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OPINIÃO ECONÔMICA
Um outro artista da política
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Quando a ponte Rio-Niterói
estava sendo construída, no
início dos anos 70, perguntaram
ao humorista Max Nunes o que
ele achava da idéia. Resposta:
"Por um lado, é bom; por outro, é
Niterói".
É mais ou menos o que se pode
dizer do Plano Real, dez anos depois. Por um lado, diminuiu drasticamente a inflação; por outro,
deixou o país em posição de extraordinária fragilidade.
O Plano Real foi um programa
de estabilização ambivalente e
heterogêneo. Teve aspectos brilhantes (a URV) e aspectos bisonhos (a política cambial).
Na verdade, de brilhante mesmo o plano só teve a desindexação, elemento-chave no processo
de rápida redução da inflação
iniciado há exatamente dez anos,
em 1º de julho de 1994, com a conversão da URV na nova moeda.
Infelizmente, o programa de
combate à inflação foi conduzido
sem a devida atenção aos seus
impactos sobre a posição internacional do país. A política cambial
foi um desastre completo e acabado. A longa e persistente sobrevalorização cambial do período
1994-1998 produziu estragos que
até hoje não acabamos de digerir.
O real forte prejudicou o setor exportador, estimulou importações
e viagens ao exterior e contribuiu
para um rápido aumento das
obrigações internacionais do
país.
Em pouco tempo, o Brasil se encontrava em situação de alarmante vulnerabilidade externa.
Tanto mais que a sobrevalorização cambial foi combinada com
duas outras decisões altamente
problemáticas, que deram continuidade a uma linha inaugurada
no governo Collor: uma abertura
imprudente e unilateral do mercado interno às importações e a
liberalização prematura dos movimentos de capitais.
Em conseqüência, as turbulências foram se sucedendo. O Brasil
passou por crises cambiais em
1995, 1997, 1998, 1999, 2001 e 2002.
Quase todas as tentativas de retomar o crescimento foram interrompidas por desequilíbrios no
setor externo. Desde o final de
1998, viramos clientes cativos do
Fundo Monetário Internacional.
Um dos principais instrumentos
de defesa da frágil posição externa era a taxa de juro, que se mantinha em níveis sempre elevados e
aumentava para patamares estratosféricos nos momentos de
grande instabilidade. A economia passou então a oscilar entre a
recessão e períodos de crescimento medíocre. Os juros altos contribuíam, ademais, para concentrar
a renda nacional, aumentar o
serviço da dívida pública e desestabilizar as finanças do governo.
O que aconteceu no campo das
contas públicas foi simplesmente
espantoso. Durante o período
Fernando Henrique Cardoso,
conseguiu-se produzir a seguinte
e extraordinária combinação.
Primeiro: o maior aumento da
carga tributária de que se tem notícia na história do país. Segundo:
a venda de grande parte das empresas estatais, inclusive algumas
das melhores e mais importantes.
Terceiro: um enorme crescimento
da dívida pública.
Uma proeza, convenhamos.
Não é para qualquer um. No artigo da semana passada, prestei
uma pequena homenagem ao
grande artista da política brasileira que foi Leonel Brizola. Pois
bem. Temos que reconhecer que
Fernando Henrique Cardoso, à
sua maneira, também foi um artista da política.
Fez todos esses estragos nas finanças públicas e nas contas externas do país, mas saiu com imagem de sério e fama de responsável...
Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E -mail -
pnbjr@attglobal.net
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