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ENTREVISTA DA 2ª
CELSO MINORU TOKUDA
PRESIDENTE DA ABYARA
Bancos devem liderar a aquisição de construtoras
O PRESIDENTE e sócio-fundador da incorporadora e imobiliária Abyara, Celso Minoru Tokuda, 51, diz acreditar que
o setor passará por forte concentração
nos próximos anos, a ponto de só a metade das
atuais 20 construtoras listadas na Bovespa restar. O
movimento, contudo, não deve ser liderado por incorporadoras, mas sim por bancos, que formariam
pools de incorporadoras hoje em crise.
A própria Abyara está cotada para participar desse
processo. Tokuda não nega a possibilidade de venda
como forma de "adquirir musculatura" e crescer.
RENATO ESSENFELDER
DA REDAÇÃO
Leia a seguir trechos da entrevista com Celso Minoro Tokuda, que recebeu a Folha por
três horas em seu escritório na
capital paulista -segundo ele,
em seu primeiro relato detalhado à imprensa.
FOLHA - O setor viveu um boom de
crescimento nos últimos anos e agora enfrenta uma grave crise. Como o
sr. acompanhou esse processo?
CELSO MINORO TOKUDA - O Brasil
não viveu plenamente o ciclo
virtuoso do mercado imobiliário como muitos países: México, Espanha, Chile. Nós efetivamente não vivemos essa euforia. O que vivemos foi que saímos de uma base de comparação muito pequena, de um mercado muito restrito ao eixo Rio-São Paulo, com o restante do
país praticamente inexplorado.
Então esse movimento de
crescimento foi brusco, e os insumos e a questão logística não
estavam prontos para ele.
FOLHA - Mas as empresas tiveram
forte valorização na Bolsa em 2007.
TOKUDA - [A alta foi] extraordinária, muito em razão da abertura de capital, dos IPOs. As
empresas formaram "landbanks" [banco de terrenos] e
buscaram negócios, prepararam-se para lançar esses empreendimentos.
FOLHA - Diante da crise, o governo
brasileiro deveria socorrer as empresas do setor?
TOKUDA - A contribuição do governo é estabelecer uma política habitacional e convidar os
atores desse processo para um
grande debate.
FOLHA - Mas não prestar auxílio financeiro direto às empresas?
TOKUDA - Nesse sentido, não.
Enquanto não houver esse
grande planejamento de política habitacional, os bancos estão
certos [em apertar o crédito].
FOLHA - Que medidas a Abyara tomou para aumentar sua liquidez?
TOKUDA - Um processo de
"downsizing", com redução de
40% da folha de pagamento.
Como medidas administrativas, fechamos escritórios na Bahia, no Rio e em Porto Alegre.
Houve contenção de gasto e reprogramação de lançamentos.
FOLHA - Quantos lançamentos foram suspensos?
TOKUDA - Mais ou menos R$ 1,1
bilhão, o que equivaleria a uns
20 lançamentos.
FOLHA - Houve também a venda
de parte da corretora Abyara...
TOKUDA - Nós vendemos 51%
da corretora [por R$ 250 milhões à BR Brokers]. Queremos
focar na incorporadora.
FOLHA - Qual era, em janeiro, a
projeção de lançamentos no ano?
TOKUDA - Era de R$ 2,2 bilhões
de VGV [valor geral de vendas]
lançado. Mas nós não lançamos
em razão do mercado e de um
planejamento adequado. No
primeiro semestre [suspendemos] em razão da alta do custo
de construção. Mais recentemente, pela menor demanda e
por uma questão de "cashflow"
[fluxo de caixa].
FOLHA - Quais são os planos para
2009?
TOKUDA - Para avaliar 2009, é
muito cedo. Teremos uma leitura mais clara a partir do segundo trimestre do ano. Mas
operacionalmente a companhia foi muito bem. No ano
passado, lançamos R$ 1,159 bilhão, tivemos R$ 1,350 bilhão
de recebíveis, fizemos com que
a imobiliária apresentasse
crescimento de 80% em 2007.
FOLHA - E onde está o gargalo?
TOKUDA - A operação da companhia é de sucesso, mas houve
um descasamento muito grande no "cashflow".
Todos criticam a agressividade da nossa empresa, mas essa
agressividade fez com que nós
saíssemos de R$ 8 [valor da
ação em março de 2007, após
um desdobramento] e fôssemos a R$ 37. O "landbank" somava R$ 10 bilhões no ano passado. O que deveríamos ter feito era um movimento de "follow one" [nova emissão de
ações]. Não fizemos. Em novembro, ensaiamos um "follow
one" quando a nossa companhia ainda estava a R$ 23 [a
ação]. Poderíamos ter vendido
a imobiliária em 2007, era um
ativo muito interessante. Com
a venda da imobiliária mais o
"follow one", teríamos caixa.
FOLHA - Em que momento começaram as dificuldades?
TOKUDA - No começo do ano,
quando os mercados se fecharam. Tanto é que boa parte de
nossa dívida é fruto de um empréstimo voltado para o "follow
one". Na medida em que não fizemos o "follow one", ficamos
com a dívida. Era um movimento fundamental para a
companhia. Nós não fizemos.
FOLHA - Por quê?
TOKUDA - Porque não houve
consenso entre os sócios.
FOLHA - O sr. se questiona se a Abyara foi agressiva demais?
TOKUDA - A agressividade foi
necessária na medida em que
fizemos um IPO com captação
muito baixa [R$ 123 milhões].
Os bancos de investimento nos
disseram que nós seríamos a
quarta companhia do setor a fazer IPO e que não haveria mais
espaço. Na seqüência, houve 20
empresas fazendo IPOs...
Além disso, nosso modelo estava muito voltado às parcerias.
Recebíamos de 10% a 30% dos
projetos em troca do trabalho
de inteligência mercadológica
que prestávamos. Na medida
em que as incorporadoras foram incentivadas a formar
"landbank", o preço dos terrenos, principalmente no eixo
Rio-SP, passou a patamares
proibitivos. Fomos buscar bons
negócios em outras praças. Encontramos mercados desassistidos. A agressividade foi necessária naquele momento. Saímos com um modelo híbrido de
imobiliária e incorporadora.
Esse modelo se mostrou viável
nos primeiros seis meses, depois do IPO dessas incorporadoras todas, não.
FOLHA - De que maneira os outros
IPOs afetaram a Abyara?
TOKUDA - Nós não conseguíamos mais a participação de até
30% nos empreendimentos,
porque o apetite por negócios
nessas incorporadoras cresceu
muito, e elas estavam adquirindo terrenos a preços proibitivos para alcançar um bom IPO.
As incorporadoras passaram
a dificultar a nossa participação
-não conseguíamos entrar em
alguns projetos, em outros não
acreditávamos por causa do insumo proibitivo, que geraria
preço final de venda muito perigoso. Boa parte desses projetos será lançada agora.
FOLHA - E o que vai acontecer?
TOKUDA - O preço será mais alto. Há o risco de os preços não
serem compatíveis com a realidade de renda dos clientes.
FOLHA - O setor imobiliário ficará
mais concentrado após a crise?
TOKUDA - No âmbito das empresas listadas, nós teremos
um processo de consolidação.
FOLHA - Em 2010 ou 2011, quantas
das 20 empresas hoje listadas existirão na Bolsa?
TOKUDA - Teremos um movimento razoável de consolidação. Talvez 10 ou 12 companhias [restem]; empresas cotadas abaixo do valor patrimonial
são candidatas à consolidação.
FOLHA - A Abyara está à venda?
TOKUDA - Todas as empresas
listadas do setor estão se conversando, buscando musculatura para fazer frente a esse cenário de interregno que é o ano
de 2009 e estarem preparadas
para esse ciclo virtuoso de crescimento a partir de 2010 e 2011.
Estamos abertos a conversas.
FOLHA - Incorporadoras maiores,
como Cyrela e Gafisa, são candidatas a ir às compras?
TOKUDA - Acho que as grandes
incorporadoras têm outras
preocupações hoje. Acredito
que esse movimento de consolidação deve seguir um modelo
que fuja do clássico. Talvez um
"player" com perfil financeiro
venha a formar uma plataforma reunindo várias incorporadoras, pequenas e médias.
FOLHA - Caiu a demanda por lançamentos?
TOKUDA - Neste momento, sim.
O mercado de lançamentos está muito receoso.
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