São Paulo, domingo, 01 de setembro de 2002

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ENTREVISTA

Stanley Fischer, ex-número dois do FMI, diz que preço será menor se o próximo governo manter atual política econômica

"País terá de pagar um preço pelo ajuste"

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Não há ilusão. Sejam quais forem as medidas econômicas do próximo presidente brasileiro, o país terá de pagar um preço para ajustar suas contas externas e controlar sua dívida.
A opinião é do vice-presidente do Citigroup, Stanley Fischer, segundo o qual o preço desse ajuste será muito mais baixo se o próximo governo mantiver e consolidar a política econômica da atual administração.
Fischer disse que nenhuma medida econômica será capaz de induzir o crescimento do país por meio de estímulos fiscais e monetários e alertou que a inflação não pode ser vista pelos candidatos no Brasil como um meio de expurgar a dívida doméstica.
Em entrevista à Folha na sede do Citigroup, em Nova York, o economista disse ainda que os bancos internacionais optaram por um compromisso informal de manutenção das linhas de crédito ao país, na última segunda-feira, por duas razões: o governo brasileiro não quis envolver forçosamente os bancos e não fazia sentido formalizar um acordo, instituindo-se prazos no meio de um processo eleitoral.
Vice-diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional) entre 1994 e 2001, Fischer nasceu na Zâmbia (África) há 59 anos e naturalizou-se norte-americano. Foi chefe do Departamento de Economia do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e economista-chefe do Banco Mundial, entre 1988 e 1990.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Folha - Apesar de adotar políticas monetária e fiscal elogiadas pelos mercados, o Brasil produziu déficits em conta corrente enormes durante todo o Plano Real. Mesmo agora, com o dólar acima de R$ 3, o país projeta um déficit de US$ 17 bilhões para esse ano, embora as contas externas tenham apresentado uma ligeira melhora. O sr. se surpreendeu?
Stanley Fischer -
Sabia que uma das maiores diferenças entre economias da América do Sul e da Ásia era a capacidade de os países asiáticos ajustarem-se de forma mais rápida depois de desvalorizações cambiais. O México também foi capaz de fazê-lo de forma rápida, em 1995, diferentemente do Brasil. Eu sabia disso, mas confesso que a reação lenta no resultado da conta corrente brasileira foi, provavelmente, o aspecto mais surpreendente e decepcionante do ajuste do país. Essa reação está ocorrendo agora, mas demorou para vir.
Há uma hipótese que explica essa demora. O Brasil administrou seu período pós-desvalorização melhor que outros países. Seu PIB começou a crescer logo após a mudança no câmbio, com uma política monetária muito bem administrada. Talvez o preço desse crescimento tenha sido justamente a postergação do ajuste na conta corrente do país.

Folha - No debate da campanha eleitoral brasileira, verificam-se uma rejeição quase unânime ao rigor fiscal excessivo e promessas de redução dos juros. Alguns economistas até sugerem que uma inflação maior poderá ajudar o governo a pagar parte de sua dívida doméstica. O que o sr. acha dessas idéias?
Stanley Fischer -
É uma ilusão pensar que, se um país conduzir sua política monetária de curto prazo com mais liberdade, reduzirá indireta e significativamente as taxas de juros da dívida doméstica. O que guia as taxas de juro é a percepção dos mercados globais sobre o crédito de um determinado país. Todos ficaríamos satisfeitos se o Brasil pudesse reduzir os juros de uma só vez, mas, se isso for feito sem que se mantenha a inflação sob controle - em outras palavras, se tentarem cortar os juros da dívida doméstica por meio da inflação-, haverá uma piora sensível na percepção dos investidores domésticos.

Folha - O senhor não acha que há limites políticos, sociais e econômicos para esforços fiscais? Qual é o superávit primário (receita menos despesa sem contar gastos com juros da dívida pública) máximo que um país pode obter para pagar sua dívida?
Stanley Fischer -
É muito difícil dizer. Há países na economia global que obtiveram superávites além dos imagináveis. A Turquia saiu de um déficit primário de 2% para um superávit de 6,5% em dois anos. Embora seja uma nação pequena, a Jamaica também obteve um superávit primário surpreendente, de mais de 11% do PIB.
Quando eu estava no FMI, ao receber os ministros da Turquia e da Jamaica, expus a eles o grave problema de suas dívidas. Eles responderam que as pagariam. Eu respondi que o esforço fiscal necessário seria politicamente inviável. Eles disseram: "É politicamente viável e nós vamos provar para você." E provaram. É muito difícil julgar, de fora, esse tipo de decisão. Se perguntarmos aos turcos e aos jamaicanos, eles dirão que fizeram a coisa certa.
O desafio é comparar o custo do esforço fiscal ao custo de não fazer esse esforço e, por último, ao custo de reestruturar forçosamente a dívida. Na verdade, trata-se de um dilema político, não econômico. Há poucas questões econômicas nesse dilema. Em termos de crescimento, os efeitos keynesianos normais de um estímulo fiscal seriam severamente reduzidos pelo impacto das taxas de juro. Se você morar numa economia sobre a qual pairam dúvidas sobre a capacidade de pagamento da dívida, você terá taxas de juro altas que reduzirão o crescimento.
Se você tiver um superávit primário maior e com ele retirar as incertezas sobre o pagamento da dívida, os juros vão baixar, afetando positivamente o crescimento, mas impactando-o negativamente por meio da economia fiscal. A questão é descobrir qual será o resultado líquido desses dois fatores. Pessoalmente, estou absolutamente convencido de que vale a pena fazer um esforço fiscal.

Folha - O atual governo brasileiro tem duas características contraditórias: nos últimos oito anos, o presidente Fernando Henrique Cardoso foi três vezes ao FMI e criou uma dívida pública enorme. Ao mesmo tempo, nesse mesmo período, obteve apoio político para reformas econômicas importantes, como o saneamento dos Estados e a responsabilidade fiscal. Qual dos dois legados terá mais efeitos sobre o futuro da economia brasileira?
Stanley Fischer -
Houve um avanço gigantesco nos últimos oito anos. Uma das maneiras de abordar o assunto é lembrando de algumas das crises do começo do primeiro mandato do presidente, quando, a cada semana, um governo estadual, um banco estadual ou uma decisão judicial criava crises enormes. Limpar as finanças estaduais, privatizar os bancos estaduais e implementar um sistema fiscal que trouxe coerência às finanças regionais foram avanços essenciais. Poucas pessoas lembram-se disso agora porque estamos num novo período de turbulências, mas trata-se de um legado precioso.
Quanto à dívida, ela também é produto de uma decisão corajosa de reconhecer, de forma transparente, as dívidas escondidas, os esqueletos. Eu gostaria que o arcabouço da política monetária se desenvolvesse mais sob o ponto de vista institucional, com a aprovação de leis sobre a independência do Banco Central. Mesmo assim, foi surpreendente ver como a economia partiu de uma situação na qual estava constantemente à beira da hiperinflação para outra, na qual preços estão sob controle e pessoas nas ruas conhecem exatamente o custo social do descontrole monetário.
Se a próxima administração mantiver as conquistas da administração anterior, avançar na consolidação e normatização da política monetária e vencer as dúvidas sobre a dinâmica da dívida, aí sim poderá atingir a mesma situação a que o Chile chegou entre 1990 e 1994. O México está perto desse ponto.

Folha - Por que o governo brasileiro e os bancos privados optaram por um simples compromisso genérico de manutenção dos negócios no país? Por que não foi firmado um acordo com datas e valores, como o de 1999?
Stanley Fischer -
O governo brasileiro e o presidente do BC (Banco Central), Armínio Fraga, têm experiência nesse assunto. O Brasil não gosta de formalização, de acordos que possam parecer não voluntários. Também não gostam da idéia de controles de capital, de envolvimento forçado do setor privado. Entendo a posição brasileira. Mas isso também seria complicado porque há eleições no meio do caminho. No entanto, acho que o compromisso foi muito bom para a economia brasileira, principalmente quanto à manutenção das linhas de crédito privadas.



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