São Paulo, quinta-feira, 01 de julho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Um outro artista da política

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Quando a ponte Rio-Niterói estava sendo construída, no início dos anos 70, perguntaram ao humorista Max Nunes o que ele achava da idéia. Resposta: "Por um lado, é bom; por outro, é Niterói".
É mais ou menos o que se pode dizer do Plano Real, dez anos depois. Por um lado, diminuiu drasticamente a inflação; por outro, deixou o país em posição de extraordinária fragilidade.
O Plano Real foi um programa de estabilização ambivalente e heterogêneo. Teve aspectos brilhantes (a URV) e aspectos bisonhos (a política cambial).
Na verdade, de brilhante mesmo o plano só teve a desindexação, elemento-chave no processo de rápida redução da inflação iniciado há exatamente dez anos, em 1º de julho de 1994, com a conversão da URV na nova moeda.
Infelizmente, o programa de combate à inflação foi conduzido sem a devida atenção aos seus impactos sobre a posição internacional do país. A política cambial foi um desastre completo e acabado. A longa e persistente sobrevalorização cambial do período 1994-1998 produziu estragos que até hoje não acabamos de digerir. O real forte prejudicou o setor exportador, estimulou importações e viagens ao exterior e contribuiu para um rápido aumento das obrigações internacionais do país.
Em pouco tempo, o Brasil se encontrava em situação de alarmante vulnerabilidade externa. Tanto mais que a sobrevalorização cambial foi combinada com duas outras decisões altamente problemáticas, que deram continuidade a uma linha inaugurada no governo Collor: uma abertura imprudente e unilateral do mercado interno às importações e a liberalização prematura dos movimentos de capitais.
Em conseqüência, as turbulências foram se sucedendo. O Brasil passou por crises cambiais em 1995, 1997, 1998, 1999, 2001 e 2002. Quase todas as tentativas de retomar o crescimento foram interrompidas por desequilíbrios no setor externo. Desde o final de 1998, viramos clientes cativos do Fundo Monetário Internacional.
Um dos principais instrumentos de defesa da frágil posição externa era a taxa de juro, que se mantinha em níveis sempre elevados e aumentava para patamares estratosféricos nos momentos de grande instabilidade. A economia passou então a oscilar entre a recessão e períodos de crescimento medíocre. Os juros altos contribuíam, ademais, para concentrar a renda nacional, aumentar o serviço da dívida pública e desestabilizar as finanças do governo.
O que aconteceu no campo das contas públicas foi simplesmente espantoso. Durante o período Fernando Henrique Cardoso, conseguiu-se produzir a seguinte e extraordinária combinação. Primeiro: o maior aumento da carga tributária de que se tem notícia na história do país. Segundo: a venda de grande parte das empresas estatais, inclusive algumas das melhores e mais importantes. Terceiro: um enorme crescimento da dívida pública.
Uma proeza, convenhamos. Não é para qualquer um. No artigo da semana passada, prestei uma pequena homenagem ao grande artista da política brasileira que foi Leonel Brizola. Pois bem. Temos que reconhecer que Fernando Henrique Cardoso, à sua maneira, também foi um artista da política.
Fez todos esses estragos nas finanças públicas e nas contas externas do país, mas saiu com imagem de sério e fama de responsável...


Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

E -mail -
pnbjr@attglobal.net


Texto Anterior: Dólar cai e Bolsa sobe com decisão
Próximo Texto: Luís Nassif: A intransigência no saneamento
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.