São Paulo, quinta-feira, 01 de abril de 2010

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Armando Nogueira


Armando, Nelson Rodrigues e João Saldanha desmentem o lugar-comum de que ninguém é insubstituível

ESTOU NA CHINA , leitor, onde recebi a triste notícia da morte do Armando Nogueira. Era uma figura emblemática do nosso jornalismo, especialmente do jornalismo futebolístico. Apesar da coincidência de sobrenomes, não havia parentesco entre nós. Mas, desde a infância profunda, sempre acompanhava, com interesse arregalado, a sua participação em resenhas de futebol na TV. Uma delas, dos anos 60, chamava-se (se não me falha a memória) "Bola na Mesa". Dela participavam, além do Armando, o João Saldanha, o Nelson Rodrigues e um flamenguista perna de pau, José Maria Scassa, que era alvo fácil para as ironias e piadas do Nelson.
O Armando tinha um humor mais doce, mais compassivo. O Nelson e o Saldanha tinham muito menos tato -e o pobre Scassa passava maus momentos. Com essa escalação, o "Bola na Mesa" era, às vezes, mais interessante do que os próprios jogos da rodada.
A morte de uma pessoa como Armando Nogueira altera as nossas relações com o passado. Um dos chavões menos verdadeiros que conheço é este: "Ninguém é insubstituível". O Armando, assim como o Nelson e o Saldanha, são desmentidos enfáticos desse lugar-comum.
Um momento do Armando que ficou na minha memória foi o seu improviso emocionado e emocionante sobre a eliminação da Seleção Brasileira da Copa de 1982, que foi -o leitor deve se lembrar- uma das melhores e mais cintilantes seleções de futebol da história brasileira e mundial. Ferido de espanto, Armando fez, naquele dia, na TV Bandeirantes, um belíssimo lamento sobre a inesperada derrota do Brasil diante da Itália, que tinha na época um time apenas esforçado, apenas batalhador. Espero que as televisões aí no Brasil estejam reprisando, várias vezes, esse momento maravilhoso da crônica futebolística brasileira.
Muitos anos depois, estive algumas vezes com o Armando na casa da Lilian Witte Fibe e do Alexandre Gambirazzio. Eu sempre pedia a ele que contasse histórias do Nelson. E ele gostava de contar. Uma vez, comentei com ele o contraste que me parecia espantoso entre o Otto Lara Resende pessoa física -que brilhava nas conversas como ninguém- e o Otto pessoa jurídica, cronista e autor de vários livros, que tinha um texto pesado e meio opaco, certa mania de citar Anatole France e coisas do gênero. O Nelson dizia que o Estado brasileiro deveria pagar um taquígrafo para seguir o Otto e anotar furiosamente as frases de impacto que ele ia espalhando aos quatro ventos, mas não botava no papel nem a tiro.
E o Armando para mim: "Você sabe o que o Nelson dizia sobre isso? O Otto só vai escrever direito depois que for currado por dois crioulões no aterro do Flamengo".
Melhor ainda foi outra que o Armando me contou e que até já publiquei aqui nesta coluna há muitos anos. Acho que vale uma reprise. Essa aconteceu no final dos anos 60, por aí. Segundo o Armando, o Nelson e o Otto caminhavam tranquilamente pela avenida Atlântica, quando o Otto resolveu fazer uma advertência grave: "Nelson, você está atacando demais as esquerdas, demais! Qualquer dia leva um tiro!". O Nelson ficou pensativo e perguntou: "Você acha mesmo, Otto, que podem me matar?". O outro foi enfático: "Acho, sim". O Nelson pensou mais um pouco e perguntou, em tom também grave: "Se me matarem, você escreve a meu respeito?".
O Otto, sem hesitar, respondeu: "Claro".
E o Nelson: "Mas exagera, viu, exagera!".


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 54, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago), mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal.

pnbjr@attglobal.net


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