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Lula entra na guerra mundial do etanol
Presidente vai a conferência em Roma para defender o álcool brasileiro como fonte de empregos na lavoura e como combustível limpo
Objetivo de Lula é mostrar que o produto brasileiro,
ao contrário do americano,
não contribui para a alta
dos preços dos alimentos
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA
O presidente Luís Inácio Lula da Silva entra terça-feira na
batalha para evitar que seja satanizado o seu projeto mais
ambicioso, o que ele chama de
"revolução energética" a partir
do etanol.
A primeira parte da batalha
se dará em Roma, durante reunião de cúpula que ganhou um
longo título: "Conferência de
Alto Nível sobre a Segurança
Alimentar Mundial - Os Desafios da Mudança Climática e da
Bioenergia". Na prática, virou
uma espécie de "Cúpula da Fome", porque a disparada do
preço de alimentos criou o "perigo iminente de fome e desnutrição para 2 bilhões de pessoas
que lutam para sobreviver ante
o aumento dos preços", como
diz Robert Zoellick, presidente
do Banco Mundial.
O que o etanol tem a ver com
a fome? Em tese, nada. Mas diferentes fontes e estudos apontam o álcool combustível como
um dos responsáveis pela disparada dos preços. Exemplo:
estudo do Banco Mundial chega a dizer que "65% do aumento nos preços de alimentos se
deve aos biocombustíveis e a
fatores relacionados com o rápido aumento na demanda por
rações".
O FMI (Fundo Monetário
Internacional) entrou na onda,
ao dizer que a crescente produção de biocombustíveis é responsável por "parte significativa" do salto nos preços de commodities.
Por fim, o mais recente relatório, divulgado na quinta-feira
em Paris, diz ter sido "decisiva"
na crise alimentícia a demanda
agrícola para elaboração de
biocombustíveis. O estudo estende a culpa no tempo, ao dizer que um terço do aumento
dos preços de alimentos nos
próximos dez anos será por
conta dos biocombustíveis.
A FAO (braço da ONU para
alimentação e agricultura) é
uma das instituições responsáveis pelo estudo e é também
quem convocou o que virou
"Cúpula da Fome" -e será em
sua sede de Roma que Lula travará a batalha.
A demonização do etanol se
deve, em grande medida, ao fato de que um deles (o etanol feito a partir do milho, caso dos
Estados Unidos) é de fato um
vilão. Mas o etanol de cana-de-açúcar (o brasileiro), não.
Os EUA usam o equivalente a
10% da produção mundial de
milho para gerar etanol. Essa
quantia equivale a duas safras
brasileiras de milho e, como é
óbvio, contribui para o aumento dos preços. Só no ano passado houve incremento de 37%
no uso de milho para produzir
etanol nos EUA.
O Brasil, ao contrário, não reduziu a produção de açúcar para fazer etanol. Nem vai, ao menos não por esse motivo, invadir a floresta amazônica para
cultivos que gerem biocombustível. O ministro Reinhold Stephanes (Agricultura) afirma
que o Brasil tem 90 milhões de
hectares para incorporar à agricultura "sem a necessidade de
derrubar nenhuma árvore na
Amazônia".
Tecnologia e capitais
A batalha de Lula, no entanto, não se limita a defender o
etanol brasileiro, cujos 21,5 bilhões de litros representam
70% do mercado mundial. O
Brasil exporta 3,6 bilhões.
O problema é mais abrangente: o presidente brasileiro acredita que a aliança entre a tecnologia brasileira na área, reconhecida como a melhor do
mundo, e capitais dos países ricos poderia disseminar plantações destinadas a biocombustíveis nos países mais pobres da
América Central, do Caribe e
da África, dando-lhes "no século 21 as oportunidades de desenvolvimento que não tiveram no século 20".
Foi com esse sentido que Lula assinou, no ano passado, memorandos de entendimento
com as duas grandes potências
do planeta (Estados Unidos e
União Européia) em torno de
parcerias estratégicas.
Depois disso, porém, começou a demonização do etanol.
Se ela se consolidar no mais alto nível, como é toda conferência de cúpula, a revolução com
que sonha Lula virará um pesadelo. Por isso, sua ênfase em
Roma será a defesa do etanol
em suas duas qualidades: como
fonte de empregos na lavoura e
como combustível limpo.
Em termos técnicos, o etanol
tem balanço positivo em emissão de carbono, do plantio até o
tanque do carro -a emissão de
carbono para o plantio, para a
colheita e para a produção da
cana-de-açúcar e do etanol dela
derivado é inferior à dos combustíveis fósseis (petróleo).
Pelas contas de Marcos Jank,
presidente da Unica (União das
Indústrias de Cana-de-Açúcar), a cana gera 8,3 unidades
de energia renovável para cada
unidade de combustível fóssil.
É o melhor balanço encontrado
até agora nas pesquisas. O etanol a partir do milho, de que os
EUA são grandes produtores,
gera apenas 1,3 unidade renovável para cada unidade fóssil.
Ganhando ou não a batalha
em Roma, Lula partirá para
uma segunda frente de combate, porque a reunião de cúpula
do G8+5 (as oitos maiores potências e cinco grandes emergentes, entre eles o Brasil) também discutirá a inflação dos alimentos e a mudança climática.
Será em julho, no Japão.
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