São Paulo, quinta, 1 de outubro de 1998

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O tamanho do "pacote" e "viradas"

ALOYSIO BIONDI

Os violentos efeitos do "pacote" que vem aí estão sendo escondidos da população brasileira? Estão. Há mais de um mês fala-se no "ajuste". Mas, ao mesmo tempo, se ilude o brasileiro com a esperança de que a "ajuda" dos EUA, FMI, governos diversos reduzirá a "necessidade de sacrifícios".
Inventou-se, até, uma discussão absolutamente mentirosa sobre a necessidade ou não de aumentar impostos. Quais são afinal as perspectivas para o país? Pode-se dizer, em poucas palavras, que o Brasil "quebrou", vai ser obrigado a descer aos infernos, enfrentar um período de agravamento de problemas (recessão, desemprego, quebradeira) -isto é, repetir a trajetória dos "tigres asiáticos".
Eles "quebraram" no ano passado, seu povo sofreu o diabo -e, só agora, depois que reduziram sua dependência dos capitais estrangeiros, estão, até, começando a desobedecer às ordens do FMI, EUA e banqueiros internacionais. O calvário do Brasil precisa ser analisado sob dois ângulos, no curto e médio prazos:
Curto prazo - Neste mês de outubro, o governo federal precisa pagar, ou "rolar", a cifra fantástica de sua dívida interna. Isto é, precisará "vender" R$ 55 bilhões em títulos, para pagar os R$ 55 bilhões que estão vencendo. É uma cifra incrível, que há muito tempo assusta o "mercado" -e, por isso mesmo, desde maio os investidores e banqueiros internacionais começaram a retirar seus dólares do país.
Mais claramente: eles têm medo de um "calote", isto é, que o governo faça o mesmo que a Rússia e diga que precisa de um novo prazo para pagar seus compromissos. Por isso, fogem. E fica mais difícil, ao governo, vender seus títulos. Mais risco de "calote". Círculo vicioso.
Sem alternativa - A possibilidade de "dar o calote", não pagar os títulos que estão vencendo, não é tão simples assim. Os banqueiros internacionais abominam "calotes" -e isso significa que uma decisão dessas aumentaria a fuga de dólares, aumentaria o tumulto no mercado financeiro e acabaria exigindo, posteriormente, negociações mais demoradas para o "socorro internacional".
Foi por causa de um impasse desse tipo que a ministra Zélia Cardoso de Mello promoveu o "confisco", tão odiado para todo o sempre: o dinheiro "bloqueado" no Banco Central foi "emprestado" ao Tesouro, para que ele pagasse compromissos e "rolasse" sua dívida.
Médio prazo - Ninguém se iluda: todas as promessas de ajuda internacional, que existem efetivamente, têm sido acompanhadas de exigências. FMI, banqueiros, EUA querem violenta redução no "rombo" do Tesouro. E todos os cálculos mostram ser impossível atingir o resultado exigido simplesmente cortando despesas (mesmo porque elas estão sendo violentamente "inchadas" pelos juros exorbitantes que o Tesouro está pagando).
Em resumo: a alternativa é fazer aumentos violentos de impostos. Junto com os juros altos, eles reduzirão ainda mais o poder de compra da população, aumentarão as dificuldades das empresas e a "quebradeira".
O país está realmente de joelhos, encostado no muro (ou melhor, foi colocado nessa situação pela política econômica "neoliberal" do governo FHC). Como fugir dessa armadilha? O único caminho seria rejeitar o "tratamento de choque" exigido pelos governos e banqueiros internacionais -isto é, pedir um prazo maior para corrigir as distorções que levaram a economia para o caos. Essa "ruptura", porém, precisaria ser adotada imediatamente, enquanto o país ainda tem reservas em dólares relativamente altas.
Por quê? A "ruptura" provocaria a suspensão de empréstimos e financiamentos ao Brasil -inclusive para fazer importações. Por isso, o Brasil teria que dispor de dólares em caixa, reservas, para pagá-las à vista, meses a fio -até que as negociações com o exterior chegassem a um resultado positivo e os financiamentos voltassem. Difícil acreditar que o presidente Fernando Henrique Cardoso seja capaz dessa "virada".

Juros e tolices
Quem acompanha o noticiário econômico tem, muitas vezes, a impressão de que economistas, jornalistas, formadores de opinião, "gênios" do mercado financeiro estão sujeitos a surtos de esquizofrenia, de total fuga à realidade. Veja-se o estardalhaço das últimas semanas em torno da possibilidade de o Banco Central dos EUA reduzir suas taxas de juros em 0,25%, 0,50% ou mesmo 1%. A medida foi apresentada, em milhares e milhares de artigos, entrevistas, análises como a "panacéia", a salvação da economia mundial, capaz de tudo: reanimar os negócios, reerguer as Bolsas, evitar a "grande crise que vem aí".
Ora, até uma criança -não esquizofrênica, óbvio- veria que tudo isso é sandice. Como esta coluna já apontou, a economia dos EUA já entrou em declínio não por causa das taxas de juros -mas porque seu mercado está sendo invadido por importações. E dizia-se até que a redução dos juros nos EUA beneficiaria o Brasil, a Rússia, os "tigres asiáticos", porque, com rendimentos menores nos EUA, os investidores internacionais trariam seus dólares de volta para aplicar nos países emergentes...
Oh, Céus! Nem com juros de 80% ao ano, no caso da Rússia, ou de 40% ao ano, no caso do Brasil, os investidores deixaram de "preferir" aplicar nos EUA, por causa da segurança atual. Que diferença poderia fazer um corte, mesmo que fosse de 1%, nos juros dos EUA?
Decididamente, a década de 90 pode ser chamada de "Anos de Esquizofrenia Financeira", em que as maiores barbaridades foram impostas à humanidade pelos gurus da raça Camdessus e seus clones. Felizmente, a humanidade já está descobrindo o engodo em que caiu. Alvíssaras.


Aloysio Biondi, 62, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.



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