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OPINIÃO ECONÔMICA
O dia da cidadania
PAULO RABELLO DE CASTRO
Comemora-se o 1º de Maio
como uma espécie de "dia
da cidadania" porque, nessa data, o cidadão pode substituir
ação por reflexão. Poder parar,
para refletir sobre a sua própria
condição humana, só é um direito em organizações sociais avançadas ou que, pelo menos, admitem, no seu imaginário coletivo,
tentar igualar as oportunidades
de acesso.
A festa do 1º de Maio é uma forma de congregar a força dispersa
do trabalho. A Força Sindical faz
isso muito bem, ao reunir mais
de 1 milhão de pessoas na praça,
hoje.
Mas a reflexão não está ausente. Começou na segunda-feira,
por meio de um notável "Encontro com os Presidenciáveis" reunindo trabalhadores, empresários, mídia e povo em geral, na
mesma praça, para uma conversa sobre o futuro de cada um, de
todos. O encontro, uma realização da Força Sindical com a colaboração do Instituto Atlântico e
da Bovespa, buscou passar a cada um dos presidenciáveis uma
agenda da cidadania, espelhada
no roteiro de temas que as três
instituições organizadoras pensaram em conjunto para o debate sucessivo com Ciro, Garotinho,
Serra e Lula.
Esses senhores, que se habilitam à condição de maestro dos
anseios da nação brasileira, também vieram expor suas reflexões
e convicções. Por trás das muitas
e acentuadas diferenças de estilo
e de substância, as exposições revelaram um grau elevado e perigoso de improviso no discurso
dos candidatos diante da grandeza dos desafios expostos à sua
consideração.
Embora um resumo dos debates seja impraticável neste espaço, os assuntos que gritam e berram mais alto, pelo volume de
perguntas da platéia paulista,
são os da insegurança pessoal, da
aposentadoria minguante e do
desemprego crescente.
A brutalidade das ruas, que
ceifa a vida de inocentes por hora
e por minuto, espelha a convulsão social endêmica, em parte resultado dos assaltos econômicos
deixados praticar -e ainda praticados- pelo governo contra as
economias populares, seja pela
omissão de autoridade, seja pelas
interferências canhestras em benefício exclusivo da própria máquina pública.
Essa máquina devora, hoje, nada menos do que a terça parte de
todos os rendimentos gerados
neste país anualmente, sendo
possível que a carga tributária
atinja 35% da renda nacional
em 2002. Ciro Gomes foi o único
a tecer críticas ao assalto tributário. Mas essa dinheirama colossal
de receitas fiscais, embora toda
ela transformada em gastos públicos, é incapaz de satisfazer as
demandas básicas da população,
a começar pela insegurança absoluta dos cidadãos nas ruas, até
dentro das casas. Não pode haver
paradoxo de autoridade maior
do que esse, de um poder público
exemplar na taxação das rendas,
cobrando impostos inclusive de
um prato de comida, mas incapaz de manter índices minimamente aceitáveis de convivência
pacífica na sociedade da qual ele
extrai tudo.
Está mais do que claro ser o
próprio Estado o autor da violência, cúmplice da anticidadania.
Como pode ele, então, ser o inspirador de conquistas mais ambiciosas, ou preparar a nação para
a competição no mundo do futuro e propiciar às gerações de hoje
uma visão de suas possibilidades
pessoais no futuro? Os candidatos à Presidência não passaram
uma visão clara desse futuro. A
ausência do amanhã, a equivocada (ou não) percepção do jovem de hoje, da inexistência ou
impossibilidade de qualquer futuro, certamente opera em seu
ânimo como um poderoso aliciador da sua decisão de contestar a
disciplina da espera, de não mais
resignar-se à rotina de um emprego, de preferir pular o muro
da lei, na expectativa de encontrar algo melhor "do outro lado"
da sua desesperança.
A distância dos governantes a
esse grito de almas não poderia
ser mais evidente. Sobram recursos financeiros, mas faltam recursos intelectuais e de planejamento para o governo lidar com
o desafio da violência. Neste momento, o Estado brutal e voraz
reivindica para si a renda de R$
20 bilhões de uma CPMF cobrada sobre cada movimentação de
cheques, por cima de toda a massa de tributos já por ele apropriada, sob o argumento de garantir
sua própria segurança financeira
ameaçada. Basta que façamos
contas simples. A arrecadação
anual da CPMF corresponde, sozinha, a R$ 120 por brasileiro. Isso representa R$ 600 reais por
ano ou R$ 50 reais por mês, por
família de cinco pessoas. Esse valor da CPMF seria uma cota capaz de sustentar uma guarda
pessoal e comunitária, 24 horas
por dia, para cada família brasileira. Mas onde está esse policiamento? Pelo contrário, a CPMF é
sacada contra a população em
geral, sem o benefício de contrapartidas evidenciáveis. Essa conta simples dá a dimensão do potencial de interferência do governo sobre a renda das pessoas e, ao
mesmo tempo, o tremendo descompasso entre o montante de
recursos postos nas mãos do poder público e o seu efetivo retorno
em serviços prestados à comunidade.
O próprio Estado, como inspirador de violência e produtor de
insegurança, parece ser a reflexão que falta fazer no dia da cidadania. A crítica do Estado que
não protege, mas assalta, foi a
grande lacuna no debate do "Encontro com os Presidenciáveis",
razão pela qual continua alto o
risco de frustração com o próximo governante, seja ele quem for.
Paulo Rabello de Castro, 53, doutor
em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
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