São Paulo, terça-feira, 01 de agosto de 2006

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BENJAMIN STEINBRUCH

Ganhar mercados

Com o fracasso de Doha, a solução agora para o Brasil será caminhar rapidamente para acordos bilaterais

FIASCO E fracasso foram as palavras mais repetidas na semana passada, quando a Rodada Doha foi suspensa por tempo indeterminado. Imagino que muitos leitores pouco familiarizados com o comércio internacional volta e meia se perguntem: "Que diabo é essa Rodada Doha?".
Doha é a capital do Qatar e deu seu nome a uma seqüência de negociações (rodada) para liberalizar o comércio mundial porque foi lá que se realizou, em 2001, a conferência de 148 ministros de países da OMC (Organização Mundial do Comércio) que iniciou essa tentativa de entendimento multilateral.
Liberalizar o comércio é um velho sonho da humanidade. Mas sua realização só tem sido possível de forma bilateral (entre países) ou regional. O antigo Mercado Comum Europeu, por exemplo, vem realizando esse sonho há 50 anos na Europa Ocidental. O Mercosul também tenta fazer isso no Cone Sul.
Quando se criou a OMC, em 1994, a idéia era mais ambiciosa. Pretendia-se caminhar para a liberalização do comércio mundial, criando-se regras que deveriam ser seguidas por todos os integrantes do grupo. Buscava-se eliminar tarifas de importação e de exportação, reduzir cotas, combater dumping, acabar com subsídios e, enfim, expurgar o comércio de artifícios criados pelos países durante séculos para impedir importações e estimular exportações.
A OMC começou a funcionar em janeiro de 1995. Mas, durante os primeiros cinco anos de funcionamento, constatou-se que a regras criadas para o comércio mundial, que eram iguais para todos os países, independentemente de seu nível de desenvolvimento, favoreciam mais os ricos que os pobres. A partir daí, decidiu-se iniciar uma nova rodada de negociações cujo principal objetivo seria corrigir essa distorção.
A primeira reunião ministerial nessa linha foi em Seattle, nos EUA, em 1999. Foi um fracasso. Grupos não-governamentais (ONGs) promoveram violentas manifestações antiglobalização, e as conversações praticamente não se realizaram.
Só dois anos depois, em Doha, foi possível fazer o efetivo lançamento dessas negociações que tentariam obter maior equilíbrio no tratamento dos interesses dos países ricos e pobres. Entraram então em discussão temas nunca antes debatidos, por veto dos ricos, como os subsídios à agricultura. Estudo feito da OMC mostra que os governos dos 148 países oferecem subsídios de US$ 1 trilhão por ano, 4% do PIB global. A maior parte desses subsídios, que distorcem as relações comerciais, é oferecida à agricultura e pelos países ricos, como os europeus e os EUA. O Brasil é um dos que menos concedem subsídios, apenas 0,3% do PIB, em comparação com 4,1% na Suíça, 2,6% na Índia, 2,5% na Rússia, 1,7% na Alemanha, 1,3% na França e 0,5% nos EUA.
As negociações da Rodada Doha fracassaram exatamente porque os países ricos, principalmente os da União Européia e os EUA, resistiram à idéia de reduzir drasticamente esses benefícios que concedem. A idéia era que os ricos cortassem subsídios agrícolas e, em compensação, os emergentes como o Brasil reduzissem tarifas cobradas nas importações de produtos industrializados.
É pena que as negociações tenham fracassado. Estudos do Banco Mundial estimam que a economia mundial poderia ter ganhos de US$ 260 bilhões por ano com o corte de subsídios e tarifas. E isso tiraria da pobreza 73 milhões de pessoas no mundo. Para o Brasil, o acordo global seria uma boa solução, embora houvesse riscos bastante razoáveis. O corte de tarifas de importação, como queriam os americanos e europeus, poderia provocar uma invasão de produtos industrializados, principalmente chineses.
A menos que alguma fórmula mágica pouco provável recoloque de pé a Rodada Doha, a solução agora para o Brasil será caminhar rapidamente para acordos bilaterais, que facilitem o comércio com blocos econômicos. É possível até que, negociados caso a caso, esses acordos tragam danos menores à emergente indústria brasileira. Não há, portanto, razão para chorar na sarjeta o fracasso de Doha. Mais prático é colocar a diplomacia brasileira para negociar acordos bilaterais de forma a abrir mercados para os produtos brasileiros mais competitivos, seja para o agronegócio, seja para a indústria.


BENJAMIN STEINBRUCH , 52, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
@ - bvictoria psi.com.br


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