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LUÍS NASSIF
Velho como o diabo
Na coluna de ontem,
mencionava-se o processo de triangulação do capital
rentista até o final da República Velha. Consistia em abrir
conta na praça londrina, depositar suas libras e depois investir no país na forma de financiamento do banco hospedeiro. Além dos próprios recursos, esses grupos brasileiros
tomavam empréstimos a 4%
ao ano e aplicavam no Brasil
em projetos de infra-estrutura
a uma rentabilidade vários
pontos maior. Todo esse financiamento vinha sob a capa protetora da instituição
londrina.
A subordinação da política
econômica à lógica do capital
financeiro é bastante similar
aos anos 90. Não havia nenhuma exigência de componentes nacionais, nem os mais
básicos, nos projetos de ferrovias. Também não havia nenhum interesse em reduzir a
vulnerabilidade externa por
meio de uma política consistente de substituição de importações. Primeiro porque
significaria secar a mina para
o capital rentista; segundo
porque tornaria a moeda externa um bem não-essencial,
reduzindo o poder de fogo da
especulação.
Com isso, o país ficava totalmente à mercê de qualquer
aumento ou redução no fluxo
cambial. A cada apreciação
da moeda nacional, matavam-se empresas nacionais. A
cada desvalorização, quebrava-se o Estado, obrigado a pagar mais pelos financiamentos
tomados.
Quando Getúlio Vargas institui o controle de capitais e
renegocia a dívida externa, o
câmbio se estabiliza, torna-se
competitivo. Aí esse capital
acumulado é internalizado de
novo e reciclado para o setor
produtivo por meio da rede
bancária. Esse é o movimento
que precisa ser repensado agora, e é aí que o sistema bancário ganha legitimidade econômica e política.
As antigas casas comissárias
de café atuavam comprando o
café e vendendo tudo o que a
lavoura necessitava. A partir
de meados dos anos 20, tornam-se casas bancárias. Nos
anos 30, tornam-se bancos,
ajudando a reciclar o capital
dos cafeicultores.
No início dos anos 80, há a
volta da ciranda. Por conta
das sucessivas crises internas,
forma-se um enorme caixa
dois no país. Ao bloqueio de
cruzados e ao fim das contas
ao portador (já no governo
Collor), sucedeu-se a liberalização cambial, notavelmente
ampliada com a liberalização
das contas CC-5 (contas em
dólares de residentes no país)
e do anexo 4 (contas de não-residentes trazendo dólares
para cá). Parte do caixa dois
que se evadiu retorna para obter ganhos extraordinários, os
maiores da história, por meio
da arbitragem entre as taxas
internacionais e as taxas internas.
Lá como cá, o modelo se sustentou em cima de argumentos falsos. Nos anos 90, o sofisma era a necessidade de ter reservas cambiais robustas.
Montaram-se reservas de dezenas de bilhões de dólares, a
um custo que quebrou o país.
Quando sobreveio a crise cambial, todo aquele montante virou fumaça em poucos meses,
porque o modelo de livre movimento cambial tornava as
reservas totalmente voláteis. E
cortar o fluxo de curto prazo
significaria anular a principal
fonte de ganhos desse rentismo sem risco.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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