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ENTREVISTA DA 2ª
PERSIO ARIDA
Regulação mais rígida não evitaria crise, afirma economista
Articulador do Plano Real, Persio Arida diz que estabilidade artificial do pré-crise alimentou riscos e que as altas da Bolsa não significam que crise acabará em breve
"A CRISE não desaparecerá em breve;
talvez, estejamos começando a ter
excessivo otimismo quanto à solução." A opinião, expressa a uma plateia de psicanalistas, é de Persio Arida, articulador do
Plano Real. Arida participou, há cerca de 20 dias, de
um seminário sobre o colapso nos mercados na SBP
(Sociedade Brasileira de Psicanálise) de São Paulo.
Indagado pela plateia, Arida disse que não vê uma
dimensão ética do capitalismo. "Vejo Estados mais ou
menos assistencialistas, ou que incentivam a livre iniciativa, mas são opções de políticas públicas, não de
Estados malévolos ou benévolos." Por fim, não espera
que a crise prenuncie uma nova ordem capitalista.
Carol Carquejeiro/"Valor"
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MARIA CRISTINA FRIAS
DA REPORTAGEM LOCAL
O economista Persio Arida
conversou com a Folha, por e-mail e por telefone, de Londres,
onde vive e é responsável pelas
operações da companhia de investimentos BTG, da qual é sócio-fundador. Leia a seguir trechos da entrevista.
FOLHA - Se a ajuda dos governos a
bancos e empresas reforça o comportamento de risco, à medida que
se tem a percepção de que o Estado
sempre salva quem foi incompetente ou irresponsável, qual é a saída?
PERSIO ARIDA - Não há saída fácil. A pressão política para socorrer os sobre-endividados é
da dinâmica da sociedade. E é
ingênuo achar que se pode brecar o sobre-endividamento via
regulação porque os agentes
são mais competentes, são
mais hábeis, são melhor remunerados.
Regular os riscos que o setor
privado incorre funciona a curto prazo, mas ao longo do tempo os agentes conseguem driblar os reguladores se houver
incentivos para correr risco.
Todo período longo de estabilidade leva ao excesso de endividamento e a bolhas especulativas. A estabilidade prolongada termina em instabilidade.
E uma vez explicitado o problema do excesso de endividamento, a dinâmica política das
sociedades faz com que o governo seja forçado a entrar para
minimizar suas consequências,
socorrendo depositantes de
bancos, companhias que empregam muitas pessoas, agricultores ou consumidores endividados nas hipotecas residenciais.
O caminho mais fácil é aumentar a dívida pública e jogar
o problema para as futuras gerações. Os que ainda não nasceram não podem protestar.
FOLHA - Toda crise de endividamento privado leva a um aumento
na dívida pública?
ARIDA - A resposta é sim, porque é assim que transcorre o jogo da economia política. No
momento em que ocorre a ruptura da bolha especulativa, todo o sistema político da sociedade pressiona para que governos socorram os endividados. O
lado ruim, além do aumento da
dívida pública, é a sensação de
que o Estado provê uma rede de
proteção e estabilidade. É essa
sensação que leva à repetição
do mesmo padrão irresponsável que criou o problema do endividamento excessivo.
FOLHA - O sr. comentou como não
se percebeu os problemas que estavam surgindo...
ARIDA - Quando eu estava em
Oxford, vi o que aconteceu com
alguns professores que não
compravam casas financiadas.
A casa subia de preço ano após
ano. O sujeito se achava um tolo diante de seus colegas que
trocaram o aluguel pela amortização da casa própria e ainda
por cima tinham um ganho de
capital no seu imóvel.
Impossível resistir, mais cedo ou mais tarde quase todos
acabaram comprando, e os que
se deram pior foram os que
compraram por último.
O fato é que é impossível saber com certeza se um aumento de preço nos ativos é uma bolha ou não. Há indícios típicos
de bolha como o aumento contínuo de preços, graus cada vez
maiores de endividamento e
volumes crescentes de transação, mas não se pode ter certeza
antecipadamente se o aumento
de preços dos ativos é uma bolha ou não.
Por isso é tão importante que
os Banco Centrais não tentem,
nos períodos de alta de preços
dos ativos, reduzir a volatilidade da economia e amortecer
suas flutuações. Toda vez que a
economia americana ameaçava
desacelerar, Greenspan [ex-presidente do Fed, o banco central dos EUA] reduzia rapidamente a taxa de juros. Acabou
por criar a sensação de que havia uma rede de segurança
-podemos correr muito risco
porque se algo complicar o
Banco Central evitará que a
complicação seja muito séria.
O resultado foi induzir os
agentes a correrem mais risco,
indo de uma bolha especulativa
para outra maior ainda.
FOLHA - Houve falha na regulação?
ARIDA - Houve uma gigantesca
falha regulatória. O erro é achar
que tudo poderia ser evitado se
a regulação tivesse sido melhor.
Todos que associam o Estado
ao grande pai que nos protege
têm a ideia de que a responsabilidade pela débâcle é da falta de
normas e regras.
O problema, no entanto, foi
além dos reguladores ineptos,
estava nas políticas macroeconômicas que buscaram conscientemente suavizar as flutuações do produto e estabilizar
artificialmente a economia.
O fato é que toda vez que a
constelação macroeconômica
fica artificialmente estável os
agentes passam a incorrer riscos excessivos porque não percebem que a estabilidade é artificial. A conta vem mais cedo ou
mais tarde.
Sistemas capitalistas, justamente por sua dinâmica inovadora, tendem a criar ciclos e volatilidade. Qualquer tentativa
de aplainar a volatilidade natural das economias capitalistas
leva à assunção de riscos excessivos e de mais instabilidade do
que precisaria existir.
FOLHA - Como o mundo reagiu à
crise?
ARIDA - Bem, ao evitar o pesadelo da década de 30 -a crise
bancária generalizada, sistêmica; ao reduzir rapidamente a taxa de juros e introduzir políticas expansionistas de liquidez.
Mal na política fiscal, expandindo os déficits públicos; e na
ideia de aumentar a regulamentação estatal.
FOLHA - O sr. acredita que os Estados Unidos possam, depois da crise,
mudar muito? Há alguma possibilidade de que o capitalismo saia estruturalmente diferente?
ARIDA - Não acredito em nenhuma mudança estrutural do
capitalismo. Pode ser que venhamos a ter mais protecionismo, o que é ruim, mas dificilmente uma mudança estrutural. O que vai mudar com certeza é o balanço geopolítico. Os
países que ficaram muito tempo na festa do sobre-endividamento sairão mais enfraquecidos do que os países que chegaram tarde na festa, como a China, primordialmente, mas Brasil também.
Acredito que os países que tiveram graus baixos de sobre-endividamento privado tenderão a ter um papel mais preponderante do que tinham anteriormente, e o Brasil é um deles, apesar dos brasileiros pensarem mal de si mesmos.
FOLHA - Há quem critique no Japão
os riscos da ajuda dos governos.
Qual é a sua opinião?
ARIDA - As similaridades da
crise atual com a crise japonesa
são enormes. O Japão fez inúmeros erros que aprendemos a
evitar. Uma das intervenções
mais interessantes sobre a crise
atual foi feita em abril pelo presidente do BC do Japão no sentido de que devemos evitar
criar uma sensação artificial de
estabilidade. Quando a estabilidade é artificialmente sustentada, tenha certeza que alguém
estará mais cedo ou mais tarde
correndo mais risco do que deveria e vai acabar quebrando.
FOLHA - Que lições se pode tirar?
ARIDA - Como eu acho que essa
crise é mais prolongada do que
parece, talvez estejamos começando a ter excessivo otimismo
quanto à solução mundial. Na
experiência japonesa houve
muitos falsos começos. A percepção de que a crise será águas
passadas em breve é equivocada. Boa parte do problema ainda não foi resolvida e o processo de socialização das perdas,
de transferência do excesso de
dívida privada para o setor público, ainda está ocorrendo.
FOLHA - O governo brasileiro está
agindo bem?
ARIDA - O Brasil, paradoxalmente, está se saindo relativamente bem na crise. Digo paradoxalmente porque foi justamente nossa história de instabilidades institucionais que fez
com que os níveis de endividamente do setor privado ficassem baixos. O Brasil não tem
crise em "subprimes" porque
não tem "primes"; qualquer
agente, bancário ou não bancário, que tivesse tido os graus de
endividamento norte-americanos já teria falido há tempos.
No essencial, a resposta do
Brasil à crise tem sido muito
boa. Mas nossa política fiscal
está criando um problema
enorme para o futuro, e a taxa
de juros certamente poderia ter
sido cortada mais radicalmente
no momento mais agudo da crise, criando outro patamar de
referência.
Mas é fácil falar de fora ou depois que tudo passa. Muito do
mérito da boa gestão econômica sequer aparece, está mais
nas bobagens que se evita do
que no que se consegue fazer.
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