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Junior, a anticelebridade, comanda decolagem da Gol
À frente da nova
dona da Varig, filho
de "seu Nenê" adota
a discrição como
estratégia
Empresário, que possui fortuna de US$ 1,1 bilhão,
almoçou galinhada com macarrão a bolonhesa e couve
após a aquisição
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Um dia depois de fechar o
maior negócio da história da
aviação no Brasil, a compra da
Varig por US$ 320 milhões, o
empresário Constantino Oliveira Junior, presidente da Gol,
almoçou galinhada com macarrão a bolonhesa e couve dentro
da empresa. Não teve champanhe nem festa para comemorar
o negócio, segundo José Garcia
Neto, o Netinho, um dos melhores amigos do presidente da
Gol e executivo da empresa aérea na área de seguros.
"Comer galinhada não é gênero, não", diz Netinho, 36. "O
Junior não freqüenta restaurante badalado, não tem adega
em casa e só vai com prazer a
festas de família." Casa de
praia, casa de montanha e viagens a lugares exóticos não fazem parte do seu cotidiano, de
acordo com o amigo.
Gostar de galinhada, um prato tipicamente caipira que
mescla galinha desfiada ou em
pedaços com arroz, e possuir
uma fortuna de US$ 1,1 bilhão,
segundo a lista da revista "Forbes", são os extremos nos quais
Oliveira Junior, 38, se equilibra
(outros três irmãos que são sócios da Gol têm uma fortuna do
mesmo valor).
A estratégia que usa para se
manter nessa corda bamba é a
discrição. Junior, como é chamado pelos amigos, é anticelebridade por excelência.
Da jardineira ao jato
Junior herdou do pai, Constantino Oliveira, 75, a Minas
profunda da galinhada. Seu Nenê, como é conhecido, é uma
lenda na recente história do capitalismo brasileiro. Começou
sua vida profissional em Patrocínio (MG) como catador de lenha, que era vendida para alimentar a maria-fumaça. Em
1949, aos 18 anos, comprou um
caminhão velho. Fez uma viagem a Pernambuco levando
manteiga, voltou como pau-de-arara, cheio de nordestinos na
carroceria, vendeu o veículo e
comprou duas jardineiras. Hoje o grupo Áurea, do qual é dono, tem a maior frota de ônibus
da América Latina (13 mil).
Foi o pai que teve a idéia de
investir numa companhia aérea. O plano inicial de seu Nenê
era comprar a Transbrasil, de
acordo com o engenheiro José
Carlos Mello, 65, consultor de
transportes há 35 anos que
ocupa a vice-presidência da
Gol. "Encontrei com o Nenê no
DNER [Departamento Nacional de Estradas de Rodagem].
Isso foi em 1998, 1999. Ficamos
umas duas horas conversando
embaixo de uma árvore. Desaconselhei a compra da Transbrasil e contei para ele que tinha um novo modelo de companhia aérea no mundo", diz.
No dia 1º de maio de 2000,
seu Nenê foi visitar Mello. "Vamos montar a companhia daquele jeitão que você falou", teria dito, segundo o relato do engenheiro.
Esse novo gênero de companhia aérea, chamado em inglês
de "low cost, low fare" (custo
baixo, tarifa barata), foi o modelo da Gol. No início de 2000,
numa sala do grupo Áurea em
São Bernardo do Campo (SP),
três pessoas começaram a esboçar a nova companhia aérea,
segundo Mello: Junior, o próprio Mello e Wilson Maciel Ramos, um especialista em informática que deixou a Vasp para
ser vice-presidente de tecnologia e gestão da Gol.
A Southwest, uma empresa
do Texas que chacoalhou o
mercado regional americano,
foi o modelo inicial. Em agosto
de 2000, o trio que começou a
Gol foi a Nova York visitar duas
companhias que adotavam o
modelo baixo custo: a easyJet e
a JetBlue.
Junior, à época, tinha duas
ou três certezas sobre a futura
empresa, ainda segundo Mello:
1) A frota tinha de ser unificada
em poucos modelos de avião
porque a manutenção é mais
barata; 2) Vendas pela internet
também reduziriam custos; 3)
Seria bobagem começar com
dois ou três aviões; a frota mínima deveria ser de dez aeronaves para criar uma malha própria. Uma lição aprendida nas
empresas de ônibus, a de que
frota nova reduz custos de manutenção, foi aplicada na empresa aérea.
O orgulho
No dia 15 de janeiro de 2001,
com seis aviões, e não dez, a Gol
estreou no mercado brasileiro.
Seis anos depois, é um caso de
sucesso mundial. Com um investimento inicial de US$ 20
milhões, criou-se uma empresa
que vale mais de US$ 6 bilhões.
Junior, sempre contido, não
disfarça o orgulho: "Foi a maior
criação de valor da história da
América Latina", disse numa
entrevista à revista "IstoÉ Dinheiro", em agosto de 2006.
Há um outro indicador internacional para avaliar o sucesso
da Gol. No ano passado, sua
margem operacional foi de
18,4% (margem operacional é o
resultado da divisão do lucro
operacional pela receita líquida
e é um dos melhores medidores
de eficiência). Só uma companhia área conseguiu resultados
melhores, a Ryanair, com 23%.
O mineiro tranqüilo
Junior conduziu a Gol a essa
posição com um estilo oposto
ao do criador de seu principal
concorrente, o comandante
Rolim Amaro, da TAM. Enquanto Rolim tornou-se garoto
propaganda da TAM, Junior
esconde sua imagem o máximo
que pode. Casado desde 1999
com uma ex-modelo de Belo
Horizonte, tem duas filhas
-todas, mulher e filhas, mantidas longe da mídia.
Nunca altera o tom de voz
nas reuniões, segundo Netinho
e Mello. "O Junior é uma moça
no trato. Fala baixo, pausado. É
"british'", conta Netinho.
Mesmo nas reuniões políticas mais tensas, ele não se altera, segundo Mello. "Todo mundo sabe que os concorrentes da
Gol têm um lobby poderoso em
Brasília. Já participei de reunião tensa com o Junior e ele
não muda o tom de voz. Sou eu
que tenho de falar alto", diz o
vice-presidente da Gol.
A única vez que o executivo
desabou foi no acidente do vôo
1907, no qual morreram 154
pessoas em setembro do ano
passado. "Ele ficou ferido na alma. Chorava que cortava o coração de quem via. Quem tem
uma companhia focada em
aviões novos e qualidade nunca
imagina que um dia terá de usar
a sala de crise", conta Mello. Sala de crise é exatamente o que o
nome diz.
O empresário Amir Nasr atribui o auto-controle e o gosto
pela competição de Junior ao
período em que ele foi piloto.
Correndo pela equipe de Nasr,
ele foi vice-campeão sul-americano de F-3 em 1993. "Ele treinava das 6h às 8h da manhã e ia
trabalhar. Tinha tudo para ser
um piloto de ponta na F-1", diz.
No ano seguinte, disputou
corridas de Fórmula 3.000 na
Inglaterra ao lado do escocês
David Couthard e chegou a ser
convidado para correr na F-1
pela Benetton. A altura de Junior, 1,88 m, era incompatível
com os cockpits da época, segundo o empresário.
Domingo passado, no Rio de
Janeiro, ele mostrou que ainda
é bom nas pistas. Chegou em
primeiro numa prova da Porsche GT3 Cup, à frente do cineasta Walter Salles. O apresentador Otávio Mesquita, que
lidera a disputa, faz graça: "Ele
voa lá em cima e aqui embaixo".
Para quem acha que Porsche,
um carro alemão que vale cerca
de R$ 800 mil, não combina
com galinhada, Netinho diz que
o carro não é de Junior. Ele
compete como convidado.
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