São Paulo, segunda-feira, 02 de fevereiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Problema de liquidez acabou, diz Meirelles

Para presidente do BC, mesmo os bancos menores não enfrentam mais dificuldade de falta de dinheiro no mercado

Segundo presidente do BC, desalavancagem de bancos globais prejudica mercado emergente por priorizarem o crédito em seus países

Mauricio Lima - 20.out.08/France Presse
O presidente do BC, Henrique Meirelles, que acredita que a discussão relevante diz respeito ao processo de desalavancagem das instituições internacionais

MARIA CRISTINA FRIAS
ENVIADA ESPECIAL A DAVOS

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, disse, em entrevista à Folha antes de deixar Davos, que "o problema de liquidez está normalizado no Brasil". Para Meirelles, mesmo os bancos pequenos não enfrentam mais esse tipo de dificuldade no país, apesar de seu futuro como negócio estar ameaçado. "Esse mundo de grande expansão [de bancos pequenos] ficou para trás."
Meirelles afirmou que a concentração bancária é um tema que preocupa a comunidade internacional, mas sustentou que o debate mais urgente diz respeito à desalavancagem, movimento que empurra os bancos de presença global a reduzirem os empréstimos fora de seu país de origem para priorizar o próprio mercado.
"Afeta todos os emergentes."
Com relação ao "spread", diferença entre a taxa de captação e a repassada ao consumidor, Meirelles disse que diversas iniciativas estão sendo tomadas para reduzi-lo. "Vamos melhorar mais ainda a divulgação [das taxas dos bancos], caminhando para divulgar o próprio "spread" [de cada banco]". O presidente do BC havia pedido para que a entrevista se limitasse a um balanço das grandes discussões que teve em Davos, mas acabou comentando sobre a situação do Brasil. "O crescimento vai ser melhor que a média mundial, mas menor que no ano passado."

 

FOLHA - O que foi discutido sobre concentração bancária, que se acentua no mundo? O que pode ser feito para fomentar bancos menores?
HENRIQUE MEIRELLES
- É uma discussão muito preliminar. Os bancos de comunidade e de varejo que tenham bases de depósitos estáveis certamente continuarão a ter um lugar assegurado. É muito diferente a situação do Brasil, em que bancos -grandes e pequenos- não têm problema. Uma tendência que existiu nos últimos cinco anos -de os grandes bancos americanos deixarem as operações internacionais e se concentrarem no mercado doméstico, na suposição de que teriam mais segurança- revelou ter vulnerabilidades. Alguns bancos de presença global passaram a ter vantagem comparativa por não estarem sujeitos a um mercado só.
Existe, por outro lado, um movimento contrário, uma pressão para que os bancos diminuam de tamanho, de desalavancagem. Ao mesmo tempo, há uma pressão dos governos para que os bancos não parem de emprestar.
A maneira de o banco resolver só tem uma saída: diminuir os empréstimos internacionais para não parar de emprestar no país de origem, o que afeta todos os emergentes.

FOLHA - Que tipo de estímulo pode ser dado para que bancos grandes emprestem para bancos menores?
MEIRELLES
- Depende de cada país. O Canadá é muito mais concentrado que os EUA; o Reino Unido é muito concentrado. A Alemanha tem mais bancos regionais e do governo; é menos concentrada.

FOLHA - O Brasil está sentindo esse problema...
MEIRELLES
- O Brasil tem mais problema de futuro [do negócio] para bancos médios e pequenos. Não há mais problema de liquidez, o processo de liquidez está normalizado.

FOLHA - Normalizado?
MEIRELLES
- A questão da liquidez está, na maior parte, normalizada.

FOLHA - O senhor considera normalizado em relação a que período?
MEIRELLES
- Em relação ao que se viveu em final de setembro e outubro, quando houve um problema importante de liquidez. Normalizado, usando a liberação do compulsório, de R$ 33 bilhões, para empréstimos a bancos menores.

FOLHA - Ainda há queixas de que os grandes bancos não emprestam tanto para os menores...
MEIRELLES
- Existem as linhas dos compulsórios, que estão sendo emprestadas para os menores. Então, o que se discute é o crescimento futuro.

FOLHA - A tendência é a concentração...
MEIRELLES
- Acho prematuro saber porque estamos vivendo um momento de transição.
Precisamos saber até que ponto vai existir uma normalização dos mercados. Esse mundo de grande expansão [de bancos pequenos] ficou para trás.

FOLHA - Qual a sinalização que falta ao mercado?
MEIRELLES
- Os preços dos papéis de crédito deverão ser estabilizados. Existem esses programas americanos visando a estabilizar os preços desses papéis, os "commercial papers" [notas promissórias] principalmente. No final do processo, ficará definido o nível de perda dos bancos. Aí ficará definido o volume de capitalização necessário para restaurar a capacidade de operação plena dos bancos americanos. O que se discute é como o governo pode absorver esses créditos problemáticos. Certamente passa por perda grande ou total dos acionistas do banco.

FOLHA - Algum grupo de países poderá sair antes da crise ou será uma recuperação sincronizada, tão logo a liquidez se normalize?
MEIRELLES
- Difícil prever. Hoje, a maioria dos analistas considera que países que não têm problemas domésticos e que não são excessivamente dependentes de exportações vão sair da crise primeiro. No Brasil, a porcentagem das exportações em relação ao produto [PIB] é relativamente pequena. Quando o Brasil entrou na crise, o crescimento estava fortemente impulsionado pela demanda doméstica -diferentemente de Cingapura, que está sincronizada com a economia mundial. Por isso, espera-se que países como o Brasil e Índia tendam a sair primeiro.

FOLHA - A crise pode se prolongar como no Japão, onde se injetou muito dinheiro antes da retomada?
MEIRELLES
- Pode. A questão é como alocar os recursos. Possivelmente, o problema do Japão foi que não se endereçou diretamente a questão do sistema financeiro. Bancos continuaram mais ou menos como estavam, absorvendo perdas devagar durante um longo período. Por isso, se fala em restruturação mais rápida dos bancos nos EUA, reconhecendo mais rapidamente as perdas.

FOLHA - Discutiu-se o fato de bancos e empresas estarem sugando recursos de filiais em outros países?
MEIRELLES
- Os "hedge funds" são, em primeiro lugar, os que estão repatriando capitais maciçamente. Em segundo lugar, em volume, são fundos de investimentos, depois empresas, que remeteram lucros retidos de forma importante. No ano passado, foi muito alto; neste ano, deve ser menor porque os lucros já foram [repatriados].
Nos bancos, a maior repatriação não se deu na remessa das filiais; o grande volume veio da não-rolagem das empresas. A pressão dos governos fez com que cortassem as linhas de crédito internacional. Assim, venceu empréstimo, o banco não renovou, e a empresa teve de pagar. Por isso, o BC lançou leilões de linhas externas para exportação e anunciou que vai fazer aplicação em bancos que façam empréstimos para companhias brasileiras. A discussão mais importante é que países como o Brasil podem enfrentar esse problema porque têm reservas. A maior parte não tem.

FOLHA - A receita de gastar mais também vale para os emergentes, como sugeriu um palestrante?
MEIRELLES
- Estamos provendo o crédito primeiro para o setor exportador, com as reservas.
Há queda de mercado e uma queda de financiamento. Depois, o problema do financiamento externo, que estamos resolvendo com o programa que estamos lançando [linhas para empresas com dívida externa]. Os problemas de liquidez doméstica [são enfrentados], com a liberação dos compulsórios; problemas específicos de automóveis e outros bens, com a redução do IPI e, agora, o programa dos recursos colocados para o BNDES. Outros programas, como o Bolsa Família, fazem parte do programa de preservação do consumo. A China tem queda dramática das exportações, um percentual muito maior do produto [PIB]. Tem de fazer políticas compensatórias de produção da demanda doméstica muito mais agressivas. Não tem problema de linha de crédito internacional -que eles praticamente não têm-, mas tem problema da demanda doméstica, que é pequena para o tamanho da economia.

FOLHA - Exportadores aqui em Davos reclamaram do problema do crédito. O que é pensado?
MEIRELLES
- Estamos atendendo toda a demanda dos bancos. Não há demanda não atendida, do ponto de vista de o BC colocar recursos à disposição dos bancos. Com relação ao "spread" bancário, diversas iniciativas estão sendo tomadas, desde a liberação de novos recursos para o BNDES -não que ele compita diretamente com bancos comerciais-, mas, ao colocar mais recursos à disposição das empresas, elas demandam menos recursos dos bancos comerciais. [Também há] As linhas externas para as 4.000 empresas com dívida no exterior, o que é importante, porque elas pressionam o mercado doméstico, à medida que substituem empréstimo externo pelo interno, que é uma fonte importante de pressão sobre os "spreads". Temos a determinação do presidente Lula de que bancos públicos liderem a diminuição dos "spreads", para competitivamente conduzir esse processo, e um processo de mais transparência. Hoje, o BC divulga no seu site as taxas de juros banco a banco para diversos produtos. Vamos melhorar mais ainda essa divulgação, caminhando para divulgar o próprio "spread" [de cada banco].
É proporcional? Pela taxa de juros, já dá para ver qual o "spread".

FOLHA - Quando exatamente?
MEIRELLES
- É um processo de aperfeiçoamento contínuo, e vamos começar a chamar mais a atenção da imprensa e da população para o site [que compara taxas], para que façam uma fiscalização mais direta.


Texto Anterior: Mercado Aberto
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.