São Paulo, quarta-feira, 01 de outubro de 2008

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análise

Rejeição ao plano foi resposta do povo para a elite

CHRYSTIA FREELAND
DO "FINANCIAL TIMES"

Nesta semana, o povo americano se rebelou contra a sua elite. Essa é a grande história política por trás da surpreendente rejeição pelos deputados do plano de resgate financeiro que foi arduamente -e, nos foi dito, de modo vitorioso-remendado no fim de semana.
Ninguém ficou muito animado com a proposta final. Wall Street queria um plano que desse bastante munição para Henry Paulson, o secretário do Tesouro, e confiasse que ele atiraria nos alvos certos. Os acadêmicos preferiam soluções que atingissem diretamente os problemas do sistema bancário, com o governo recebendo participações nas empresas.
Os ideólogos da direita e da esquerda ficaram horrorizados com um pacote que, ao mesmo tempo, aumentava o poder do governo e salvava a plutocracia financeira.
Mas, apesar das reservas, o veredicto quase unânime daqueles que já foram chamados de os homens sábios nos dois partidos, no governo, na academia, nas empresas e na mídia "mainstream" era que o plano de Paulson seria, sem nenhuma dúvida, certamente, absolutamente aprovado.
Eles ainda esperam que alguma versão do plano seja aprovada. Como um veterano banqueiro e diplomata me disse ontem: "Ele será aprovado porque tem que ser. Eles não podem fazer nada. O risco é grande demais."
Mas 205 deputados decidiram segunda que não acreditam no "establishment" político e econômico do país -e votaram de acordo.
O julgamento econômico desses legisladores pode estar errado, mas a discordância deles capturou precisamente a crescente raiva entre o eleitorado americano.
Os americanos têm bons motivos para não confiarem na sua elite. Os líderes políticos do país, liderados pela Casa Branca de George W. Bush, tornaram fácil acreditar que o governo americano simplesmente não funciona.
Do furacão Katrina até a Guerra do Iraque (pelo menos até antes da insurgência), passando pelo déficit orçamentário e a falta de uma política de energia nacional, Washington não parece estar entregando um serviço muito bom para os cidadãos.
Nem os líderes empresariais parecem muito confiáveis neste momento. Mas, antes mesmo do aperto do crédito, o salário médio estava se estagnando, enquanto a renda dos super-ricos decolava, criando a maior disparidade desde a era dourada (no final do século 19).
Tudo isso torna fácil entender o sentimento bipartidário e amplamente disseminado de "vamos chutar para fora esses bastardos".
Mas aqui vem o problema: a atual crise financeira é global, de grande velocidade e cruelmente sofisticada. É exatamente o tipo de coisa que precisa de tecnocratas sofisticados e abnegados.
Mas, mesmo que os americanos encontrem os necessários gênios financeiros honrados -o que não será pouca coisa-, poderão confiar neles? O destino da economia global pode depender da resposta dessa questão.


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