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OPINIÃO ECONÔMICA
Proposta tímida da Fecomercio
MARCOS CINTRA
A Fecomercio (Federação
do Comércio do Estado de
São Paulo) apresentou recentemente estudo encomendado à Fipe/USP com o objetivo de simplificar o sistema de impostos. A reforma tributária proposta no trabalho ocorreria em duas etapas. A
primeira unificaria o ICMS, o IPI,
o ISS, o PIS/Pasep, a Cofins e o Simples em um imposto sobre o valor
agregado com alíquota de 12%. A
segunda fase uniria o Imposto de
Renda (pessoa física e jurídica), a
CSLL e as contribuições previdenciárias em um imposto geral sobre
a renda com alíquota de 17%, sem
dedução ou isenção.
Em linhas gerais, o projeto de reforma tributária pretende reunir
tributos que representam quase
80% da carga tributária sobre
duas bases tradicionais. O consumo e a renda seriam as vigas mestras do sistema proposto.
A iniciativa da Fecomercio de
desfraldar novamente a bandeira
da simplificação deve ser aplaudida, e o projeto da Fipe caminha
nessa direção. Afinal, unificar uma
dezena de impostos sobre duas bases cria uma estrutura mais simples e mais eficiente. Porém a simplificação do conjunto destrói importantes conquistas parciais já
obtidas com a tributação simplificada para as micro e pequenas empresas -o Simples, que seria eliminado. Nesse sentido, a proposta é
um retrocesso.
Cabe destacar ainda o irrealismo
quantitativo do projeto. As baixas
alíquotas dos novos impostos a serem criados são desejáveis, pois a
atual carga tributária brasileira é
abusiva. Mas trata-se evidentemente de uma subestimação relativamente aos níveis atuais de arrecadação. Possivelmente por essa
razão os técnicos recomendam que
a estrutura proposta somente seria
implementada a partir do quinto
ano após a adoção de medidas que
tivessem efeito reducionista sobre
os gastos públicos.
É importante citar que as alíquotas atuais necessárias para os dois
impostos seriam de 18%, no caso
do IVA, e de 19% (Imposto de Renda). É improvável que medidas fiscais reduzam despesas numa magnitude que permita praticar alíquotas como as projetadas.
É inquestionável a necessidade
de flexibilizar o Orçamento federal, melhorar a qualidade dos gastos e reduzir as despesas. Mas a reforma tributária não pode permanecer em compasso de espera até
que outras ações sejam implementadas. O argumento de que é preciso primeiro reduzir gastos para depois mudar a estrutura de impostos é continuar fazendo o jogo dos
que se beneficiam de sistema que
castiga o assalariado e as empresas
formais. Quem ganha com a postergação da reforma tributária são
as atividades informais, os sonegadores e o governo federal.
Outra limitação do trabalho da
Fecomercio é incorporar de forma
indiscriminada o conhecimento
convencional que sataniza a cumulatividade e endeusa os impostos sobre valor agregado e sobre a
renda. Nesse sentido, a proposta da
Fipe mantém uma estrutura de
natureza declaratória. Mesmo reduzida, permaneceria a necessidade do papelório. Nesse ambiente,
ainda haveria estímulo às práticas
da sonegação, da evasão e da corrupção, típicas da cultura burocrática brasileira. As alíquotas propostas atenuariam essa tendência.
Mas são manifestamente irrealistas. Na prática a implantação do
modelo proposto apenas seria viável com alíquotas significativamente mais altas, o que estimularia a evasão e a iniqüidade social
dela resultante.
É importante ressaltar que qualquer reforma tributária deve incorporar os impactos do fenômeno
da globalização, que vem produzindo crescente mobilidade da renda das grandes empresas e das pessoas físicas com rendimentos elevados. A competição tributária internacional recomenda que novos
modelos não criem excessiva dependência de bases como a renda,
que notoriamente vem perdendo
capacidade arrecadatória.
Muitos acreditam que as fraudes
fiscais e o "planejamento tributário" devem ser combatidos com fiscalização mais invasiva e com medidas punitivas mais rigorosas. Isso é uma meia verdade. Intensificar o controle e a fiscalização pode
inibir, mas não evita que contribuintes graúdos, pessoas físicas ou
empresas, escondam patrimônio e
faturamento. O efeito dessa fuga de
arrecadação é sempre o mesmo: as
empresas locais e os trabalhadores
formais acabam sendo chamados
para compensar a sonegação e a
evasão dos grandes contribuintes.
A concepção de um projeto de reforma tributária deve prevenir essas ocorrências. Não basta fiscalizar e punir.
A simplificação desejada deve tomar por base o uso de tributos que
combatam a sonegação de forma
sistêmica, estrutural, e que garantam maior eqüidade e abrangência aos mecanismos de arrecadação. Insistir em bases declaratórias
que demandam alíquotas altas para compensar a crescente evasão e
abram espaço para a continuidade
da sonegação e de corrupção com
certeza não é o caminho a ser percorrido para corrigir as distorções
causadas pelos impostos no Brasil.
A proposta da Fipe, apesar de
avançar e inovar ao propor drástica redução nas bases tributárias a
serem utilizadas, comete erro capital ao repudiar a experiência acumulada no Brasil com o uso da
movimentação financeira como
base de incidência. Sua utilização
tornaria o sistema mais simples e
ao mesmo tempo mais justo e menos discriminatório.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 60, doutor pela Universidade
Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas,
foi deputado federal (1999-2003). É autor
de "A verdade sobre o Imposto Único"
(LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras,
a cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
E-mail -
mcintra@marcoscintra.org
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