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ARTIGO
A estratégia Dilbert
Objetivo do plano apresentado pelo governo Bush é criar a aparência de que
as autoridades respondem à crise, sem na prática fazer nada de substantivo
PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
SE VOCÊ já trabalhou para uma grande organização ou, aliás, se você é
leitor da tira de quadrinhos
"Dilbert", decerto conhece a
"estratégia do organograma".
Para esconder a falta de idéias
práticas sobre o que fazer, dirigentes gostam de promover
grande algazarra quando reorganizam as caixinhas e linhas
de um organograma informando quem se reporta a quem.
Pronto: você acaba de descobrir o princípio que embasa a
nova proposta do governo Bush
para a reforma financeira,
anunciada formalmente ontem. O objetivo é criar a aparência de que as autoridades estão respondendo à crise atual,
sem na prática fazer nada de
substantivo.
Os eventos financeiros dos
últimos sete meses, e especialmente das últimas semanas,
convenceram todo mundo, exceto os mais renitentes, de que
o sistema financeiro norte-americano precisa de uma séria
reforma. De outra forma, cambalearemos de crise em crise, e
as crises se tornarão cada vez
mais graves.
Os bancos tradicionais, que
oferecem contas a depositantes, operam regulamentados
desde os anos 1930, porque a
experiência da Grande Depressão demonstrou de que maneira falências de bancos podem
ameaçar toda a economia. Instituições que não aceitam depósitos, como o Bear Stearns,
no entanto, supostamente não
precisavam de regulamentação, porque a "disciplina do
mercado" asseguraria que fossem dirigidas de maneira responsável.
Quando a situação ferveu, no
entanto, o Federal Reserve
(Fed, o banco central dos Estados Unidos) não ousou permitir que a disciplina do mercado
resolvesse a situação. Em lugar
disso, correu em resgate do
Bear Stearns, colocando em risco bilhões de dólares dos contribuintes, porque temia que o
colapso de uma grande instituição financeira colocasse em risco o sistema financeiro como
um todo.
E se protagonistas das finanças como o Bear Stearns vão receber essa espécie de resgate,
anteriormente limitada aos
bancos que aceitam depósitos,
a implicação parece óbvia: eles
também devem ser regulamentados como bancos.
Mas o governo Bush passou
os últimos sete anos tentando
eliminar a fiscalização governamental sobre o setor financeiro. De fato, o novo plano havia sido originalmente concebido como uma forma de "promover um setor de serviços financeiros competitivo, que lidere o mundo e apóie a inovação continuada das finanças".
Desregulados
Isso é jargão de banqueiro
para a eliminação de qualquer
regulamentação que possa incomodar os grandes operadores financeiros.
Para reverter o curso agora, e
procurar regulamentação mais
ampla, o governo teria de recuar com relação à sua ideologia de livre mercado e também
teria de encarar o fato de que
estava errado. E esse governo
nunca, nunca mesmo, admitirá
que cometeu um erro.
Por isso, o secretário do Tesouro, Henry Paulson, declara
que não acredita que seja justo
ou acurado imputar a culpa pelos recentes tumultos à nossa
estrutura regulatória.
E, pelo menos de acordo com
o sumário do novo plano do governo, a regulamentação certamente parece limitada a instituições que recebam garantias
federais explícitas, ou seja, às
instituições que já estão regulamentadas e não foram a origem
dos atuais problemas.
Quanto aos demais componentes do sistema, o plano insensatamente declara que "a
disciplina de mercado é a mais
efetiva ferramenta para limitar
o risco sistêmico".
O que significa que o governo
nada aprendeu com a crise
atual. Mas é preciso, como
questão política, que crie a ilusão de estar fazendo alguma
coisa.
Assim, o Tesouro anunciou,
com grande alarde -e vocês sabem o que virá a seguir-, seu
apoio a uma reorganização das
caixas do organograma. OCC,
OTS e CFTC estão fora; PFRA e
CBRA entram na parada. Quem
se importa?
Alguma diferença?
Será que reorganizar as caixas fará alguma diferença? Fiquei decepcionado por algumas
organizações noticiosas estarem reportando como notícia a
história que o governo inventou para encobrir os fatos: a alegação de que a falta de coordenação entre as agências regulatórias foi um fator importante
para as atuais dificuldades.
A verdade é que não foi isso o
que aconteceu, de maneira alguma. As diversas agências regulatórias de fato se saíram
bastante bem quanto à coordenação de suas ações. Infelizmente, elas foram coordenadas
na direção errada.
Por exemplo, houve um
evento montado para fins de
relações públicas em 2003 no
qual dirigentes de diversas
agências posaram com podadeiras e serras como se estivessem podando e abatendo pilhas
de regulamentações bancárias.
A ocasião simbolizava a determinação compartilhada dos
funcionários apontados pelo
governo Bush quanto a abandonar a fiscalização do mercado por adultos exatamente no
momento em que este começava a se comportar de maneira
irresponsável.
Oh, e o governo Bush na prática impediu que governos estaduais tentassem proteger famílias contra práticas predatórias de empréstimos.
Assim, o plano do governo terá sucesso? Não pergunto se terá sucesso em prevenir futuras
crises, já que não é esse o seu
propósito. A questão, em lugar
disso, é determinar se obterá
sucesso em confundir a questão o bastante para bloquear
reformas reais.
Esperemos que não. Como
eu disse, as crises financeiras
norte-americanas vêm crescendo. Uma década atrás, a perturbação nos mercados que se
seguiu ao colapso da Long-Term Capital Management foi
considerada um evento grave,
assustador; mas, comparada à
crise atual, não passou de uma
sacudidela.
Se não reformarmos o sistema desta vez, a próxima crise
poderá ser ainda maior. E eu tenho certeza de que não quero
viver uma reprise da década de
1930.
PAUL KRUGMAN , economista, é colunista do
"New York Times" e professor na Universidade
Princeton (EUA).
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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