São Paulo, sábado, 01 de agosto de 2009

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ANÁLISE

EUA não devem superestimar a China

DAVID PILLING
DO "FINANCIAL TIMES"

Que diferença faz um "e". O diálogo econômico estratégico Estados Unidos-China, um encontro bilateral semestral sob o presidente Obama, converteu-se no mais amplo diálogo econômico e estratégico. A adição de uma conjunção converte a palavra "estratégico" de um adjetivo que descreve o diálogo econômico em um termo abrangente, usado para descrever tudo o que Hillary Clinton bem entender.
O Departamento de Estado de Clinton se uniu ao Tesouro de Tim Geithner no diálogo com Pequim. Com isso a agenda foi ampliada para além daquilo que Hank Paulson, o predecessor de Geithner, concebeu originalmente em 2006.
Agora que o Departamento de Estado passou a participar, as mudanças climáticas, a Coreia do Norte e outras questões de peso global se somaram aos déficits dos EUA, à reforma do setor financeiro e ao yuan como potenciais temas de discussão.
Ampliar a pauta das conversações -a última rodada das quais foi encerrada em Wa- shington nesta semana- faz sentido. A política de Obama para a China se ergue sobre alicerces deixados por seu predecessor. Essa foi uma das poucas coisas em que se avalia que o predecessor de Obama tenha acertado. Diferentemente de Bush, ou de Bill Clinton antes dele, o presidente Obama não tem sido obrigado a retroceder de uma hostilidade inicial em relação à China para uma posição mais maleável.
Isso acontece em parte devido à sua convicção de que é bom fazer gestos de aproximação. Se Obama pode falar com Teerã ou Pyongyang, ele certamente pode manter um diálogo cordial com Pequim. É também porque ele tem pouca escolha.
A crise econômica fez o equilíbrio de poder pender em direção à China. Os EUA estão se sentindo menos confiantes em relação a seus alicerces econômicos e menos capazes que antes de pregar sermões a Pequim, especialmente em vista do fato de seus próprios bancos, seguradoras e montadoras de automóveis terem caído sob controle do Estado.
É mais o caso de Pequim estar em posição de superioridade. O aparente controle financeiro da China sobre os EUA ganhou destaque acentuado. Pequim anda pregando sermões a Washington sobre a necessidade de proteger suas reservas de US$ 2 trilhões, a maior parte dos quais em dólares americanos.
É inteiramente apropriado que Washington dê a devida atenção à China, a mais importante potência emergente desde os próprios EUA. Mas é possível também haver o perigo de levar a China a sério demais. Ao compensar o pouco caso anterior, as coisas poderiam pender longe demais no sentido oposto. Apesar da euforia em torno do G2 -o eixo China-EUA, que, segundo avaliações apressadas, seria o único fórum global significativo-, vale a pena fazer uma pausa para rever os fatos.
Para começo de conversa, longe de ser um sinal de força, o acúmulo por parte de Pequim de uma enorme reserva em divisas estrangeiras é efeito colateral de um modelo econômico demasiado dependente das exportações. O enorme superávit comercial é fruto de um yuan subvalorizado que vem permitindo que outros países consumam bens chineses às custas da própria população chinesa.

Ligação comprometedora
Pequim não pode vender as reservas de seu Tesouro sem desencadear o próprio colapso do dólar que supostamente teme. Tampouco são inteiramente convincentes os alertas para que os EUA cubram seus déficits gêmeos -coisa que, inevitavelmente, levaria o país a comprar menos produtos chineses. Em lugar de expor a superioridade do modelo chinês controlado pelo Estado, a crise financeira global deixou a nu o envolvimento comprometedor dos EUA e da China.
Os comentaristas às vezes também confundem o progresso rápido da China e sua provável emergência como superpotência com a realidade atual. Hoje, a China ainda é um país relativamente pobre.
Apesar de suas ambições militares, está a décadas de distância de se equiparar com os EUA. Em 2005, segundo o Instituto Internacional Estocolmo de Pesquisas sobre a Paz, a China foi responsável por apenas 4% dos gastos militares globais, um pouco menos que o Reino Unido e a França e muito distante dos EUA, com 46%.
É verdade que o poderio norte-americano foi humilhado no Iraque e no Afeganistão.
Mas a China nem sequer tentou projetar seu poder sobre países como a Coreia do Norte, que se aproximou do status nuclear aos poucos, diante dos olhos de Pequim.
A economia da China está sendo mantida em atividade pela concessão forçada de crédito pelos bancos, algo que pode levar a bolhas nos preços de ativos financeiros ou a uma safra de empréstimos podres.
Nada disso, porém, sugere que os EUA estejam equivocados em dialogar com a China nos níveis mais altos e profundos. A emergência da China como grande potência não requer menos que isso. Mas, ao guardar silêncio sobre os direitos humanos e o yuan, os EUA podem estar se vendendo barato.


Tradução de CLARA ALLAIN


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