São Paulo, segunda-feira, 02 de fevereiro de 2004

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Grupo de empresários reclama do governo por não debater proposta

DO ENVIADO ESPECIAL A PUEBLA

A Coalizão Empresarial, o grupo dos diferentes setores empresariais que acompanha as negociações da Alca, chegou a Puebla reclamando do governo brasileiro por não ter negociado com ela a proposta apresentada primeiro ao Mercosul (e encampada por este) e agora aos demais 30 participantes da Área de Livre Comércio das Américas.
"Fomos comunicados, mas não participamos", reclama Antonio Donizeti Beraldo, da CNA (Confederação Nacional da Agricultura).
"O processo nunca foi tão fechado", reforça Pedro de Camargo Netto, com a vantagem de quem tem longa experiência em negociações agrícolas internacionais e já passou pelo governo (na gestão de Pratini de Moraes como ministro da Agricultura, durante a administração do presidente Fernando Henrique Cardoso), para voltar agora às negociações pelo setor privado.
É verdade que a queixa reflete uma divisão básica no empresariado: o setor agrícola e do agronegócio é agressivamente pró-abertura, porque o Brasil não protege esse setor que, não obstante, é muito competitivo internacionalmente. Quanto mais o mundo derrubar o protecionismo agrícola, melhor para o agronegócio brasileiro.
Mas em amplos setores da indústria, há uma tendência a defender o protecionismo, sob a alegação de que as condições de concorrência para o industrial brasileiro são perversas, pelos juros altos, escassez de crédito, problemas de infra-estrutura etc.

Defesa do modelo
É sintomático, por exemplo, que Ruy de Salles Cunha, secretário-geral da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica), defenda o modelo "Alca light" que o governo conseguiu fazer valer. Em tese o setor eletroeletrônico estará entre os "sensíveis", para o qual a queda das tarifas de importação se dará em mais de 10 anos, a partir da assinatura do acordo da Alca.
Mas é igualmente sintomático que Paulo Venturelli (do Ministério da Agricultura) critique as posições que o governo de que faz parte está apresentando.
Venturelli acha que ao defender uma abertura lenta para os "sensíveis", o Brasil está convidando os seus parceiros das Américas a incluir produtos agrícolas de interesse do Brasil na lista de seus próprios "sensíveis".
Venturelli vai mais longe: defende que o governo abra o setor de compras governamentais, de olho no gigantesco mercado norte-americano de concorrências públicas.
Só em 2001, foram US$ 224 bilhões, sem contar a área de defesa. No Brasil, as concorrências, se excluídas as estatais, não passam de algo em torno de US$ 7 bilhões e US$ 8 bilhões por ano.
Mas Antônio Simões, do Itamaraty, devolve: na área das compras de menor valor, os americanos defendem seus produtores por meio do "Buy American Act" (compre produtos americanos), ao passo que, nas grandes compras, o Brasil não têm empresas em condições de de fato competir.
Seja qual for a tese correta, o fato é que Pedro de Camargo Netto afirma que o governo tem "um mérito inegável: uma política definida e o empenho em levá-la adiante".
Mas o elogio é temperado por uma dúvida: essa política (alusão à prioridade para o Mercosul e para relações Sul/Sul, com Índia e África do Sul, por exemplo) tem consistência econômica? Ele próprio admite não saber responder, mas teme que nem no Mercosul nem na América do Sul a prioridade gere comércio, "que, enfim, é o objetivo de qualquer acordo comercial".
Onde, sim, haveria geração de comércio seria na Alca, porque nela estão os Estados Unidos.
Mas o empresariado parece compartilhar a visão de Washington de que o Itamaraty é refratário a um acordo que envolva a única superpotência remanescente no planeta. (CR)


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