São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004

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COMÉRCIO EXTERIOR

Governo tenta selar acordo da Ministerial de Miami, em novembro, e avançar com novas propostas

Brasil defende no México a sua "Alca light"

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O governo brasileiro inicia amanhã uma nova batalha para tentar assegurar a chamada "Alca light", configurada em novembro, na Conferência Ministerial de Miami da Área de Livre Comércio das Américas.
"Alca light" significa que os 34 países que integrarão a Alca (todos os das Américas, exceto Cuba) procurarão "desenvolver um conjunto comum e equilibrado de direitos e obrigações, que sejam aplicáveis a todos".
Mais que isso, só em acordo bilaterais ou plurilaterais que não obrigam a todos.
É esse "conjunto comum e equilibrado" que se vai tentar definir a partir de amanhã na reunião do CNC (Comitê de Negociações Comerciais), principal organismo técnico da Alca, marcada para a cidade mexicana de Puebla.
De acordo com os cálculos do Itamaraty, a "Alca light" será duramente bombardeada por ao menos três países, Canadá, México e Chile, que saíram muito insatisfeitos de Miami porque um acerto de última hora entre Brasil e Estados Unidos definiu um acordo desidratado.
Para esses três países -mais os centro-americanos-, que têm acordos de livre comércio com os EUA, o preço de abrir seus mercados já foi pago. Portanto, querem agora os benefícios, na forma de abertura dos demais países do hemisfério.
Mas, para que a ofensiva contra a "Alca light" tenha êxito, seria preciso que os Estados Unidos a apoiassem, o que, segundo os cálculos do governo brasileiro, está fora de questão.

Interesse dos EUA
Não que os EUA não queiram uma Alca mais abrangente. Mas parecem ter entendido que o Brasil não vai ceder nessa questão e que insistir, portanto, levaria a arranhar seriamente uma relação que, sem considerar o aspecto comercial, é considerada excelente de parte a parte.
É sintomático que, na edição de janeiro/fevereiro da revista "Foreign Affairs", mesmo um partidário entusiasmado do livre comércio hemisférico, como Peter Hakim, escreva:
"Washington deve lembrar, consistentemente, que seu interesse no hemisfério depende mais do sucesso político e econômico de Lula em casa do que de ganhar a cooperação ativa do Brasil em qualquer assunto específico, por mais importante que seja".
Hakim é presidente do Interamerican Dialogue, um dos mais importantes centros de estudo sobre as relações entre América Latina e Estados Unidos, do qual o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é vice-presidente.

Propostas do Brasil
Para a batalha de Puebla, o Itamaraty vai armado, de todo modo, com algumas propostas ousadas na direção do livre comércio, claro que nas áreas de interesse do Brasil.
A primeira delas: aceitar "a eliminação de tarifas para todo o universo tarifário" em bens não-agrícolas. Ou seja, nenhum setor industrial brasileiro seria protegido por tarifas. A proteção estaria apenas no prazo para a eliminação das barreiras.
O Itamaraty propõe quatro "cestas": desgravação imediata, em cinco anos, em dez anos e em mais de dez, esta para os produtos rotulados como "sensíveis".
Na área agrícola, prioridade número um do governo brasileiro, a proposta é obviamente mais liberalizante ainda, na medida em que o Brasil não tem o que proteger nessa área, por ser altamente competitivo.
Primeiro, o Brasil quer que os seus parceiros aceitem os acordos da OMC (Organização Mundial do Comércio) sobre questões sanitárias e fitossanitárias.
Estados Unidos e Canadá acham que as regras da OMC são lenientes demais e acabam usando alegações de assepsia em relação a produtos como o leite para impor barreiras às exportações.
O Brasil propõe ainda a "eliminação dos subsídios às exportações agrícolas no hemisfério", uma antiga reivindicação que, no entanto, agora parece menos distante de se materializar.

Novos alvos
Ocorre que, na carta enviada no mês passado a seus parceiros da OMC, o chefe dos negociadores norte-americanos, Robert Zoellick, diz que chegou a hora de definir uma data para a eliminação dos subsídios à exportação.
Mas o Brasil irá além em Puebla: quer a eliminação também de "todas as medidas que distorcem o comércio de produtos agrícolas", o que inclui os créditos agrícolas (muito utilizados pelos EUA).
Quer também mecanismos na Alca para evitar os efeitos distorsivos dos subsídios utilizados para exportar para países de fora da Alca. Ou seja, se o frango brasileiro, por exemplo, perde mercado na Arábia Saudita porque um país americano o exporta com subsídios, esse benefício terá quer ser eliminado ou compensado de alguma maneira.
A proposta brasileira foi encampada pelo Mercosul e indica que a batalha de Puebla não será unilateral. Ou seja, o Brasil não estará apenas na defensiva, mas também atacando para obter concessões, em especial dos dois únicos países ricos da área, Estados Unidos e Canadá.



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