São Paulo, domingo, 01 de setembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

EM TRANSE

Caso a turbulência volte ao mercado, BC pode precisar de mais de US$ 3 bilhões para intervir no câmbio, diz economista

BC pode precisar intervir mais, diz Bacha

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O economista Edmar Bacha, 60, consultor sênior do banco BBA, afirma que, caso volte o estresse no mercado financeiro nas próximas semanas, o Banco Central deveria renegociar o acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional) para tentar ampliar o limite de US$ 3 bilhões por mês para intervir no mercado.
Para isso, Bacha diz que bastaria um telefonema de Armínio Fraga, presidente do Banco Central, para Horst Köhler, diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional.
Bacha considera difícil o dólar recuar para R$ 2,80, como previu o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), enquanto continuarem as indefinições no cenário eleitoral. Ele também não acredita na volta das linhas de crédito externas para o Brasil.
"Os analistas financeiros ainda continuam com muito mau humor em relação ao Brasil", afirma. Esse mau humor, segundo ele, vem do desconhecimento, por parte dos analistas, do processo de rolagem da dívida interna brasileira.

Folha - Quais são as perspectivas da economia com as ações recentes do governo? O dólar vai continuar em queda?
Edmar Bacha -
O mercado está se acalmando um pouco, mas enquanto o cenário eleitoral continuar indefinido, acho difícil o dólar voltar para R$ 2,80, como prevê o Ipea. Tudo depende de sabermos quem vai ganhar as eleições e o que o novo presidente fará. A subida de José Serra [o candidato preferido do mercado" nas pesquisas melhora as condições do mercado, mas há muita tecnicalidade no caminho. Tem esse problema, por exemplo, do mercado futuro de câmbio, que vence em todas as viradas de mês. As empresas endividadas em dólares são "hedgeadas" [protegidas" em real. Elas têm de pagar em dólar e vão receber em reais, e isso provoca uma pressão no dólar pronto [mercado à vista" todo final de mês.

Folha - Há alguma alternativa para evitar essa pressão sobre o dólar na virada do mês?
Bacha -
Trata-se de um problema localizado na semana anterior ao dia 1º [de cada mês". Uma maneira de contornar esse problema seria o BC dar "hedge" em dólar em vez de em real, mas não seria uma boa idéia. Isso poderia atiçar ainda mais o mau humor dos analistas financeiros externos. Outra idéia poderia ser o BC focar a intervenção no mercado de dólar nesses dias em vez de usar a ração diária. Esse problema ocorre porque há escassez de linhas de crédito em dólares no mercado que não são renovadas no final do mês.

Folha - O sr. acredita na volta, em breve, das linhas de crédito para o Brasil?
Bacha -
Esse corpo-a-corpo do governo, primeiro em Nova York, e agora, na semana que vem, na Europa, pode melhorar o ânimo dos bancos, mas os analistas financeiros continuam com muito má vontade em relação ao Brasil.

Folha - De onde vem esse mau humor?
Bacha -
Na minha carta ao "Financial Times" [o jornal britânico publicou artigo de Bacha no dia 22 de agosto, no qual ele diz que não há possibilidade de o Brasil declarar moratória", escrevi que esse mau humor vem do desconhecimento do processo de rolagem da dívida interna brasileira. As pessoas tendem a se fixar em certas relações quantitativas, comparando o Brasil a outros países, que acabam dando uma idéia da situação brasileira pior do que a realidade. Basta ver o relatório da [agência" Standard & Poor's desta semana. As pessoas não levam em consideração que, no Brasil, existe há mais de 30 anos um grande mercado doméstico cativo para financiar a dívida interna. Não quero dizer que a dívida não seja um problema. É, mas não tão grande como estão fazendo crer lá fora. Os reguladores e as agências de classificação de risco colocam o Brasil numa caçapa à qual ele de fato não pertence. O nosso processo de rolagem da dívida interna é muito peculiar se comparado aos demais países emergentes.

Folha - O sr. vê riscos de o Banco Central deixar o próximo governo com reservas muito baixas?
Bacha -
Se continuar a sair dinheiro como aconteceu em julho e em agosto, pode haver problemas, mas todas as projeções são de que as reservas dão para o gasto com o novo acordo com o FMI. Claro que, se se configurar um cenário de estresse, o BC terá de tentar negociar com o FMI a ampliação do limite acertado de US$ 3 bilhões por mês para intervir no mercado.

Folha - O sr. acha difícil o Brasil conseguir renegociar essa parte do acordo com o FMI?
Bacha -
Não. Basta um telefonema do Armínio [Fraga, presidente do BC" para o [Horst" Köhler [diretor-gerente do FMI".

Folha - Isto é, no caso de o dólar continuar subindo...
Bacha -
Não, se o dólar continuar subindo essa será a nossa válvula de escape. É a melhor maneira de não sair dinheiro. Trata-se de uma troca de moedas nas mãos de residentes. Um fica com o dólar e o outro com o real. O dinheiro não sai. Não afeta as reservas internacionais.

Folha - Em que condições, então, o sr. acha que o governo deveria acertar um novo limite com o FMI para intervir no mercado?
Bacha -
Se o governo entender que está acontecendo alguma coisa muito pontual e reversível, que necessite de uma intervenção mais forte para evitar uma crise financeira.

Folha - Os leilões de linha do BC podem não ser suficientes?
Bacha -
Esse mecanismo ainda é muito recente. O pessoal lá fora está dando uma de são Tomé -melhor ver para crer.

Folha - Por enquanto, então, é difícil acreditar na volta do crédito?
Bacha -
O problema nem é a volta das linhas de crédito, mas o de fazer com que elas parem de cair. O que se espera é que os empréstimos externos que vencem daqui para a frente sejam renovados. O pessoal não entendeu muito essa coisa. O grande problema hoje é que a taxa de renovação está muito baixa. O volume de vencimentos até o final do ano ainda é expressivo. O importante é estancar a sangria. Se voltarem as linhas de crédito, tanto melhor, mas se elas pararem de cair já vai ser um alívio suficiente para conseguirmos chegar bem até o final do ano.

Folha - O que o sr. acha da previsão de Armínio de crescimento de pouco mais de 1% neste ano?
Bacha -
Acho que o Armínio falou isso informalmente. O próprio Ipea está prevendo 1,7%.



Texto Anterior: Comunidades recebem apoio das empresas
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.