuto, vice-presidente para Países do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Ele acredita que, mesmo com o megapacote de estímulo anunciado por Obama, há um tempo inevitável entre a aprovação das medidas e sua implantação e o efeito na economia real.
Pensamento similar tem Mark Thoma, da Universidade do Oregon e autor do blog Economist's View, uma referência no setor. "A economia tem um caminho a percorrer até atingir o fundo do poço", afirmou. "Nas últimas duas recessões, o desemprego piorou depois do desaquecimento e se recuperou mais lentamente. Assim, espero uma virada de crescimento no fim do ano, com o emprego retomado a seguir."

2009 dividido
Essa divisão do ano em dois momentos econômicos, o primeiro extremamente negativo e o segundo com um início de recuperação, encontra eco em gente como o progressista Paul Krugman, Nobel de Economia de 2008, e o pessimista Nouriel Roubini, professor da Universidade de Nova York, que previu com acurácia o agravamento da crise econômica.
"Seja o que for que o governo fizer, nós deveremos enfrentar meses, talvez um ano de inferno econômico", escreveu Krugman. "Depois disso, as coisas devem melhorar, conforme o plano de estímulo do presidente Obama começar a ganhar tração. No final do ano, a economia deve começar a se estabilizar, e eu estou muito otimista em relação a 2010."
Já Roubini vê a economia americana se retraindo entre 4% e 5% em 2009 -no penúltimo trimestre de 2008, a contração foi de 0,5%-, o desemprego batendo os 9% e as ações caindo mais, com o índice Dow Jones, hoje em 8.800 pontos, rompendo a barreira dos 7.000 pontos. "Só então", diz, "começará a haver recuperação."

Projeções
Mas é preciso encarar todas as projeções com cautela. Primeiro porque a pujança da economia norte-americana já surpreendeu antes, mais recentemente em 2001, ano do ataque terrorista que deixou o país em recessão por oito meses, contrariando as expectativas de queda mais prolongada.
Depois porque, desde que a atual crise começou, muita gente boa meteu os pés pelas mãos prevendo o futuro econômico. Já é clássico o exemplo de Donald Luskin, economista-chefe da Trend Macrolytics. No dia 14 de setembro de 2008, ele assinou artigo no jornal "Washington Post" intitulado "Pare de ficar repetindo o mantra da economia ruim".
Nele, afirmava: "Qualquer um que diz que nós estamos numa recessão ou se dirigindo para uma -principalmente a pior desde a Grande Depressão- está criando sua própria definição de recessão". No dia seguinte, o Lehman Brothers pediu concordata, marcando o começo de nova e mais aguda fase da -sim- atual recessão.
Que começou oficialmente em dezembro de 2007, segundo o Escritório Nacional de Pesquisa Econômica (NBER, na sigla em inglês) -"oficialmente" porque o relatório do grupo de economistas dessa entidade é, desde os anos 30, o único levado em conta pelo governo dos EUA em questões de definir se o país está ou não em contração econômica.
Seja como for, Otaviano Canuto, do BID, resume o espírito reinante: "2009 é um ano de que a gente vai querer esquecer, antes mesmo de ele começar. Podemos desejar já um feliz 2010, pois 2009 será difícil".


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