São Paulo, terça-feira, 01 de setembro de 2009

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OMC limita sanções do Brasil sobre os EUA

Organismo abaixa valor de retaliação contra subsídio dos EUA ao algodão, mas estende a outros setores possibilidade de revidar

Disputa sobre subsídios ao algodão vem desde 2002; Brasil estuda sanções em patentes farmacêuticas, mas não chega a decisão


LUCIANA COELHO
DE GENEBRA

O Brasil obteve ontem meia-vitória na Organização Mundial do Comércio na disputa sobre os subsídios dos EUA a produtores de algodão. A OMC autorizou sanções aquém do valor pedido por Brasília, mas abriu a opção de que parte da retaliação ocorra em áreas como propriedade intelectual e serviços, como queria o Itamaraty.
Diferentemente do que solicitou o Brasil, no entanto, a chamada "retaliação cruzada" só será permitida quando o valor das sanções, flutuante, superar um determinado patamar. Esse cálculo será feito com base em um conjunto de variáveis do qual a principal é o valor dos subsídios, que vem aumentando nos últimos anos.
"Esse mecanismo de gatilho não estava nem na nossa expectativa, pois é algo inovador. Para nós seria "sim" ou "não'", disse o embaixador do Brasil na OMC, Roberto Azevedo. Ele afirmou que o valor concedido, embora abaixo dos US$ 2,5 bilhões pedidos, está dentro do que o Itamaraty esperava.
"Não é só o país que ganha, mas todo o sistema multilateral de comércio, uma vez que a decisão não deu razão ao país mais forte", disse o subsecretário de Assuntos Econômicos do Itamaraty, embaixador Pedro Luiz Carneiro de Mendonça.
Resta agora o Brasil decidir se de fato aplicará as sanções -algo inédito- e de que forma. Em casos anteriores, houve acordos e evitou-se que a retaliação fosse posta em prática.
"Esperamos que os EUA reconheçam o que foi decidido e não tenhamos que aplicar [as sanções]", afirmou Azevedo.

US$ 800 milhões
No parecer, os árbitros usam como base de cálculo o ano de 2006, o que o Itamaraty descarta fazer. Considerando os subsídios dos EUA, variações nas importações que o Brasil faz do país e outros fatores estabelecem que, para 2006, Brasília teria direito a aplicar sanções de US$ 294,7 milhões.
Já o valor mínimo necessário para retaliar fora da área de bens (a do algodão) naquele ano seria de US$ 409,7 milhões -no exemplo, o Brasil ficaria aquém e as sanções cruzadas seriam descartadas.
O quadro muda se a conta for do teórico ao prático e o ano em questão for 2009. Não há dados finais para o atual ano fiscal (que termina em outubro), mas o Itamaraty fez um exercício com os números até julho.
Nele, o Brasil poderia aplicar sanções de US$ 800 milhões, e o patamar para a retaliação cruzada seria de US$ 460 milhões. Haveria US$ 340 milhões em sanções possíveis sobre propriedade intelectual. A discrepância vem do salto de US$ 1,3 bilhão para US$ 4,6 bilhões nos subsídios dos EUA no período.
"Lamentamos que os EUA não tenham reconhecido as decisões e continuem a aplicar [subsídios]", disse Azevedo. "Vindo de um membro-chave da OMC, isso é preocupante."
Os EUA minimizaram a decisão. Disseram-se "desapontados com o resultado", mas satisfeitos com o valor das sanções. "Além disso, estamos satisfeitos pelo fato de os árbitros terem negado o pedido do Brasil de ter capacidade ilimitada para suspender concessões em propriedade intelectual ou serviços", disse em comunicado a porta-voz da USTR, a agência responsável pelo Comércio Exterior do país, Carol Guther.

Pressão política
A retaliação cruzada é mais interessante para o Brasil porque pressiona os EUA em um ponto em que são mais sensíveis, a propriedade intelectual.
Estariam em jogo a quebra de patentes de medicamentos e o não pagamento de royalties sobre sementes modificadas, entre outras coisas.
O custo da abertura de um precedente para os EUA aí é muito mais caro do que uma punição sobre o algodão importado. E ainda poderia opor no Congresso americano dois lobbies poderosos tanto sob republicanos quanto sob democratas, o do algodão e o da indústria farmacêutica.
A única vez em que a OMC concedeu o direito a retaliação cruzada nessa área foi em uma disputa sobre bananas entre o Equador e a União Europeia.
O embaixador Roberto Azevedo disse que decisão sobre a forma das sanções, no entanto, não foi tomada. A Camex (Câmera de Comércio Exterior, que reúne seis ministros) discutirá agora a forma e o "timing" para agir -se aplicar sanções e como. "Acharemos um modo de ajudar o setor afetado, o do algodão."
Caso o Brasil decida retaliar em propriedade intelectual, é necessário mudar a legislação, que veda o mecanismo. Um projeto está no Congresso.
O embaixador não estima o prazo para uma decisão. No mínimo é preciso esperar pela divulgação de todos os dados envolvidos no cálculo, o que não ocorre antes de novembro. Parte dos números vem dos EUA, mas a OMC autoriza o Brasil a inferir caso estes atrasem.
Embora o caso esteja encerrado, os EUA poderiam questionar o montante em um novo painel -o que não interromperia a aplicação das sanções.

Colaborou a Sucursal de Brasília



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