São Paulo, domingo, 01 de julho de 2007

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Rodada Doha fica fora da agenda da cúpula entre Brasil e União Européia

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA

Portugal assume hoje a presidência de turno da União Européia e já vai avisando: a Rodada Doha não está na agenda da primeira cúpula ("cimeira", como dizem os portugueses) União Européia/Brasil, a realizar-se quarta-feira, em Lisboa.
É uma espécie de habeas corpus verbal preventivo porque a festa da "cimeira" pode ser aguada pelo fato de se dar apenas 15 dias depois do estrepitoso fracasso do G4, em Potsdam, na Alemanha. Dois dos quatro membros do grupo (Brasil e UE) são justamente os atores da reunião de Lisboa.
Mais que fracasso, houve intensa troca de tiros entre dois ministros que, por acaso, também estarão em Lisboa, o chanceler brasileiro, Celso Amorim, e o comissário europeu do Comércio, Peter Mandelson.
Por fim, há o fato de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrou no tiroteio, ao dizer que, sem liberalização do comércio agrícola de parte de UE e Estados Unidos, não há mais conversa com eles.
Se Lula decidir repetir a frase em Lisboa, será um inexorável convite para que Mandelson também repita o que disse após o fiasco de Potsdam, ou seja, que o Brasil (e a Índia, o quarto membro do G4) é o culpado de tudo, por recusar-se a reduzir suas tarifas de bens industriais.
Estaria armado o cenário para manchar o que a diplomacia portuguesa chama de "nova página" na relação Brasil/União Européia. A "nova página" tomará a forma de "parceria estratégica" entre os dois.
Por isso, Doha está fora, ao menos no desejo dos anfitriões. No máximo, antecipa-se na presidência portuguesa da UE, pode haver "troca de informações". De todo modo, o novo patamar de relacionamento tende a facilitar um projeto que a chancelaria brasileira começou a acariciar com mais cuidado a partir de que sua prioridade um, a Rodada Doha, entrou em coma: um acordo Mercosul/União Européia com mais acesso à Europa aos produtos brasileiros (a UE já é o principal mercado para o Brasil).
A Folha ouviu da diplomacia portuguesa que está "muito inclinada a que as conversações UE/Mercosul possam avançar", não na cúpula, naturalmente, mas ao longo do semestre em que Portugal será o presidente de turno do bloco.
O problema é que a Índia, parceira do Brasil no G20 (grupo de países em desenvolvimento que quer abrir o mercado agrícola dos ricos), saiu na frente e acaba de iniciar as discussões com a UE para um acordo de livre comércio.
Comunicado conjunto distribuído na sexta diz, com todas as letras: "União Européia e Índia esperam promover o comércio bilateral por meio da remoção de barreiras em bens, serviços e investimentos em todos os setores da economia".
É literalmente o que cobram os empresários brasileiros do Itamaraty, a remoção de barreiras nos mercados ricos.
Detalhe: a Índia já tem o status de "parceira estratégica" da UE, assim como Rússia e China, que formam com o Brasil os Brics, países de grande dimensão que se tornarão potências até 2020, no exercício especulativo da Goldman Sachs.

Parceiro estratégico
O Brasil só agora "entra para o clube exclusivo dos parceiros estratégicos", na descrição feita pelo presidente da Comissão Européia, o português Durão Barroso, sobre o acordo a ser lançado na quarta.
Não é pouco. "O Brasil entra no mapa europeu ao menos uma vez por ano para falar do que quiser, por meio de um diálogo institucional de alto nível", diz a embaixadora do Brasil na União Européia, Maria Celina de Azevedo Rodrigues.
É uma alusão ao fato de que a parceria estratégica prevê reuniões anuais de cúpula, melhor, por exemplo, do que participar do G8 ampliado (o clube dos sete países mais ricos do mundo mais a Rússia), que depende de um convite. Mesmo quando ele vem, o país fica limitado a falar depois que os oito grandes já decidiram tudo.
Como em tese a cúpula de 2008 será no Brasil, o novo status levará ao país o presidente francês, Nicolas Sarkozy, estrela em ascensão no cenário europeu, já que a França será a presidente de turno da UE no segundo semestre de 2008.
Benefício colateral da "parceria estratégica": abrirá para o presidente Lula a chance de dar vazão ao interesse pela África, na medida em que a presidência portuguesa já agendou uma "cimeira" com os países africanos para dezembro. A Folha ouviu da diplomacia portuguesa que "é certamente possível" alguma colaboração com o Brasil junto aos países africanos.
Mas há também encargos colaterais: Durão Barroso não esconde que gostaria que o Brasil funcionasse como "força moderadora" na América do Sul. Traduzindo claramente: moderasse os impulsos do presidente venezuelano, Hugo Chávez, o que Lula tem sistematicamente se recusado a fazer.


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