São Paulo, domingo, 01 de junho de 2008

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"Brasil é meu favorito", diz criador do Bric

Economista do Goldman Sachs Jim O'Neill diz que país atrairá investimentos, mas que queda das commodities será "desafio"

O'Neill se diz inquieto com eventual perigo de "doença holandesa", mas afirma que o Brasil deve parar de se preocupar com o câmbio


FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Criador da expressão Brics, o economista-chefe do banco Goldman Sachs, Jim O'Neill, afirma que o Brasil é atualmente o país "mais interessante" entre os que compõem o acrônimo formado por Brasil, Rússia, Índia e China.
"O Brasil tem sido o meu Bric favorito desde o ano passado e continua assim. Em termos cíclicos, as oportunidades de investimento no Brasil estão melhores do que nos outros Brics", disse O'Neill em entrevista por telefone à Folha de seu escritório em Londres.
Para O'Neill, os preços de ativos como ações continuam baratos no Brasil, e o crescimento e os investimentos tendem a se acelerar com a recente decisão das agências Standard & Poor's e Fitch de classificar o país como grau de investimento. Apesar das boas expectativas, O'Neill acredita que o Brasil está surfando "tranqüilo demais" neste momento por causa do boom dos preços das commodities.
"Saberemos se o Brasil está indo para algum lugar quando os preços das commodities começarem a cair. O forte aumento nos preços tornou as coisas muito fáceis para o Brasil", afirma O'Neill. O economista projeta uma queda de até 20% nos valores das commodities a médio prazo.
O'Neill também vislumbra o risco de o Brasil estar sofrendo um lento processo de desindustrialização por conta da prevalência das exportações de commodities em detrimento de setores mais sofisticados.
Mesmo assim, afirma que as autoridades brasileiras devem "parar de se preocupar" com o câmbio e se concentrar no combate à inflação. Leia trechos da entrevista:

 

FOLHA - Como o sr. avalia a situação econômica do Brasil hoje? Ela preenche as expectativas que o sr. tinha quando cunhou a expressão Brics, há seis anos e meio?
JIM O'NEILL
- Nos primeiros cinco anos, o Brasil foi um desapontamento, mas no sexto ano o país mostrou evidências de que o ritmo de crescimento está aumentando. Hoje, eu diria que o Brasil é a economia mais interessante entre todos os outros Brics, especialmente pela perspectiva dos investimentos.
Digo isso por três motivos: o Brasil não está excessivamente explorado do ponto de vista do mercado de ações, como Índia e China. O Brasil também dá sinais de acelerar o seu potencial de crescimento e possivelmente pode chegar a taxas de 4% a 7% ao ano. Por último, há o fator favorável de as agências de classificação de risco estarem melhorando as notas do país. O Brasil tem sido o meu Bric favorito desde o ano passado e continua assim. Em termos cíclicos, as oportunidades de investimento no Brasil estão melhores do que nos outros Brics.
A China está caindo de uma taxa de crescimento próxima a 12% para algo mais perto de 8%. A Índia também se desacelerou, embora ainda não haja sinais de desaquecimento na Rússia, especialmente em virtude da influência dos preços das commodities. Por isso é que vejo a situação do Brasil como interessante, já que a sua economia se acelera enquanto a maior parte das outras tende a esfriar daqui para a frente.

FOLHA - Muitos economistas no Brasil acreditam que a economia esteja aquecida demais. A inflação está de volta, assim como em outros países, e o Brasil voltou a ter déficit em suas transações com o resto do mundo devido a saltos cada vez maiores nas importações para atender o consumo crescente. Não corremos o risco de voltar a um ciclo de crescimento do tipo "stop and go"?
O'NEILL
- Os níveis de inflação no Brasil são hoje mais modestos do que na Índia e na China e dramaticamente menores do que na Rússia. Dado o histórico brasileiro em termos de inflação, isso é muito positivo, pois o país afastou definitivamente a ameaça da hiperinflação.
É possível que o Brasil esteja aquecido demais, embora não esteja convencido disso. Mas é importante que a política monetária permaneça atenta a esse risco para não deixar que o país volte a um novo quadro de inflação fora do controle.

FOLHA - Os juros altos no Brasil aliados ao boom nos preços das commodities estão atraindo cada vez mais dólares ao país. O dólar não pára de cair, as exportações em volume estão estagnadas e as importações explodiram. O sr. vê riscos aí?
O'NEILL
- Creio que os riscos que esse quadro impõe sejam contornáveis. Trata-se de um bom problema se o compararmos aos que o país tinha no passado recente. É preciso mantermos as coisas em perspectiva para ver isso. Mas, definitivamente, é um problema. Mas de natureza diferente.
Creio que, para sabermos se realmente o Brasil está indo para algum lugar e mudando de patamar em termos de seu potencial de longo prazo, teremos que esperar o momento em que os preços das commodities começarão a cair. Antes que isso aconteça, é difícil julgar se o Brasil de fato mudou de forma estrutural ou não. O forte aumento nos preços dessas commodities tornou as coisas muito fáceis para o Brasil.

FOLHA - O sr. vê perspectiva de queda consistente nos preços das commodities?
O'NEILL
- Tenho participado dos mercados internacionais há muito tempo. Nenhum preço de ativo, seja ele qual for, vai sempre na mesma direção. Não acredito que os preços das commodities vão se sustentar no atual patamar. Como disse, a China começa a se desacelerar um pouco. Os EUA estão próximos de uma recessão. Não estou convencido de que a trajetória de preços é para cima. Não afastaria a hipótese de queda ao redor de 20% nos preços das commodities a médio prazo.

FOLHA - Seria uma tremenda má notícia para o Brasil.
O'NEILL
- Vejo essa possibilidade mais como um desafio do que como um problema. Como disse, talvez seja o tipo de desafio que o Brasil esteja precisando enfrentar.

FOLHA - Por falar em desafios, como o sr. vê o fato de o Brasil ter praticamente abandonado sua agenda de reformas estruturais enquanto passou a surfar na boa onda da economia internacional?
O'NEILL
- Esse tem sido um desdobramento muito desapontador em relação ao Brasil. Por isso digo que uma eventual queda nos preços das commodities pode ser boa notícia para o Brasil, recolocando o país perante os desafios que precisa enfrentar. Além disso, suspeito que, por conta dos preços das commodities, o Brasil esteja sofrendo hoje da "doença holandesa" [quando o aumento de receita com a exportação de recursos naturais valoriza demais a moeda local e leva à desindustrialização do setor manufatureiro, que fica menos competitivo em relação aos produtos externos].
Ter riquezas muito grandes em commodities algumas vezes pode tornar a vida fácil demais. Aponte-me um país muito farto em commodities que tenha se tornado muito rico. Por isso vejo como fundamental que o Brasil volte a perseguir sua agenda de reformas.

FOLHA - A possibilidade dessa lenta desindustrialização e as contas externas no vermelho são produtos do dólar muito desvalorizado, tanto por conta das commodities quanto dos juros elevados, que atraem investidores ao Brasil. Como resolver?
O'NEILL
- Acho que o Brasil tem de parar de se preocupar com a taxa de câmbio, pois em algum momento futuro o real vai voltar a se desvalorizar. No momento em que os preços das commodities começarem a cair, muito provavelmente essa situação vai mudar. Não é razoável dar tanta atenção a esse problema quando o país tem uma taxa de câmbio flutuante e uma economia aberta. Eu entendo os desafios que existem nessa área, mas não creio que o foco seja esse. O mais importante para o Brasil é manter a inflação sob controle.

FOLHA - Como o sr. avalia o atual cenário para a economia mundial, especialmente diante da possibilidade de os Estados Unidos entrarem em recessão?
O'NEILL
- Se houver qualquer sinal de que os EUA vão conseguir se recuperar e atravessar os desafios que têm pela frente, e eles são grandes, acabou. Tudo volta ao normal, especialmente por causa dos Brics. E, apesar do peso dos EUA, por causa dos Brics não vale mais a premissa de que o mundo pega uma pneumonia a cada vez que os EUA têm uma gripe. Isso acabou. O mundo tem todas as condições de conviver com uma recessão modesta nos EUA. Em vez de crescer 5%, o mundo cresceria 3,5%.
Não estaria nada mal.


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