São Paulo, domingo, 01 de setembro de 2002

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Ex-presidente do BC diz que o país viverá período difícil no primeiro semestre de 2003, qualquer que seja o eleito

Turbulência continua após eleição, diz Eris

DO PAINEL S.A.

O consultor econômico Ibrahim Eris, 57, presidente da Eris Consultores, faz um alerta. As turbulências na economia não irão acabar com a eleição do novo presidente. Seja quem for o candidato eleito, o Brasil viverá um período conturbado na economia que pode se estender por até 180 dias depois da posse -durante o primeiro semestre de 2003.
Eris diz isso com autoridade. Ele foi o primeiro presidente do Banco Central do governo Fernando Collor, nos anos de 1990 e 1991, no período do confisco. "Olha, prepare-se, mas dá para passar."
Por isso, Eris sugere que o Banco Central deixe o máximo possível de reservas para o novo governo. Caso contrário, o novo presidente terá de, outra vez, bater à porta do FMI (Fundo Monetário Internacional).
(GUILHERME BARROS)

Folha - O que o sr. acha que vai acontecer com o dólar?
Ibrahim Eris -
O dólar está mais ou menos estabilizado na faixa de R$ 3 a R$ 3,10 [na sexta-feira fechou em R$ 3,01". Houve uma nítida melhora nesses últimos dias, em consequência da viagem da equipe econômica aos Estados Unidos e das novas pesquisas eleitorais. Isso se refletiu na diminuição da volatilidade do dólar, mas o cenário ainda é muito difícil. Obviamente, nos atuais preços do dólar, as contas externas melhoram com o dólar mais caro. É para isso que existe o câmbio flutuante. Acho saudável esse movimento. A alta do dólar está provocando um ajuste no balanço de pagamentos. Só não vamos cair no erro de achar que os problemas foram resolvidos. Claro que esse ajuste forçado tem um custo para a economia. Sem dúvida, trata-se de um ajuste com um componente de dor. Um exemplo é a inflação, que está sendo pressionada. Não é nada fantástico, mas se olharmos a inflação dos últimos 12 meses, ela se situa hoje numa faixa entre 7% e 8%. Outro custo é para as empresas, principalmente aquelas endividadas em dólar. Não há dúvida de que as contas públicas também pioram num primeiro momento.

Folha - Com esse ajuste, a tendência não é o dólar cair?
Eris -
Hoje, fazer uma previsão para o dólar é uma temeridade. Há muitos fatores que precisam ser definidos, o que torna difícil fazer um prognóstico. Uma coisa é certa: as incertezas permanecerão conosco ainda por algum tempo. Esta eleição é totalmente aberta. Não há uma tendência definida. Todos os candidatos, inclusive o José Serra, o preferido do mercado, prometem mudanças na política econômica. E até que essas alterações fiquem claras para os agentes econômicos, especialmente para os de fora do Brasil, continuaremos numa situação de indefinições. Pessoalmente, acho que as incertezas irão permanecer até 180 dias depois da posse do novo governo. Mesmo com Serra, a nova equipe econômica certamente irá trazer novos conceitos, novas políticas, e será praticamente inevitável um período de turbulência. Acho que o dólar ainda ficará pressionado por algum tempo.

Folha - O sr. acredita na volta das linhas de crédito externas?
Eris -
Não haverá novas linhas de crédito no curto prazo. Há, hoje, uma fuga de risco no mundo. Por isso, não haverá disponibilidade de recursos para o Brasil. O Brasil é um dos grandes demandantes de recursos no mundo. A necessidade do país, para amortização da dívida e para cobrir o déficit em conta corrente, gira em torno de US$ 50 bilhões por ano. Neste momento de incertezas na economia americana, com aversão ao risco, o Brasil terá dificuldades para financiar seu balanço de pagamentos. Esse quadro não deve se alterar com as reuniões da equipe econômica com os grandes bancos americanos e europeus. O mercado financeiro pode até se sentir confortado com essas visitas, mas elas não resolvem o problema. O que vale mesmo é que a avaliação dos bancos internacionais, neste momento, não é favorável ao Brasil. O resultado da viagem de [Pedro" Malan e de Armínio [Fraga" foi o melhor possível para o momento, embora eles somente tenham conseguido um compromisso informal dos bancos de não reduzir mais as linhas de crédito. Seria um erro pedir algo mais do que isso.

Folha - O sr. acha que há o risco de o Banco Central queimar as reservas para conter a alta do dólar?
Eris -
Acho que aí há um problema sério que o Banco Central tem de tomar muito cuidado. O BC não pode trabalhar com a hipótese de que tudo irá se resolver depois das eleições. Seria um grande erro. O BC tem a obrigação de trabalhar com cenários pessimistas. Não cabe ao BC ser otimista. O BC tem de considerar sempre os piores cenários para a economia, ainda mais que existe de fato uma grande possibilidade de tensão que não pode ser desprezada, principalmente nos primeiros 90 a 180 dias do novo governo. Por isso, o BC tem de deixar o maior volume de reserva líquida possível para o novo governo. Hoje, cada real gasto pelo [atual" governo é mais um passo dado para jogar o novo governo nos braços do FMI no seu primeiro dia de trabalho. Eu preferiria que o BC deixasse o dólar flutuar do que gastar as reservas para manter a moeda num determinado patamar. Nessa área, há um conflito claro entre este governo e o próximo. Acho que o melhor seria dosar a venda de dólares neste período e permitir o câmbio flutuar até para patamares mais altos, se for necessário. O ideal seria que o BC deixasse para o próximo governo as reservas num valor substancialmente acima dos US$ 5 bilhões do piso acertado com o FMI. Isso permitiria que o novo governo tivesse tempo para se organizar até ganhar a confiança dos mercados. O país deve sofrer mudanças na política econômica e isso exigirá tempo de adaptação por parte dos agentes econômicos.

Folha - O sr. viveu isso?
Eris -
Olha, prepare-se, mas dá para passar.

Folha - O sr. acredita que o novo governo terá de procurar o FMI?
Eris -
Dependendo do nível de reservas líquidas que forem deixadas para o próximo governo, e dependendo do estado dos mercados internacionais na ocasião, isso é perfeitamente viável de acontecer. Nossas reservas líquidas hoje estão razoavelmente baixas, um pouco menores do que US$ 22 bilhões. Assim, se esse governo gastar dólares num ritmo forte, como ocorreu nos últimos dois meses, na tentativa de conter a moeda, o novo governo corre o risco de ficar sem outro caminho a não ser o rumo do FMI.



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