São Paulo, sábado, 02 de janeiro de 2010

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Crise molda o Estado interventor ideal

JUSTIN YIFU LIN
ESPECIAL PARA O PROJECT SYNDICATE

A economia mundial acaba de passar por uma severa recessão, caracterizada por tumulto financeiro, destruição de riqueza em larga escala e declínios na produção industrial e no comércio mundial. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, a deterioração dos mercados de trabalho em 2009 resultou em uma elevação da ordem de 39 milhões a 61 milhões de trabalhadores no número mundial de desempregados, com relação a 2007. No final de 2009, o total mundial de desempregados pode ter alcançado de 219 milhões a 241 milhões -o maior contingente já registrado.
Enquanto isso, o crescimento dos salários reais, que desacelerou dramaticamente em 2008, deve ter caído de maneira ainda mais dramática em 2009, a despeito dos sinais de uma possível recuperação econômica. Em uma amostra de 53 países para os quais existem dados disponíveis, o crescimento médio do salário real caiu de 4,3% em 2007 a 1,4% em 2008.
O Banco Mundial adverte que 89 milhões de pessoas podem ter caído ao nível de pobreza como resultado da crise, o que amplia o total de 1,4 bilhão de pessoas que, pelas estimativas de 2005, viviam com renda inferior ao limiar mundial da pobreza: US$ 1,25 ao dia. Em um clima como o atual, a globalização passou a sofrer pesadas críticas, muitas das quais vindas de líderes de países em desenvolvimento que poderiam se beneficiar muito dela.
O presidente Yoweri Museveni, que leva boa parte do crédito pela integração de Uganda aos mercados mundiais, disse que a globalização "é a mesma velha ordem com novos meios de controle, novos meios de opressão, novos meios de marginalização" adotados por países ricos que desejam acesso aos mercados de países pobres.
Mas a alternativa à integração mundial tem muito pouco de atraente. Na verdade, embora fechar uma economia possa isolá-la contra os choques, pode também resultar em estagnação e severas crises internas. Exemplos atuais podem ser encontrados em Mianmar e na Coreia do Norte; antes que liberalizassem suas economias, China, Vietnã e Índia estavam no mesmo barco.
Para garantir uma saída duradoura da crise e construir as fundações para um crescimento sustentado e de base ampla em um mundo globalizado, os países em desenvolvimento, tanto neste ano quanto no futuro, precisam extrair as lições históricas corretas.
Na crise atual, China, Índia e alguns outros países emergentes estão se saindo razoavelmente bem. São países que contavam com fortes balanços externos e espaço amplo para manobra fiscal antes da crise, o que permitiu que adotassem políticas contracíclicas para combater os choques externos.
Eles também fomentaram o desenvolvimento de setores nos quais podem oferecer vantagens comparativas, o que os ajudou a resistir à tormenta. De fato, as vantagens comparativas determinadas pela abundância relativa de mão de obra, recursos naturais e capital são a fundação da competitividade, que por sua vez embasa o crescimento dinâmico e posições fiscais e externas fortes.
Em contraste, se um país tenta agir de forma contrária à sua vantagem comparativa -por exemplo ao adotar uma estratégia de substituição de importações a fim de promover o desenvolvimento de indústrias que requerem investimento intensivo de capital ou de indústrias de alta tecnologia em uma economia na qual o capital é escasso-, o governo pode recorrer a subsídios causadores de distorções e a medidas protecionistas que restringem o desempenho econômico. Isso por sua vez debilita tanto a posição fiscal do governo quanto as contas externas. Sem a capacidade de tomar medidas contracíclicas oportunas, países como esses se saem mal quando surgem crises.
Para promover suas vantagens comparativas e prosperar em um mundo globalizado, um país precisa de um sistema de preços que reflita a abundância relativa de seus fatores positivos. As empresas que operam nesse contexto terão incentivo para ingressar em setores que possam empregar a abundância relativa de mão de obra disponível a fim de substituir um capital escasso em termos relativos, ou vice-versa, o que permite reduções de custos e ganhos de competitividade. Os exemplos incluem o desenvolvimento da indústria têxtil em Bangladesh, a terceirização de serviços de informática na Índia e a indústria leve na China.
Mas um sistema de preços relativos como esse só se torna viável em uma economia de mercado. É por isso que a China -que parece estar se saindo bem na crise e deve ter cumprido sua meta de 8% de crescimento em 2009- se tornou uma potência econômica apenas depois de adotar políticas de abertura de mercado, nos anos 80. De fato, todas as 13 economias cujo ritmo anual de crescimento superou os 7% por 25 anos ou mais são economias de mercado, de acordo com o relatório da Comissão sobre o Crescimento presidida por Michael Spence, economista premiado com o Nobel.

Resistência a crises
Buscar reforçar suas vantagens comparativas torna um país mais resistente a crises e permite a rápida acumulação de capital humano e físico. Os países em desenvolvimento que apresentem tais características são capazes de transformar suas vantagens primárias e sair da abundância de mão de obra ou recursos naturais em direção da abundância de capital no espaço de uma geração.
No competitivo mercado mundial contemporâneo, os países precisam atualizar e diversificar suas indústrias continuamente, de acordo com as mudanças em suas vantagens comparativas. O sucesso ou o fracasso de uma empresa pioneira quanto a atualizar ou diversificar suas atividades influenciará as atitudes de outras empresas quanto a seguir ou não seu exemplo. Incentivos do governo a essas pioneiras podem acelerar o processo.
O progresso industrial também requer coordenação de investimentos relacionados entre empresas. No Equador, hoje um exportador bem-sucedido de flores, os agricultores não cultivavam flores em décadas passadas porque não havia instalações modernas de refrigeração perto do aeroporto. E as empresas privadas não investiam na construção desse tipo de instalação por não haver flores a exportar.
Em situações do tipo "o ovo ou a galinha", como essa, na qual o mercado não basta para superar fatores externos e investimentos essenciais passam irrealizados, o governo pode desempenhar um papel vital de facilitação. Esse pode ser um dos motivos para que o relatório da Comissão sobre o Crescimento tenha apontado que as economias de sucesso sempre têm governos dedicados, confiáveis e capazes. O mundo já avançou tanto no caminho da integração que recuar deixou de ser uma opção viável.


JUSTIN YIFU LIN é economista-chefe e vice-presidente de economia para o desenvolvimento do Banco Mundial.
Tradução de PAULO MIGLIACCI


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