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Processo envolvia cúpula econômica
FREDERICO VASCONCELOS
da Reportagem Local
"Eu achava que era impossível
eles me deixarem quebrar", disse
Assis Paim Cunha, 70, principal
personagem do caso Coroa-Brastel, ao ser entrevistado, em janeiro
último, em seu escritório, num velho e decadente edifício no centro
do Rio de Janeiro.
"Eles", no caso, eram as três
mais importantes autoridades
econômicas do governo federal.
Como num longo abraço de afogado, desde 1983 Paim tentava
provar que afundou por causa de
Antonio Delfim Netto, Ernane
Galvêas e Carlos Geraldo Langoni,
respectivamente ministros do Planejamento e da Fazenda e presidente do Banco Central no governo João Baptista Figueiredo
(1979-1985).
O caso Coroa-Brastel é emblemático dos acordos a portas fechadas, típicos dos governos militares, e da omissão em relação ao
desvio de dinheiro público.
Socorrido por vultosos empréstimos da Caixa Econômica Federal
e do Banco Central, Paim teve fôlego para aplicar -durante muito
tempo- sucessivos golpes em investidores. "A inspeção era frouxa", dizia Paim.
Títulos "frios"
No início dos anos 80, a Coroa
S/A Crédito, Financiamento e Investimentos, financeira da qual
Paim era um dos sócios, inundou
o mercado com títulos "frios",
letras de câmbio (título emitido
em contrapartida a um crédito ao
consumidor) sem lastro. Ou seja,
que não correspondiam a operações de financiamento ao consumidor das lojas Brastel, rede de
varejo de propriedade de Paim.
A financeira de Paim emitia títulos muito além do registro na contabilidade oficial e oferecia uma
remuneração muito acima da média do mercado.
Quando a financeira quebrou,
os proprietários desses títulos
-pequenos investidores, em sua
maioria, e empresas e fornecedores- não puderam resgatá-los.
Paim esperava que todos acreditassem que essa emissão sem cobertura era feita com aprovação
implícita das autoridades, em reciprocidade a favores prestados ao
governo.
É verdade que o BC não parecia
interessado em conter o giro da
máquina impressora de Paim, e o
banco oficial já foi condenado a
indenizar quatro investidores, por
omissão da fiscalização. Mas a Justiça decidiu que Delfim, Galvêas e
Langoni não cometeram crime.
A versão de Paim é que os problemas surgiram quando ele foi
induzido por Delfim, Galvêas e
Langoni a absorver a corretora carioca Laureano, para evitar uma
intervenção naquela instituição.
Trabalhava na corretora um filho do chefe do Gabinete Civil, general Golbery do Couto e Silva.
"O dono do Brasil era Golbery, e
todo mundo se curvava", diz.
A versão oficial, porém, é que a
absorção tinha certa lógica, pois a
financeira de Paim era a principal
credora da corretora Laureano.
Paim alega que essa dívida tem
origem em empréstimo feito pela
Coroa à Laureano por solicitação
de Delfim, Galvêas e Langoni.
Aparentemente, Paim quebrou
porque apostou na promessa de
que seriam criados "mecanismos" que viabilizariam a absorção
da Laureano.
Noite do acerto
Na noite de 9 de fevereiro, Paim
foi chamado por Delfim a Brasília,
quando foi decidida a compra da
corretora Laureano.
Paim emitiu cheque em valor
correspondente, hoje, a R$ 1,5 milhão, para compra do título patrimonial da corretora, e recebeu
empréstimo em valor igual do BC
para cobrir os compromissos vencidos da Laureano. Quatro dias
depois, o BC concedeu nova assistência financeira de Cr$ 30 milhões (R$ 884 mil) para a Coroa,
que transferiu os recursos à corretora Laureano (contrariando a legislação).
Paim diz que não tinha idéia dos
rombos que encontraria. E emitiu
letras de câmbio sem lastro, no total de Cr$ 600 milhões (ou R$ 13,9
milhões em moeda atual).
Ele diz que Delfim determinou
que procurasse a Caixa Econômica Federal, para tentar um empréstimo de Cr$ 2,5 bilhões (R$ 58
milhões, hoje), para reforço de capital de giro. A CEF exigiu apresentação de um projeto para liberar o empréstimo e aprovou em
apenas 24 horas a operação milionária com Paim, como "projeto
de interesse governamental". Os
recursos foram liberados em oito
dias.
O "projeto" (entregue dois meses depois, segundo Paim) previa
a aplicação dos recursos na expansão das lojas Brastel e no programa "O sonho do João", para promover a moradia e alimentação
barata para classes mais pobres.
Parte do empréstimo serviu para
quitar débitos da Laureano com o
Banco do Brasil e com o Banespa;
outra parte (R$ 17,9 milhões
atuais) foi utilizada para pagamentos imediatos pela Coroa.
Ministros denunciados
Em outubro de 1988, o então
procurador-geral da República,
José Paulo Sepúlveda Pertence,
denunciou os ex-ministros Delfim
e Galvêas ao Supremo Tribunal
Federal por peculato (apropriação
ou desvio de dinheiro público em
benefício próprio ou de terceiros)
e Paim por estelionato (obtenção
de vantagem ilícita mediante artifícios ou fraude), falsidade ideológica e peculato.
A peça de acusação afirma que
Delfim e Galvêas, "detendo o
controle total da política econômico-financeira da administração
pública federal, conscientemente
desviaram para terceiro (Assis
Paim Cunha) dinheiro público,
por cuja guarda e correta gestão
deveriam zelar".
Langoni não foi denunciado.
Contra ele, o MPF apurou apenas
"séria infração funcional, de péssimo administrador da coisa pública, e nada além".
Em 1994, o STF rejeitou a denúncia contra Galvêas, "tendo
em vista haverem os elementos
constantes do inquérito propiciado convicção segura de que não
cometeu ele o crime que lhe foi
atribuído".
Delfim, que tinha ficado fora do
processo por causa da imunidade
parlamentar -pois o Congresso
não aprovara a licença para que
fosse a julgamento-, obteve depois a extensão da decisão que beneficiou seu colega da Fazenda.
Na esfera administrativa, o único punido foi o ex-diretor de fiscalização do mercado de capitais do
BC, Deli Borges, demitido sumariamente, em julho de 1984, depois de sindicância interna.
Prisão domiciliar
Ao todo, Paim respondeu a oito
processos em varas estaduais. Várias ações prescreveram e ele havia
sido condenado apenas a dois
anos de prisão, sob a acusação de
passar cheques sem fundos. Mas
não chegou a cumprir pena em cadeia. A ordem de prisão encontrou o empresário num hospital,
vítima de acidente automobilístico, com o fêmur fraturado. A pena
de reclusão foi transformada em
prisão domiciliar (trabalhava durante o dia e era obrigado a ficar
em casa à noite).
Um dos executivos do grupo,
Fernando Gebara, ficou preso em
cela comum. Melhor sorte teve
Abram Zylbersztajn, sócio minoritário, que não chegou a ser indiciado. Abram entrou na história
nos anos 60, quando sua empresa,
a Cobrás, se fundiu com a Telegel,
de Paim, formando a Brastel.
Abram é pai do diretor-geral da
ANP (Agência Nacional do Petróleo), David Zylbersztajn, e sogro
de Beatriz, filha do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Abram disse à Folha que cuidava apenas do crediário e representava o grupo em eventos sociais.
Ele disse que, logo no início do caso, a promotoria constatou que
ele não tinha envolvimento com
os atos de Paim. Laudo pericial na
falência da Coroa cita que Abram
e seu sócio Paim emitiram letras
de câmbio sem lastro.
Há quatro anos, Abram passou
dois dias fora de circulação,
aguardando liminar que o livraria
de ordem de prisão, numa decisão
judicial envolvendo a Brastel.
Abram e sua mulher avalizaram
a operação de Paim com a Caixa
Econômica Federal.
Ele elogia o fato de Paim sempre
ter assumido a responsabilidade.
E Paim se penitencia de ter "tornado Abram e a mulher co-responsáveis por uma fantástica dívida, com a qual nada tiveram a
ver", diz.
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