São Paulo, segunda-feira, 01 de junho de 2009

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ENTREVISTA DA 2ª

PERSIO ARIDA

Regulação mais rígida não evitaria crise, afirma economista

Articulador do Plano Real, Persio Arida diz que estabilidade artificial do pré-crise alimentou riscos e que as altas da Bolsa não significam que crise acabará em breve

"A CRISE não desaparecerá em breve; talvez, estejamos começando a ter excessivo otimismo quanto à solução." A opinião, expressa a uma plateia de psicanalistas, é de Persio Arida, articulador do Plano Real. Arida participou, há cerca de 20 dias, de um seminário sobre o colapso nos mercados na SBP (Sociedade Brasileira de Psicanálise) de São Paulo.
Indagado pela plateia, Arida disse que não vê uma dimensão ética do capitalismo. "Vejo Estados mais ou menos assistencialistas, ou que incentivam a livre iniciativa, mas são opções de políticas públicas, não de Estados malévolos ou benévolos." Por fim, não espera que a crise prenuncie uma nova ordem capitalista.

Carol Carquejeiro/"Valor"


MARIA CRISTINA FRIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

O economista Persio Arida conversou com a Folha, por e-mail e por telefone, de Londres, onde vive e é responsável pelas operações da companhia de investimentos BTG, da qual é sócio-fundador. Leia a seguir trechos da entrevista.

 

FOLHA - Se a ajuda dos governos a bancos e empresas reforça o comportamento de risco, à medida que se tem a percepção de que o Estado sempre salva quem foi incompetente ou irresponsável, qual é a saída?
PERSIO ARIDA
- Não há saída fácil. A pressão política para socorrer os sobre-endividados é da dinâmica da sociedade. E é ingênuo achar que se pode brecar o sobre-endividamento via regulação porque os agentes são mais competentes, são mais hábeis, são melhor remunerados.
Regular os riscos que o setor privado incorre funciona a curto prazo, mas ao longo do tempo os agentes conseguem driblar os reguladores se houver incentivos para correr risco. Todo período longo de estabilidade leva ao excesso de endividamento e a bolhas especulativas. A estabilidade prolongada termina em instabilidade.
E uma vez explicitado o problema do excesso de endividamento, a dinâmica política das sociedades faz com que o governo seja forçado a entrar para minimizar suas consequências, socorrendo depositantes de bancos, companhias que empregam muitas pessoas, agricultores ou consumidores endividados nas hipotecas residenciais. O caminho mais fácil é aumentar a dívida pública e jogar o problema para as futuras gerações. Os que ainda não nasceram não podem protestar.

FOLHA - Toda crise de endividamento privado leva a um aumento na dívida pública?
ARIDA
- A resposta é sim, porque é assim que transcorre o jogo da economia política. No momento em que ocorre a ruptura da bolha especulativa, todo o sistema político da sociedade pressiona para que governos socorram os endividados. O lado ruim, além do aumento da dívida pública, é a sensação de que o Estado provê uma rede de proteção e estabilidade. É essa sensação que leva à repetição do mesmo padrão irresponsável que criou o problema do endividamento excessivo.

FOLHA - O sr. comentou como não se percebeu os problemas que estavam surgindo...
ARIDA
- Quando eu estava em Oxford, vi o que aconteceu com alguns professores que não compravam casas financiadas. A casa subia de preço ano após ano. O sujeito se achava um tolo diante de seus colegas que trocaram o aluguel pela amortização da casa própria e ainda por cima tinham um ganho de capital no seu imóvel.
Impossível resistir, mais cedo ou mais tarde quase todos acabaram comprando, e os que se deram pior foram os que compraram por último. O fato é que é impossível saber com certeza se um aumento de preço nos ativos é uma bolha ou não. Há indícios típicos de bolha como o aumento contínuo de preços, graus cada vez maiores de endividamento e volumes crescentes de transação, mas não se pode ter certeza antecipadamente se o aumento de preços dos ativos é uma bolha ou não.
Por isso é tão importante que os Banco Centrais não tentem, nos períodos de alta de preços dos ativos, reduzir a volatilidade da economia e amortecer suas flutuações. Toda vez que a economia americana ameaçava desacelerar, Greenspan [ex-presidente do Fed, o banco central dos EUA] reduzia rapidamente a taxa de juros. Acabou por criar a sensação de que havia uma rede de segurança -podemos correr muito risco porque se algo complicar o Banco Central evitará que a complicação seja muito séria.
O resultado foi induzir os agentes a correrem mais risco, indo de uma bolha especulativa para outra maior ainda.

FOLHA - Houve falha na regulação?
ARIDA
- Houve uma gigantesca falha regulatória. O erro é achar que tudo poderia ser evitado se a regulação tivesse sido melhor. Todos que associam o Estado ao grande pai que nos protege têm a ideia de que a responsabilidade pela débâcle é da falta de normas e regras.
O problema, no entanto, foi além dos reguladores ineptos, estava nas políticas macroeconômicas que buscaram conscientemente suavizar as flutuações do produto e estabilizar artificialmente a economia. O fato é que toda vez que a constelação macroeconômica fica artificialmente estável os agentes passam a incorrer riscos excessivos porque não percebem que a estabilidade é artificial. A conta vem mais cedo ou mais tarde.
Sistemas capitalistas, justamente por sua dinâmica inovadora, tendem a criar ciclos e volatilidade. Qualquer tentativa de aplainar a volatilidade natural das economias capitalistas leva à assunção de riscos excessivos e de mais instabilidade do que precisaria existir.

FOLHA - Como o mundo reagiu à crise?
ARIDA
- Bem, ao evitar o pesadelo da década de 30 -a crise bancária generalizada, sistêmica; ao reduzir rapidamente a taxa de juros e introduzir políticas expansionistas de liquidez. Mal na política fiscal, expandindo os déficits públicos; e na ideia de aumentar a regulamentação estatal.

FOLHA - O sr. acredita que os Estados Unidos possam, depois da crise, mudar muito? Há alguma possibilidade de que o capitalismo saia estruturalmente diferente?
ARIDA
- Não acredito em nenhuma mudança estrutural do capitalismo. Pode ser que venhamos a ter mais protecionismo, o que é ruim, mas dificilmente uma mudança estrutural. O que vai mudar com certeza é o balanço geopolítico. Os países que ficaram muito tempo na festa do sobre-endividamento sairão mais enfraquecidos do que os países que chegaram tarde na festa, como a China, primordialmente, mas Brasil também. Acredito que os países que tiveram graus baixos de sobre-endividamento privado tenderão a ter um papel mais preponderante do que tinham anteriormente, e o Brasil é um deles, apesar dos brasileiros pensarem mal de si mesmos.

FOLHA - Há quem critique no Japão os riscos da ajuda dos governos. Qual é a sua opinião?
ARIDA
- As similaridades da crise atual com a crise japonesa são enormes. O Japão fez inúmeros erros que aprendemos a evitar. Uma das intervenções mais interessantes sobre a crise atual foi feita em abril pelo presidente do BC do Japão no sentido de que devemos evitar criar uma sensação artificial de estabilidade. Quando a estabilidade é artificialmente sustentada, tenha certeza que alguém estará mais cedo ou mais tarde correndo mais risco do que deveria e vai acabar quebrando.

FOLHA - Que lições se pode tirar?
ARIDA
- Como eu acho que essa crise é mais prolongada do que parece, talvez estejamos começando a ter excessivo otimismo quanto à solução mundial. Na experiência japonesa houve muitos falsos começos. A percepção de que a crise será águas passadas em breve é equivocada. Boa parte do problema ainda não foi resolvida e o processo de socialização das perdas, de transferência do excesso de dívida privada para o setor público, ainda está ocorrendo.

FOLHA - O governo brasileiro está agindo bem?
ARIDA
- O Brasil, paradoxalmente, está se saindo relativamente bem na crise. Digo paradoxalmente porque foi justamente nossa história de instabilidades institucionais que fez com que os níveis de endividamente do setor privado ficassem baixos. O Brasil não tem crise em "subprimes" porque não tem "primes"; qualquer agente, bancário ou não bancário, que tivesse tido os graus de endividamento norte-americanos já teria falido há tempos.
No essencial, a resposta do Brasil à crise tem sido muito boa. Mas nossa política fiscal está criando um problema enorme para o futuro, e a taxa de juros certamente poderia ter sido cortada mais radicalmente no momento mais agudo da crise, criando outro patamar de referência.
Mas é fácil falar de fora ou depois que tudo passa. Muito do mérito da boa gestão econômica sequer aparece, está mais nas bobagens que se evita do que no que se consegue fazer.


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