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LUÍS NASSIF
A novela dos déficits gêmeos
Há semanas, por meio da coluna, venho manifestado minha
absoluta incapacidade de entender essa lógica convencional do
mercado de que a crise externa é
puramente fiscal e que sua saída
passa exclusivamente pela obtenção de um superávit fiscal de
3,5% do PIB, como precondição
para estabilizar a dívida interna,
reduzir os juros e voltar a crescer.
Assim como não consegui entender essa simplificação generalizada do mercado, de que, eliminando-se o déficit público, estará
equacionada a necessidade de tomar dólares para fechar as contas
externas.
Finalmente, ainda não entendi
como gerar superávit fiscal com a
economia em recessão.
Déficit externo surge quando
há processos de aumento do déficit público, que geram uma demanda interna artificial. Essa
demanda -por bens e por recursos- acaba suprida por capitais
externos, gerando desequilíbrios
nas contas externas.
A partir desse diagnóstico, o caminho adotado consistia em forçar o país a gerar um forte superávit fiscal. O que interessava
não era o superávit em si, mas o
desaquecimento da atividade
econômica decorrente, permitindo um relativo equilíbrio na balança comercial, pela queda das
importações e aumento das exportações.
Nessa análise mecânica -de
uma economia operando a plena
capacidade- o fator de desequilíbrio sempre era o déficit público.
Fator de desequilíbrio
No caso brasileiro atual, claramente o fator de desequilíbrio foi
a política cambial implementada
no início do Real. O brasileiro
ficou artificialmente mais "rico"
porque, com o real valorizado,
passou a comprar quantidade
maior de bens, e os saldos comerciais transformaram-se em déficits.
Hoje em dia, o déficit externo
não é decorrente de excesso de
demanda (só faltava isso, com
uma economia próxima à recessão) nem o déficit público, fruto
de excesso de gastos do governo
(já que as principais contas públicas, com exceção da Previdência, estão relativamente equilibradas).
No primeiro caso, da incapacidade do país em reduzir sua demanda por dólares (mesmo em
um quadro recessivo). No segundo, em gerar reais para pagar o
serviço da dívida pública, que
precisou ser aumentada justamente para atrair os dólares. Tudo por conta dos desequilíbrios
provocados pela política cambial.
Confusão gêmea
É aí que entra essa confusão
monumental entre os déficits gêmeos.
1) Há um rombo nas contas externas, que precisa ser financiado.
2) O Banco Central enxuga o
crédito da economia e eleva as
taxas de juros, induzindo o setor
privado a trazer dólares para o
Brasil.
3) Quando os dólares entram
no país, o BC emite reais para
comprá-los (e mantê-los nas reservas), depois vende títulos públicos para enxugar esses reais
adicionais do mercado. Ou seja,
os dólares que entram no país, e
vão engordar as reservas, transformam-se em dívida pública.
4) Se o governo começar a gerar
superávits fiscais, ele terá reais
em caixa, com os quais irá resgatar parte dos seus títulos ou pagar os juros. Aí o investidor estrangeiro recebe os reais. Mas terá que irá ao mercado adquirir
os dólares que serão remetidos ao
seu pais de origem. Só que, para
isso, terá que haver dólares no
país.
Portanto a geração de superávits fiscais não prescinde, em hipótese alguma, da geração de superávits externos. E ambos são
processos distintos. A não ser que
(sem mexer no câmbio) se pense
em um ajuste fiscal tão agudo,
que leve a uma recessão tão profunda, que reduza as importações e gere excedentes para exportações, pela virtual paralisação do mercado interno. Os limites políticos a essa medida são
evidentes.
E nenhuma agência internacional vai providenciar financiamentos ao país, colchões de liquidez, ou coisa que o valha, se não
houver garantias de que as duas
variáveis estarão sendo equacionadas.
Nobel perplexo
O último artigo do economista
Paul Krugman, "Tempos de heresia" -publicado no "Estadão"
de ontem-, é um libelo contra
essa unanimidade extraordinariamente descosturada da realidade que tomou conta das análises financeiras a respeito da crise.
* "Desde quando um déficit orçamentário precisa de uma recessão (que, por si só, dificulta muito mais sua redução)?"
* "Como se explica que países
latino-americanos adotem políticas econômicas perversas, elevando os juros e reduzindo os
gastos, apesar da desaceleração
do crescimento ou da recessão
evidente?"
* "Estou realmente chocado
porque um número maior de
meus colegas não vê dessa forma
ou não compartilha de minha
opinião de que é preciso encontrar com urgência um novo meio
de combater a peste."
* "Todo economista de mente
arejada, especialista ou articulador de política econômica deve
estar disposto a admitir que a
sabedoria convencional está se
saindo muito mal e existe hoje a
ótima chance de as chocantes heresias atuais tornarem-se o simples bom senso de amanhã."
Não significa que toda fórmula
anticonvencional seja eficaz.
Mas significa que as fórmulas
convencionais tornaram-se ineficazes.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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