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BENJAMIN STEINBRUCH
Ganhar mercados
Com o fracasso de Doha,
a solução agora para o Brasil
será caminhar rapidamente
para acordos bilaterais
FIASCO E fracasso foram as palavras mais repetidas na semana passada, quando a Rodada Doha foi suspensa por tempo
indeterminado. Imagino que muitos leitores pouco familiarizados
com o comércio internacional volta
e meia se perguntem: "Que diabo é
essa Rodada Doha?".
Doha é a capital do Qatar e deu seu
nome a uma seqüência de negociações (rodada) para liberalizar o comércio mundial porque foi lá que se
realizou, em 2001, a conferência de
148 ministros de países da OMC
(Organização Mundial do Comércio) que iniciou essa tentativa de entendimento multilateral.
Liberalizar o comércio é um velho
sonho da humanidade. Mas sua realização só tem sido possível de forma
bilateral (entre países) ou regional.
O antigo Mercado Comum Europeu, por exemplo, vem realizando
esse sonho há 50 anos na Europa
Ocidental. O Mercosul também tenta fazer isso no Cone Sul.
Quando se criou a OMC, em 1994,
a idéia era mais ambiciosa. Pretendia-se caminhar para a liberalização
do comércio mundial, criando-se regras que deveriam ser seguidas por
todos os integrantes do grupo. Buscava-se eliminar tarifas de importação e de exportação, reduzir cotas,
combater dumping, acabar com
subsídios e, enfim, expurgar o comércio de artifícios criados pelos
países durante séculos para impedir
importações e estimular exportações.
A OMC começou a funcionar em
janeiro de 1995. Mas, durante os primeiros cinco anos de funcionamento, constatou-se que a regras criadas
para o comércio mundial, que eram
iguais para todos os países, independentemente de seu nível de desenvolvimento, favoreciam mais os ricos que os pobres. A partir daí, decidiu-se iniciar uma nova rodada de
negociações cujo principal objetivo
seria corrigir essa distorção.
A primeira reunião ministerial
nessa linha foi em Seattle, nos EUA,
em 1999. Foi um fracasso. Grupos
não-governamentais (ONGs) promoveram violentas manifestações
antiglobalização, e as conversações
praticamente não se realizaram.
Só dois anos depois, em Doha, foi
possível fazer o efetivo lançamento
dessas negociações que tentariam
obter maior equilíbrio no tratamento dos interesses dos países ricos e
pobres. Entraram então em discussão temas nunca antes debatidos,
por veto dos ricos, como os subsídios
à agricultura. Estudo feito da OMC
mostra que os governos dos 148 países oferecem subsídios de US$ 1 trilhão por ano, 4% do PIB global. A
maior parte desses subsídios, que
distorcem as relações comerciais, é
oferecida à agricultura e pelos países
ricos, como os europeus e os EUA. O
Brasil é um dos que menos concedem subsídios, apenas 0,3% do PIB,
em comparação com 4,1% na Suíça,
2,6% na Índia, 2,5% na Rússia, 1,7%
na Alemanha, 1,3% na França e 0,5%
nos EUA.
As negociações da Rodada Doha
fracassaram exatamente porque os
países ricos, principalmente os da
União Européia e os EUA, resistiram à idéia de reduzir drasticamente esses benefícios que concedem. A
idéia era que os ricos cortassem subsídios agrícolas e, em compensação,
os emergentes como o Brasil reduzissem tarifas cobradas nas importações de produtos industrializados.
É pena que as negociações tenham fracassado. Estudos do Banco
Mundial estimam que a economia
mundial poderia ter ganhos de US$
260 bilhões por ano com o corte de
subsídios e tarifas. E isso tiraria da
pobreza 73 milhões de pessoas no
mundo. Para o Brasil, o acordo global seria uma boa solução, embora
houvesse riscos bastante razoáveis.
O corte de tarifas de importação, como queriam os americanos e europeus, poderia provocar uma invasão
de produtos industrializados, principalmente chineses.
A menos que alguma fórmula mágica pouco provável recoloque de pé
a Rodada Doha, a solução agora para
o Brasil será caminhar rapidamente
para acordos bilaterais, que facilitem o comércio com blocos econômicos. É possível até que, negociados caso a caso, esses acordos tragam danos menores à emergente indústria brasileira. Não há, portanto,
razão para chorar na sarjeta o fracasso de Doha. Mais prático é colocar a diplomacia brasileira para negociar acordos bilaterais de forma a
abrir mercados para os produtos
brasileiros mais competitivos, seja
para o agronegócio, seja para a indústria.
BENJAMIN STEINBRUCH , 52, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do
conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo).
@ - bvictoria psi.com.br
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