São Paulo, domingo, 01 de março de 2009

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Crise se autoalimenta e piora nos EUA

Economia entra no ciclo vicioso em que retração no setor produtivo abala o segmento financeiro, e vice-versa

Inadimplência avança entre empresas e consumidores; espiral torna difícil uma avaliação de quando a crise no país encontrará um "piso"

FERNANDO CANZIAN
DE NOVA YORK

Uma série de indicadores e resultados de empresas conhecidos nos últimos dias sugere que os EUA entraram em uma espiral em que as duas principais vertentes da crise econômica vêm se autoalimentando. Os problemas no setor financeiro vazaram para a economia produtiva, que respondeu com mais desemprego e inadimplência, agravando ainda mais a situação do setor financeiro -reforçando o ciclo negativo.
Dados divulgados pelo Fed (o BC dos EUA) na semana passada mostram que a inadimplência (atrasos ou calotes em pagamentos) de consumidores e empresas com grandes instituições financeiras vem subindo rapidamente. O não-pagamento de faturas de cartões de crédito em janeiro, por exemplo, cresceu para 7,5% do total, um salto anual de 40%. Com menos receita ingressando e os calotes aumentando, os bancos veem-se obrigados a aumentar provisões para perdas, o que implica diminuição do crédito disponível para o consumo.
Ao consumir menos, os norte-americanos reduzem o faturamento das empresas não-financeiras, que tendem a cortar gastos e a demitir -elevando ainda mais a possibilidade de calotes entre seus ex-funcionários, por exemplo, ou entre os que têm medo de ser demitidos. Essa espiral torna difícil uma avaliação de quando a crise encontrará um "piso".
No caso de grandes varejistas, que costumam oferecer aos clientes cartões de crédito que têm por trás grandes bancos, a inadimplência atingiu 10,5% em janeiro, alta de 44% na comparação com um ano atrás.
Resultados apresentados pela gigante Target, que atua tanto no varejo quanto no atacado nos EUA, mostram que as despesas com calotes nos pagamentos de seus consumidores via cartões de crédito triplicaram nos últimos meses. E a receita da empresa caiu 41% no quarto trimestre de 2008.
Quedas de receita são enfrentadas com demissões, o que agrava o ciclo. A Macy's, por exemplo, com 860 lojas no país, decidiu cortar 7.000 empregos após ver seus lucros recuarem 59% no último trimestre de 2008. Na Sears, as vendas caíram 12%, e a empresa fechou 24 lojas e também demitiu.
Nessa espiral, a maioria das empresas não apenas está ampliando as demissões, e dificultando a recuperação do setor financeiro (que sofre com a inadimplência maior), como congelando qualquer expectativa de novas contratações ou de aumentos salariais.
Em uma tentativa ambiciosa de interromper esse ciclo vicioso, o presidente Barack Obama divulgou na semana passada as linhas gerais de seu primeiro Orçamento, para o ano fiscal que começa em outubro.
Ontem, em seu pronunciamento semanal, ele defendeu a aprovação do Orçamento no Congresso afirmando que "reflete a realidade que herdamos: um déficit de US$ 1 trilhão, uma crise financeira e uma recessão". Na peça orçamentária de Obama, o governo prevê gastos na proporção de quase US$ 2 para cada US$ 1 arrecadado, o que deve gerar um déficit de US$ 1,75 trilhão.
No mínimo, pois o Orçamento é otimista em relação à alta das receitas daqui em diante e a respeito da recuperação econômica. Prevê, por exemplo, que a economia encolherá só 1,2% neste ano e que crescerá 3,2% no próximo. Nenhum organismo multilateral tem demonstrado tanto otimismo.


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