|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crise traz Estado de volta ao centro do debate em Davos
Elite empresarial, acadêmica e governamental cobra iniciativa dos governos
Reino Unido calcula que todos os planos de socorro de países somem US$ 7 tri; mais US$ 500 bilhões serão necessários, estima FMI
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS
Se houvesse uma plaquinha
"Estado: procura-se" à porta do
Centro de Congressos de Davos, o local onde, em todos os
janeiros, se reúne a elite empresarial, acadêmica e governamental do planeta, a ministra
francesa da Economia, Christine Lagarde, não se surpreenderia. "O que me chocou foi a demanda neste ano por membros
do governo, para que tomem
iniciativas", diz ela ao fazer um
balanço do encontro-2009 do
Fórum Econômico Mundial,
ontem encerrado.
Acrescenta a ministra: "Os
governos passaram a ser o recurso de último recurso".
Lagarde não foi a única a notar a demanda por membros de
governo. O próprio fundador
do Fórum Econômico, Klaus
Schwab, já havia notado a tendência antes mesmo da abertura do encontro.
"O pêndulo se moveu e o poder voltou aos governos", observou.
Mas é preciso qualificar um
pouco a demanda por governo e
o poder que eles têm. A demanda não é para que o Estado
substitua o mercado, mas para
que o supervisione adequadamente. Mas, enquanto não o
faz, a demanda é por dinheiro
para salvar o mercado, especialmente o mercado financeiro, cuja situação foi descrita em
Davos em termos clínicos graves. Sofreu uma "trombose",
diz Christine Lagarde. "Colapso", prefere George Soros.
O megainvestidor, aliás, é o
primeiro a gritar ao Estado:
"Imprima dinheiro" [para socorrer o mercado], quando, não
faz muito, governos que imprimiam dinheiro sem controle
eram condenados à danação
eterna e apontados, no mínimo, como "populistas", um palavrão no léxico das elites.
O Estado obedeceu ao comando do mercado. Pelas contas de Gordon Brown, premiê
britânico, todos os pacotes de
todos os países de socorro a
bancos e de estímulos à atividade econômica em forte contração já bateram em US$ 7 trilhões, mais ou menos seis "Brasis" (tudo o que o Brasil produziu no ano passado em bens e
serviços, o seu PIB -Produto
Interno Bruto).
Mais meio trilhão
Basta? Não, diz o Fundo Monetário Internacional, em relatório divulgado na semana passada: ainda serão necessários
US$ 500 bilhões adicionais.
Que o comando ainda é do
mercado para que os governos
repassem dinheiro fica claro no
desabafo de Kofi Annan, o ex-secretário-geral da ONU, que
continua envolvido em campanhas humanitárias especialmente em favor da África, seu
continente de origem:
"Os governos acharam trilhões [para os bancos], mas
quando pedimos dinheiro em
pequena escala é muito difícil
conseguir".
De todo modo, Davos consolidou a expectativa de que os
governos encontrem na cúpula
de abril do G20 o segundo pilar
para o qual são demandados, a
regulação/supervisão do sistema financeiro, que é o coração
do problema, embora já tenha
contaminado também a economia real.
Mas, de novo, não se trata de
o Estado assumir o controle, o
que, de resto, já está descartado
pelo comunicado oficial da cúpula anterior do G20, em novembro em Washington:
"Nosso trabalho será guiado
por uma crença compartilhada
de que princípios de mercado,
de comércio e regimes de investimento abertos, e mercados financeiros eficazmente regulados, estimulam o dinamismo, a inovação e o empreendedorismo que são essenciais para o crescimento econômico, o
emprego e a redução da pobreza", diz o texto assinado pelos
líderes das 22 maiores economias do planeta, inclusive por
Luiz Inácio Lula da Silva.
Do que se trata é tentar domar uma globalização que até
agora é muito mais financeira,
o que terminou sendo a fonte
do contágio que provocou a
única retração sincronizada na
história do planeta.
Gordon Brown lembrou, na
sua fala em Davos, que 50% dos
ativos tóxicos emitidos nos Estados Unidos foram comprados
por instituições europeias, razão pela qual a crise, que parecia norte-americana, atravessou o oceano.
Reclama por sua vez Mark
Carney, presidente do Banco
Central do Canadá: "Nossos
bancos, como os dos Brasil, são
sólidos, mas nosso comércio
depende 50% dos Estados Unidos. Como poderíamos escapar
da crise?"
Agora a crise começa a ganhar a rua, na forma de protestos em vários países, e "põe
pressão sobre todos nós", os governantes, como admite Christine Lagarde.
A missão urgente dos governantes é, pois, pôr fim "ao odioso círculo vicioso em que estamos para atender não apenas
os negócios, mas as pessoas",
completa a ministra francesa.
Texto Anterior: Indústria vê agravamento da crise em SP Próximo Texto: Fórum defende "faxina" em bancos afetados pela crise Índice
|