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Problema de liquidez acabou, diz Meirelles
Para presidente do BC, mesmo os bancos menores não enfrentam mais dificuldade de falta de dinheiro no mercado
Segundo presidente do BC, desalavancagem de bancos globais prejudica mercado emergente por priorizarem o crédito em seus países
Mauricio Lima - 20.out.08/France Presse
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O presidente do BC, Henrique Meirelles, que acredita que a discussão relevante diz respeito ao processo de desalavancagem das instituições internacionais
MARIA CRISTINA FRIAS
ENVIADA ESPECIAL A DAVOS
O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, disse,
em entrevista à Folha antes de
deixar Davos, que "o problema
de liquidez está normalizado
no Brasil". Para Meirelles, mesmo os bancos pequenos não
enfrentam mais esse tipo de dificuldade no país, apesar de seu
futuro como negócio estar
ameaçado. "Esse mundo de
grande expansão [de bancos
pequenos] ficou para trás."
Meirelles afirmou que a concentração bancária é um tema
que preocupa a comunidade
internacional, mas sustentou
que o debate mais urgente diz
respeito à desalavancagem,
movimento que empurra os
bancos de presença global a reduzirem os empréstimos fora
de seu país de origem para
priorizar o próprio mercado.
"Afeta todos os emergentes."
Com relação ao "spread", diferença entre a taxa de captação e a repassada ao consumidor, Meirelles disse que diversas iniciativas estão sendo tomadas para reduzi-lo. "Vamos
melhorar mais ainda a divulgação [das taxas dos bancos], caminhando para divulgar o próprio "spread" [de cada banco]".
O presidente do BC havia pedido para que a entrevista se limitasse a um balanço das grandes discussões que teve em Davos, mas acabou comentando
sobre a situação do Brasil. "O
crescimento vai ser melhor que
a média mundial, mas menor
que no ano passado."
FOLHA - O que foi discutido sobre
concentração bancária, que se acentua no mundo? O que pode ser feito
para fomentar bancos menores?
HENRIQUE MEIRELLES - É uma discussão muito preliminar. Os
bancos de comunidade e de varejo que tenham bases de depósitos estáveis certamente continuarão a ter um lugar assegurado. É muito diferente a situação do Brasil, em que bancos
-grandes e pequenos- não
têm problema. Uma tendência
que existiu nos últimos cinco
anos -de os grandes bancos
americanos deixarem as operações internacionais e se concentrarem no mercado doméstico, na suposição de que teriam mais segurança- revelou
ter vulnerabilidades. Alguns
bancos de presença global passaram a ter vantagem comparativa por não estarem sujeitos
a um mercado só.
Existe, por outro lado, um
movimento contrário, uma
pressão para que os bancos diminuam de tamanho, de desalavancagem. Ao mesmo tempo,
há uma pressão dos governos
para que os bancos não parem
de emprestar.
A maneira de o banco resolver só tem uma saída: diminuir
os empréstimos internacionais
para não parar de emprestar no
país de origem, o que afeta todos os emergentes.
FOLHA - Que tipo de estímulo pode
ser dado para que bancos grandes
emprestem para bancos menores?
MEIRELLES - Depende de cada
país. O Canadá é muito mais
concentrado que os EUA; o
Reino Unido é muito concentrado. A Alemanha tem mais
bancos regionais e do governo;
é menos concentrada.
FOLHA - O Brasil está sentindo esse
problema...
MEIRELLES - O Brasil tem mais
problema de futuro [do negócio] para bancos médios e pequenos. Não há mais problema
de liquidez, o processo de liquidez está normalizado.
FOLHA - Normalizado?
MEIRELLES - A questão da liquidez está, na maior parte, normalizada.
FOLHA - O senhor considera normalizado em relação a que período?
MEIRELLES - Em relação ao que
se viveu em final de setembro e
outubro, quando houve um
problema importante de liquidez. Normalizado, usando a liberação do compulsório, de
R$ 33 bilhões, para empréstimos a bancos menores.
FOLHA - Ainda há queixas de que
os grandes bancos não emprestam
tanto para os menores...
MEIRELLES - Existem as linhas
dos compulsórios, que estão
sendo emprestadas para os menores. Então, o que se discute é
o crescimento futuro.
FOLHA - A tendência é a concentração...
MEIRELLES - Acho prematuro
saber porque estamos vivendo
um momento de transição.
Precisamos saber até que ponto vai existir uma normalização
dos mercados. Esse mundo de
grande expansão [de bancos
pequenos] ficou para trás.
FOLHA - Qual a sinalização que falta ao mercado?
MEIRELLES - Os preços dos papéis de crédito deverão ser estabilizados. Existem esses programas americanos visando a
estabilizar os preços desses papéis, os "commercial papers"
[notas promissórias] principalmente. No final do processo, ficará definido o nível de perda
dos bancos. Aí ficará definido o
volume de capitalização necessário para restaurar a capacidade de operação plena dos bancos americanos. O que se discute é como o governo pode absorver esses créditos problemáticos. Certamente passa por
perda grande ou total dos acionistas do banco.
FOLHA - Algum grupo de países
poderá sair antes da crise ou será
uma recuperação sincronizada, tão
logo a liquidez se normalize?
MEIRELLES - Difícil prever. Hoje,
a maioria dos analistas considera que países que não têm
problemas domésticos e que
não são excessivamente dependentes de exportações vão
sair da crise primeiro. No Brasil, a porcentagem das exportações em relação ao produto
[PIB] é relativamente pequena.
Quando o Brasil entrou na crise, o crescimento estava fortemente impulsionado pela demanda doméstica -diferentemente de Cingapura, que está
sincronizada com a economia
mundial. Por isso, espera-se
que países como o Brasil e Índia tendam a sair primeiro.
FOLHA - A crise pode se prolongar
como no Japão, onde se injetou muito dinheiro antes da retomada?
MEIRELLES - Pode. A questão é
como alocar os recursos. Possivelmente, o problema do Japão
foi que não se endereçou diretamente a questão do sistema
financeiro. Bancos continuaram mais ou menos como estavam, absorvendo perdas devagar durante um longo período.
Por isso, se fala em restruturação mais rápida dos bancos nos
EUA, reconhecendo mais rapidamente as perdas.
FOLHA - Discutiu-se o fato de bancos e empresas estarem sugando recursos de filiais em outros países?
MEIRELLES - Os "hedge funds"
são, em primeiro lugar, os que
estão repatriando capitais maciçamente. Em segundo lugar,
em volume, são fundos de investimentos, depois empresas,
que remeteram lucros retidos
de forma importante. No ano
passado, foi muito alto; neste
ano, deve ser menor porque os
lucros já foram [repatriados].
Nos bancos, a maior repatriação não se deu na remessa das
filiais; o grande volume veio da
não-rolagem das empresas. A
pressão dos governos fez com
que cortassem as linhas de crédito internacional. Assim, venceu empréstimo, o banco não
renovou, e a empresa teve de
pagar. Por isso, o BC lançou leilões de linhas externas para exportação e anunciou que vai fazer aplicação em bancos que façam empréstimos para companhias brasileiras. A discussão
mais importante é que países
como o Brasil podem enfrentar
esse problema porque têm reservas. A maior parte não tem.
FOLHA - A receita de gastar mais
também vale para os emergentes,
como sugeriu um palestrante?
MEIRELLES - Estamos provendo
o crédito primeiro para o setor
exportador, com as reservas.
Há queda de mercado e uma
queda de financiamento. Depois, o problema do financiamento externo, que estamos
resolvendo com o programa
que estamos lançando [linhas
para empresas com dívida externa]. Os problemas de liquidez doméstica [são enfrentados], com a liberação dos compulsórios; problemas específicos de automóveis e outros
bens, com a redução do IPI e,
agora, o programa dos recursos
colocados para o BNDES. Outros programas, como o Bolsa
Família, fazem parte do programa de preservação do consumo. A China tem queda dramática das exportações, um percentual muito maior do produto [PIB]. Tem de fazer políticas
compensatórias de produção
da demanda doméstica muito
mais agressivas. Não tem problema de linha de crédito internacional -que eles praticamente não têm-, mas tem problema da demanda doméstica,
que é pequena para o tamanho
da economia.
FOLHA - Exportadores aqui em Davos reclamaram do problema do
crédito. O que é pensado?
MEIRELLES - Estamos atendendo toda a demanda dos bancos.
Não há demanda não atendida,
do ponto de vista de o BC colocar recursos à disposição dos
bancos. Com relação ao
"spread" bancário, diversas iniciativas estão sendo tomadas,
desde a liberação de novos recursos para o BNDES -não que
ele compita diretamente com
bancos comerciais-, mas, ao
colocar mais recursos à disposição das empresas, elas demandam menos recursos dos
bancos comerciais. [Também
há] As linhas externas para as
4.000 empresas com dívida no
exterior, o que é importante,
porque elas pressionam o mercado doméstico, à medida que
substituem empréstimo externo pelo interno, que é uma fonte importante de pressão sobre
os "spreads". Temos a determinação do presidente Lula de
que bancos públicos liderem a
diminuição dos "spreads", para
competitivamente conduzir esse processo, e um processo de
mais transparência. Hoje, o BC
divulga no seu site as taxas de
juros banco a banco para diversos produtos. Vamos melhorar
mais ainda essa divulgação, caminhando para divulgar o próprio "spread" [de cada banco].
É proporcional? Pela taxa de
juros, já dá para ver qual o
"spread".
FOLHA - Quando exatamente?
MEIRELLES - É um processo de
aperfeiçoamento contínuo, e
vamos começar a chamar mais
a atenção da imprensa e da população para o site [que compara taxas], para que façam uma
fiscalização mais direta.
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