São Paulo, domingo, 01 de abril de 2007

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Junior, a anticelebridade, comanda decolagem da Gol

À frente da nova dona da Varig, filho de "seu Nenê" adota a discrição como estratégia

Empresário, que possui fortuna de US$ 1,1 bilhão, almoçou galinhada com macarrão a bolonhesa e couve após a aquisição

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um dia depois de fechar o maior negócio da história da aviação no Brasil, a compra da Varig por US$ 320 milhões, o empresário Constantino Oliveira Junior, presidente da Gol, almoçou galinhada com macarrão a bolonhesa e couve dentro da empresa. Não teve champanhe nem festa para comemorar o negócio, segundo José Garcia Neto, o Netinho, um dos melhores amigos do presidente da Gol e executivo da empresa aérea na área de seguros.
"Comer galinhada não é gênero, não", diz Netinho, 36. "O Junior não freqüenta restaurante badalado, não tem adega em casa e só vai com prazer a festas de família." Casa de praia, casa de montanha e viagens a lugares exóticos não fazem parte do seu cotidiano, de acordo com o amigo.
Gostar de galinhada, um prato tipicamente caipira que mescla galinha desfiada ou em pedaços com arroz, e possuir uma fortuna de US$ 1,1 bilhão, segundo a lista da revista "Forbes", são os extremos nos quais Oliveira Junior, 38, se equilibra (outros três irmãos que são sócios da Gol têm uma fortuna do mesmo valor).
A estratégia que usa para se manter nessa corda bamba é a discrição. Junior, como é chamado pelos amigos, é anticelebridade por excelência.

Da jardineira ao jato
Junior herdou do pai, Constantino Oliveira, 75, a Minas profunda da galinhada. Seu Nenê, como é conhecido, é uma lenda na recente história do capitalismo brasileiro. Começou sua vida profissional em Patrocínio (MG) como catador de lenha, que era vendida para alimentar a maria-fumaça. Em 1949, aos 18 anos, comprou um caminhão velho. Fez uma viagem a Pernambuco levando manteiga, voltou como pau-de-arara, cheio de nordestinos na carroceria, vendeu o veículo e comprou duas jardineiras. Hoje o grupo Áurea, do qual é dono, tem a maior frota de ônibus da América Latina (13 mil).
Foi o pai que teve a idéia de investir numa companhia aérea. O plano inicial de seu Nenê era comprar a Transbrasil, de acordo com o engenheiro José Carlos Mello, 65, consultor de transportes há 35 anos que ocupa a vice-presidência da Gol. "Encontrei com o Nenê no DNER [Departamento Nacional de Estradas de Rodagem]. Isso foi em 1998, 1999. Ficamos umas duas horas conversando embaixo de uma árvore. Desaconselhei a compra da Transbrasil e contei para ele que tinha um novo modelo de companhia aérea no mundo", diz.
No dia 1º de maio de 2000, seu Nenê foi visitar Mello. "Vamos montar a companhia daquele jeitão que você falou", teria dito, segundo o relato do engenheiro.
Esse novo gênero de companhia aérea, chamado em inglês de "low cost, low fare" (custo baixo, tarifa barata), foi o modelo da Gol. No início de 2000, numa sala do grupo Áurea em São Bernardo do Campo (SP), três pessoas começaram a esboçar a nova companhia aérea, segundo Mello: Junior, o próprio Mello e Wilson Maciel Ramos, um especialista em informática que deixou a Vasp para ser vice-presidente de tecnologia e gestão da Gol.
A Southwest, uma empresa do Texas que chacoalhou o mercado regional americano, foi o modelo inicial. Em agosto de 2000, o trio que começou a Gol foi a Nova York visitar duas companhias que adotavam o modelo baixo custo: a easyJet e a JetBlue.
Junior, à época, tinha duas ou três certezas sobre a futura empresa, ainda segundo Mello: 1) A frota tinha de ser unificada em poucos modelos de avião porque a manutenção é mais barata; 2) Vendas pela internet também reduziriam custos; 3) Seria bobagem começar com dois ou três aviões; a frota mínima deveria ser de dez aeronaves para criar uma malha própria. Uma lição aprendida nas empresas de ônibus, a de que frota nova reduz custos de manutenção, foi aplicada na empresa aérea.

O orgulho
No dia 15 de janeiro de 2001, com seis aviões, e não dez, a Gol estreou no mercado brasileiro. Seis anos depois, é um caso de sucesso mundial. Com um investimento inicial de US$ 20 milhões, criou-se uma empresa que vale mais de US$ 6 bilhões. Junior, sempre contido, não disfarça o orgulho: "Foi a maior criação de valor da história da América Latina", disse numa entrevista à revista "IstoÉ Dinheiro", em agosto de 2006.
Há um outro indicador internacional para avaliar o sucesso da Gol. No ano passado, sua margem operacional foi de 18,4% (margem operacional é o resultado da divisão do lucro operacional pela receita líquida e é um dos melhores medidores de eficiência). Só uma companhia área conseguiu resultados melhores, a Ryanair, com 23%.

O mineiro tranqüilo
Junior conduziu a Gol a essa posição com um estilo oposto ao do criador de seu principal concorrente, o comandante Rolim Amaro, da TAM. Enquanto Rolim tornou-se garoto propaganda da TAM, Junior esconde sua imagem o máximo que pode. Casado desde 1999 com uma ex-modelo de Belo Horizonte, tem duas filhas -todas, mulher e filhas, mantidas longe da mídia.
Nunca altera o tom de voz nas reuniões, segundo Netinho e Mello. "O Junior é uma moça no trato. Fala baixo, pausado. É "british'", conta Netinho.
Mesmo nas reuniões políticas mais tensas, ele não se altera, segundo Mello. "Todo mundo sabe que os concorrentes da Gol têm um lobby poderoso em Brasília. Já participei de reunião tensa com o Junior e ele não muda o tom de voz. Sou eu que tenho de falar alto", diz o vice-presidente da Gol.
A única vez que o executivo desabou foi no acidente do vôo 1907, no qual morreram 154 pessoas em setembro do ano passado. "Ele ficou ferido na alma. Chorava que cortava o coração de quem via. Quem tem uma companhia focada em aviões novos e qualidade nunca imagina que um dia terá de usar a sala de crise", conta Mello. Sala de crise é exatamente o que o nome diz.
O empresário Amir Nasr atribui o auto-controle e o gosto pela competição de Junior ao período em que ele foi piloto. Correndo pela equipe de Nasr, ele foi vice-campeão sul-americano de F-3 em 1993. "Ele treinava das 6h às 8h da manhã e ia trabalhar. Tinha tudo para ser um piloto de ponta na F-1", diz.
No ano seguinte, disputou corridas de Fórmula 3.000 na Inglaterra ao lado do escocês David Couthard e chegou a ser convidado para correr na F-1 pela Benetton. A altura de Junior, 1,88 m, era incompatível com os cockpits da época, segundo o empresário.
Domingo passado, no Rio de Janeiro, ele mostrou que ainda é bom nas pistas. Chegou em primeiro numa prova da Porsche GT3 Cup, à frente do cineasta Walter Salles. O apresentador Otávio Mesquita, que lidera a disputa, faz graça: "Ele voa lá em cima e aqui embaixo".
Para quem acha que Porsche, um carro alemão que vale cerca de R$ 800 mil, não combina com galinhada, Netinho diz que o carro não é de Junior. Ele compete como convidado.


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