São Paulo, sexta-feira, 01 de outubro de 2004

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LUÍS NASSIF

Velho como o diabo

Na coluna de ontem, mencionava-se o processo de triangulação do capital rentista até o final da República Velha. Consistia em abrir conta na praça londrina, depositar suas libras e depois investir no país na forma de financiamento do banco hospedeiro. Além dos próprios recursos, esses grupos brasileiros tomavam empréstimos a 4% ao ano e aplicavam no Brasil em projetos de infra-estrutura a uma rentabilidade vários pontos maior. Todo esse financiamento vinha sob a capa protetora da instituição londrina.
A subordinação da política econômica à lógica do capital financeiro é bastante similar aos anos 90. Não havia nenhuma exigência de componentes nacionais, nem os mais básicos, nos projetos de ferrovias. Também não havia nenhum interesse em reduzir a vulnerabilidade externa por meio de uma política consistente de substituição de importações. Primeiro porque significaria secar a mina para o capital rentista; segundo porque tornaria a moeda externa um bem não-essencial, reduzindo o poder de fogo da especulação.
Com isso, o país ficava totalmente à mercê de qualquer aumento ou redução no fluxo cambial. A cada apreciação da moeda nacional, matavam-se empresas nacionais. A cada desvalorização, quebrava-se o Estado, obrigado a pagar mais pelos financiamentos tomados.
Quando Getúlio Vargas institui o controle de capitais e renegocia a dívida externa, o câmbio se estabiliza, torna-se competitivo. Aí esse capital acumulado é internalizado de novo e reciclado para o setor produtivo por meio da rede bancária. Esse é o movimento que precisa ser repensado agora, e é aí que o sistema bancário ganha legitimidade econômica e política.
As antigas casas comissárias de café atuavam comprando o café e vendendo tudo o que a lavoura necessitava. A partir de meados dos anos 20, tornam-se casas bancárias. Nos anos 30, tornam-se bancos, ajudando a reciclar o capital dos cafeicultores.
No início dos anos 80, há a volta da ciranda. Por conta das sucessivas crises internas, forma-se um enorme caixa dois no país. Ao bloqueio de cruzados e ao fim das contas ao portador (já no governo Collor), sucedeu-se a liberalização cambial, notavelmente ampliada com a liberalização das contas CC-5 (contas em dólares de residentes no país) e do anexo 4 (contas de não-residentes trazendo dólares para cá). Parte do caixa dois que se evadiu retorna para obter ganhos extraordinários, os maiores da história, por meio da arbitragem entre as taxas internacionais e as taxas internas.
Lá como cá, o modelo se sustentou em cima de argumentos falsos. Nos anos 90, o sofisma era a necessidade de ter reservas cambiais robustas. Montaram-se reservas de dezenas de bilhões de dólares, a um custo que quebrou o país. Quando sobreveio a crise cambial, todo aquele montante virou fumaça em poucos meses, porque o modelo de livre movimento cambial tornava as reservas totalmente voláteis. E cortar o fluxo de curto prazo significaria anular a principal fonte de ganhos desse rentismo sem risco.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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