São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2009

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FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL

Davos joga esperanças para o G20

Para ministra francesa, próxima cúpula precisa indicar a líderes mundiais "3 ou 4 ações" a implementar

"Todos sabemos que nada sabemos", conclui debate da elite econômica mundial sobre desdobramentos da crise financeira global

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

O fórum de Davos começou sob o ambicioso título geral de "Moldando o mundo pós-crise". Termina hoje com a melancólica constatação de Martin Wolf, principal colunista do "Financial Times", o jornal que todo mundo lê em Davos e também nos gabinetes oficiais do planeta, especialmente os europeus:
"Todos sabemos que nada sabemos", disparou Wolf em meio a uma sessão dedicada ao "Panorama Econômico Global".
Poderia ser apenas mais uma tirada do humor geralmente cáustico que Wolf utiliza regularmente. Mas a frase surgiu depois que Peter Sands, executivo-chefe do grupo financeiro britânico Standard Chartered, afirmou:
"Se me perguntarem onde estamos [na crise], eu responderei não sei".
Já era assim no primeiro dia, a quarta-feira, quando, em mesa com propósito idêntico, Trevor Manuel, o ministro sul-africano do Tesouro, afirmou que o grande desafio era saber o que de fato acontecera.
Essa situação de navegação no escuro foi reafirmada ontem por outra ministra de Economia, a francesa Christine Lagarde, para quem o mundo "passou os últimos três meses navegando no escuro, sob a ameaça de colapso".
Três meses é uma referência a setembro, o mês em que quebrou o Lehman Brothers, o que pôs o colapso no horizonte.
Christiane Amanpour, a repórter-estrela da CNN, trasladou a questão do "nada sabemos" ao primeiro-ministro britânico Gordon Brown, por ela entrevistado ontem no plenário do fórum de Davos. Brown não foi tão contundente quanto seu conterrâneo Sands, mas não deixou de dizer que se tratava da "primeira crise financeira global" e que, por isso, "não havia experiência anterior" que pudesse iluminar a escuridão vista por Lagarde.
A bem da verdade, não é que Davos -ou seja, a elite econômica, governamental e empresarial do planeta que se reúne todo janeiro nessa cidadezinha dos Alpes suíços- nada saiba. Sabe o que o mundo sabe. O seguinte:
1 - É uma crise bancária global, como repetiu ontem Gordon Brown. Ou, como prefere George Soros, o colapso do sistema financeiro.
O que fazer? "A maior prioridade é restaurar a confiança no sistema, acima de tudo entre os próprios atores do sistema financeiro", responde Lagarde.
"É difícil", retruca o banqueiro Sands, exatamente porque ele -como tantos outros- não sabe onde está. "Mas sei que não gosto de onde estou", completa.
2 - É preciso que a cúpula do G20 marcada para 2 de abril em Londres emita sinais claros, "sinais que têm que ser vendáveis à opinião pública, o que não é fácil quando os temas são CDS (o mecanismo financeiro chamado "credit default swap") ou Basileia 1, 2 ou 3 (as regras sobre bancos decididas nessa cidade, também suíça, onde fica o Banco de Compensações Internacionais, o banco central dos bancos centrais)", diz a ministra francesa.
Quando se conversa sobre assuntos tão áridos, "três quartos da audiência desiste de prestar atenção", diz Lagarde.
A cúpula do G20, o grupo das 20 maiores economias do mundo, está se transformando numa espécie de porta da esperança para todos os que navegam no escuro, na expectativa de que ela será o facho de luz que tudo iluminará.
Não será, assim, claro, mas Christine Lagarde torce, pelo menos, para que os líderes "voltem para casa com três ou quatro ações que possam dizer que vão implementar".

Endosso de Roubini
Montek Ahluwaya, presidente da Comissão de Planejamento da Índia, brinca que não basta que o público compre as decisões a serem adotadas pelo G20 sobre a nova arquitetura financeira global.
"É preciso que Nouriel Roubini as endosse", ironizou, referindo-se ao economista conhecido como Mr. Apocalipse que não só previu a crise antes que todos como passa o dia todo criticando todos os pacotes até agora lançados em todos os países do mundo.
"É uma corrida contra o tempo", adverte Lagarde, até porque ela coloca no horizonte imediato o risco de descontentamento social, que aliás começa a pipocar na Europa.
Ou, posto de outra forma, uma questão que era financeira e virou econômica, pela contaminação do setor real da economia com o crédito estrangulado, começa a caminhar na direção da política.
Fica fácil, nesse ambiente escuro e crítico, entender que outros "Roubinis" estejam aparecendo, fora da área da adivinhação econômica. Caso, por exemplo, de Kishore Mahbubani, reitor da Escola Lee Kuan Yew de Política Pública (Cingapura), para quem está no horizonte "o fim da dominação ocidental do mundo".
Esse tipo de afirmação grandiloquente é comum nos fóruns sociais como o de Belém. Que surja também em Davos é um claro sinal dos tempos.


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