São Paulo, segunda, 1 de junho de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA
Troca desigual

JOÃO SAYAD


O governo tem respondido perguntas e dado declarações como se fosse responsável por tudo de bom e de ruim que acontece no país.
O resultado é negativo: muitas vezes, nega os problemas. Não existe desemprego, os saques são manifestações eleitorais e assim por diante.
Quando nega o problema ou debita a adversário mal-intencionado, demonstra falta de empatia com as vítimas.
Seria mais fácil e justo fazer declarações do tipo: "o desemprego é o pior dos problemas sociais, o mais cruel e injusto. Corrói as estruturas mais íntimas da sociedade. O governo fará tudo que estiver a seu dispor para resolvê-lo. O desempregado conta com a compreensão, o apoio e as políticas do governo para reduzir o seu sofrimento".
Se o governo faz ou não faz, ou porque não quer ou porque não pode, é outro problema. A função de pai compreensivo foi desempenhada. Se o pai é onipotente é outra questão.
Da mesma forma, a seca. Pode-se acusar o PFL de tudo. Ninguém pode dizer que o governo não agiu contra a seca por causa do PFL. A base do partido é o Nordeste e deve ser o mais prejudicado pela pouca ação do governo.
Não é preciso que o governo faça chover. Nem que resolva o problema de todos os flagelados. Basta mostrar empenho, esforço e dedicação. Com tudo isso, é capaz de reduzir alguns dos prejuízos da seca. Se não for bem-sucedido, será menos criticado.
Hoje, trato da instabilidade da economia brasileira. Não se trata de crítica que possa ser respondida imediatamente com gráficos, tabelas, médias móveis e negação. Nem que exista disponível um conjunto pronto de soluções. É possível fazer crítica e não apresentar solução.
Neste final de maio de 98, saltou aos olhos de todos os brasileiros que o fim da inflação, desde maio de 1994, não produziu nada do que esperávamos, todos nós, governo, economistas, políticos e todos os analistas.
A inflação vem se reduzindo a níveis menores e mais rapidamente do que esperávamos. Mas a instabilidade do nível de produção tem sido muito alta.
Logo depois de julho de 94, a economia e as importações subiram como um foguete. O governo estabeleceu uma política severa de reservas compulsórias que foi bem-sucedida. A economia despencou nos primeiros nove meses de 1995.
Começou a se recuperar no final de 1995 e assim foi até 1996. Recuperação lenta, mas recuperação. No segundo semestre de 1997 a economia começou a recuar. Sobre a redução gradual e espontânea da economia, vem a crise do Sudeste da Ásia, os juros são fixados em 40% ao ano e a economia entra em novo mergulho de queda de vendas, desemprego e inadimplência.
Ou seja, nos últimos quatro anos tivemos crescimento muito lento, com duas freadas bruscas em 95 e 97 que tiveram efeitos duradouros.
Existem problemas conhecidos: o câmbio sobrevalorizado, a redução das tarifas muito precipitada e violenta, agricultura e indústria afetadas por câmbio e tarifas muito baixas.
Mesmo assim, por que a economia deveria crescer? Quais são os fatores de crescimento? Nem emprego nem salário têm crescido. Portanto, o consumo só cresce empurrado pelo crédito ao consumidor para compra de geladeiras, televisões e automóveis. Exatamente como em vários outros períodos da economia brasileira.
Os baixos coeficientes automóvel/habitante, geladeira/habitante, torradeira/habitante enganam a todos. O fato de o consumidor brasileiro ter padrões de consumo baixo não quer dizer que ele pode comprar mais. Desemprego e salários estáveis não permitem que compre mais.
Os ganhos de produtividade, como fator de crescimento, se anulam quando subtraímos as reduções de emprego.
Só o crédito ao consumidor tem conseguido empurrar as vendas de duráveis. Mas logo, taxas de juros altas ou desemprego criam dificuldades de pagamentos, inadimplência e a reversão do surto de expansão.
Assim, o impulso inicial dado pela venda de bens de consumo durável não se prolonga e não é complementado por investimentos e crescimento de outros setores.
Os investimentos privados não foram suficientes para aumentar a taxa de crescimento. Ainda que as estatais privatizadas estejam fazendo novas encomendas, o impacto final sobre a demanda agregada tem sido pouco importante. Investimentos em telecomunicações, energia elétrica e lazer têm sido pequenos para mover a economia brasileira.
Parece que nos livramos da inflação em troca de desemprego, instabilidade financeira, e um saldo elevado de dívida pública com juros muito altos.


João Sayad, 51, economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e ex-ministro do Planejamento (governo José Sarney), escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail: jsayad@ibm.net



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