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"Brasil é meu favorito", diz criador do Bric
Economista do Goldman Sachs Jim O'Neill diz que país atrairá investimentos, mas que queda das commodities será "desafio"
O'Neill se diz inquieto com
eventual perigo de "doença
holandesa", mas afirma que
o Brasil deve parar de se
preocupar com o câmbio
FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Criador da expressão Brics, o
economista-chefe do banco
Goldman Sachs, Jim O'Neill,
afirma que o Brasil é atualmente o país "mais interessante"
entre os que compõem o acrônimo formado por Brasil, Rússia, Índia e China.
"O Brasil tem sido o meu Bric
favorito desde o ano passado e
continua assim. Em termos cíclicos, as oportunidades de investimento no Brasil estão melhores do que nos outros Brics",
disse O'Neill em entrevista por
telefone à Folha de seu escritório em Londres.
Para O'Neill, os preços de ativos como ações continuam baratos no Brasil, e o crescimento
e os investimentos tendem a se
acelerar com a recente decisão
das agências Standard & Poor's
e Fitch de classificar o país como grau de investimento.
Apesar das boas expectativas, O'Neill acredita que o Brasil está surfando "tranqüilo demais" neste momento por causa do boom dos preços das
commodities.
"Saberemos se o Brasil está
indo para algum lugar quando
os preços das commodities começarem a cair. O forte aumento nos preços tornou as
coisas muito fáceis para o Brasil", afirma O'Neill. O economista projeta uma queda de até
20% nos valores das commodities a médio prazo.
O'Neill também vislumbra o
risco de o Brasil estar sofrendo
um lento processo de desindustrialização por conta da
prevalência das exportações de
commodities em detrimento
de setores mais sofisticados.
Mesmo assim, afirma que as
autoridades brasileiras devem
"parar de se preocupar" com o
câmbio e se concentrar no
combate à inflação. Leia trechos da entrevista:
FOLHA - Como o sr. avalia a situação econômica do Brasil hoje? Ela
preenche as expectativas que o sr.
tinha quando cunhou a expressão
Brics, há seis anos e meio?
JIM O'NEILL - Nos primeiros cinco anos, o Brasil foi um desapontamento, mas no sexto ano
o país mostrou evidências de
que o ritmo de crescimento está aumentando. Hoje, eu diria
que o Brasil é a economia mais
interessante entre todos os outros Brics, especialmente pela
perspectiva dos investimentos.
Digo isso por três motivos: o
Brasil não está excessivamente
explorado do ponto de vista do
mercado de ações, como Índia e
China. O Brasil também dá sinais de acelerar o seu potencial
de crescimento e possivelmente pode chegar a taxas de 4% a
7% ao ano. Por último, há o fator favorável de as agências de
classificação de risco estarem
melhorando as notas do país.
O Brasil tem sido o meu Bric
favorito desde o ano passado e
continua assim. Em termos cíclicos, as oportunidades de investimento no Brasil estão melhores do que nos outros Brics.
A China está caindo de uma
taxa de crescimento próxima a
12% para algo mais perto de
8%. A Índia também se desacelerou, embora ainda não haja
sinais de desaquecimento na
Rússia, especialmente em virtude da influência dos preços
das commodities. Por isso é que
vejo a situação do Brasil como
interessante, já que a sua economia se acelera enquanto a
maior parte das outras tende a
esfriar daqui para a frente.
FOLHA - Muitos economistas no
Brasil acreditam que a economia esteja aquecida demais. A inflação está de volta, assim como em outros
países, e o Brasil voltou a ter déficit
em suas transações com o resto do
mundo devido a saltos cada vez
maiores nas importações para atender o consumo crescente. Não corremos o risco de voltar a um ciclo de
crescimento do tipo "stop and go"?
O'NEILL - Os níveis de inflação
no Brasil são hoje mais modestos do que na Índia e na China e
dramaticamente menores do
que na Rússia. Dado o histórico
brasileiro em termos de inflação, isso é muito positivo, pois o
país afastou definitivamente a
ameaça da hiperinflação.
É possível que o Brasil esteja
aquecido demais, embora não
esteja convencido disso. Mas é
importante que a política monetária permaneça atenta a esse risco para não deixar que o
país volte a um novo quadro de
inflação fora do controle.
FOLHA - Os juros altos no Brasil
aliados ao boom nos preços das
commodities estão atraindo cada
vez mais dólares ao país. O dólar não
pára de cair, as exportações em volume estão estagnadas e as importações explodiram. O sr. vê riscos aí?
O'NEILL - Creio que os riscos
que esse quadro impõe sejam
contornáveis. Trata-se de um
bom problema se o compararmos aos que o país tinha no
passado recente. É preciso
mantermos as coisas em perspectiva para ver isso. Mas, definitivamente, é um problema.
Mas de natureza diferente.
Creio que, para sabermos se
realmente o Brasil está indo para algum lugar e mudando de
patamar em termos de seu potencial de longo prazo, teremos
que esperar o momento em que
os preços das commodities começarão a cair. Antes que isso
aconteça, é difícil julgar se o
Brasil de fato mudou de forma
estrutural ou não. O forte aumento nos preços dessas commodities tornou as coisas muito fáceis para o Brasil.
FOLHA - O sr. vê perspectiva de
queda consistente nos preços das
commodities?
O'NEILL - Tenho participado
dos mercados internacionais
há muito tempo. Nenhum preço de ativo, seja ele qual for, vai
sempre na mesma direção. Não
acredito que os preços das commodities vão se sustentar no
atual patamar. Como disse, a
China começa a se desacelerar
um pouco. Os EUA estão próximos de uma recessão. Não estou convencido de que a trajetória de preços é para cima. Não
afastaria a hipótese de queda ao
redor de 20% nos preços das
commodities a médio prazo.
FOLHA - Seria uma tremenda má
notícia para o Brasil.
O'NEILL - Vejo essa possibilidade mais como um desafio do
que como um problema. Como
disse, talvez seja o tipo de desafio que o Brasil esteja precisando enfrentar.
FOLHA - Por falar em desafios, como o sr. vê o fato de o Brasil ter praticamente abandonado sua agenda
de reformas estruturais enquanto
passou a surfar na boa onda da economia internacional?
O'NEILL - Esse tem sido um desdobramento muito desapontador em relação ao Brasil. Por isso digo que uma eventual queda nos preços das commodities
pode ser boa notícia para o Brasil, recolocando o país perante
os desafios que precisa enfrentar. Além disso, suspeito que,
por conta dos preços das commodities, o Brasil esteja sofrendo hoje da "doença holandesa"
[quando o aumento de receita
com a exportação de recursos
naturais valoriza demais a
moeda local e leva à desindustrialização do setor manufatureiro, que fica menos competitivo em relação aos produtos
externos].
Ter riquezas muito grandes
em commodities algumas vezes
pode tornar a vida fácil demais.
Aponte-me um país muito farto em commodities que tenha
se tornado muito rico. Por isso
vejo como fundamental que o
Brasil volte a perseguir sua
agenda de reformas.
FOLHA - A possibilidade dessa lenta desindustrialização e as contas
externas no vermelho são produtos
do dólar muito desvalorizado, tanto
por conta das commodities quanto
dos juros elevados, que atraem investidores ao Brasil. Como resolver?
O'NEILL - Acho que o Brasil tem
de parar de se preocupar com a
taxa de câmbio, pois em algum
momento futuro o real vai voltar a se desvalorizar. No momento em que os preços das
commodities começarem a
cair, muito provavelmente essa
situação vai mudar. Não é razoável dar tanta atenção a esse
problema quando o país tem
uma taxa de câmbio flutuante e
uma economia aberta. Eu entendo os desafios que existem
nessa área, mas não creio que o
foco seja esse. O mais importante para o Brasil é manter a
inflação sob controle.
FOLHA - Como o sr. avalia o atual
cenário para a economia mundial,
especialmente diante da possibilidade de os Estados Unidos entrarem
em recessão?
O'NEILL - Se houver qualquer sinal de que os EUA vão conseguir se recuperar e atravessar
os desafios que têm pela frente,
e eles são grandes, acabou. Tudo volta ao normal, especialmente por causa dos Brics. E,
apesar do peso dos EUA, por
causa dos Brics não vale mais a
premissa de que o mundo pega
uma pneumonia a cada vez que
os EUA têm uma gripe. Isso
acabou. O mundo tem todas as
condições de conviver com
uma recessão modesta nos
EUA. Em vez de crescer 5%, o
mundo cresceria 3,5%.
Não estaria nada mal.
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