São Paulo, segunda-feira, 02 de fevereiro de 2009

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Crise traz Estado de volta ao centro do debate em Davos

Elite empresarial, acadêmica e governamental cobra iniciativa dos governos

Reino Unido calcula que todos os planos de socorro de países somem US$ 7 tri; mais US$ 500 bilhões serão necessários, estima FMI

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

Se houvesse uma plaquinha "Estado: procura-se" à porta do Centro de Congressos de Davos, o local onde, em todos os janeiros, se reúne a elite empresarial, acadêmica e governamental do planeta, a ministra francesa da Economia, Christine Lagarde, não se surpreenderia. "O que me chocou foi a demanda neste ano por membros do governo, para que tomem iniciativas", diz ela ao fazer um balanço do encontro-2009 do Fórum Econômico Mundial, ontem encerrado.
Acrescenta a ministra: "Os governos passaram a ser o recurso de último recurso".
Lagarde não foi a única a notar a demanda por membros de governo. O próprio fundador do Fórum Econômico, Klaus Schwab, já havia notado a tendência antes mesmo da abertura do encontro.
"O pêndulo se moveu e o poder voltou aos governos", observou.
Mas é preciso qualificar um pouco a demanda por governo e o poder que eles têm. A demanda não é para que o Estado substitua o mercado, mas para que o supervisione adequadamente. Mas, enquanto não o faz, a demanda é por dinheiro para salvar o mercado, especialmente o mercado financeiro, cuja situação foi descrita em Davos em termos clínicos graves. Sofreu uma "trombose", diz Christine Lagarde. "Colapso", prefere George Soros.
O megainvestidor, aliás, é o primeiro a gritar ao Estado: "Imprima dinheiro" [para socorrer o mercado], quando, não faz muito, governos que imprimiam dinheiro sem controle eram condenados à danação eterna e apontados, no mínimo, como "populistas", um palavrão no léxico das elites.
O Estado obedeceu ao comando do mercado. Pelas contas de Gordon Brown, premiê britânico, todos os pacotes de todos os países de socorro a bancos e de estímulos à atividade econômica em forte contração já bateram em US$ 7 trilhões, mais ou menos seis "Brasis" (tudo o que o Brasil produziu no ano passado em bens e serviços, o seu PIB -Produto Interno Bruto).

Mais meio trilhão
Basta? Não, diz o Fundo Monetário Internacional, em relatório divulgado na semana passada: ainda serão necessários US$ 500 bilhões adicionais.
Que o comando ainda é do mercado para que os governos repassem dinheiro fica claro no desabafo de Kofi Annan, o ex-secretário-geral da ONU, que continua envolvido em campanhas humanitárias especialmente em favor da África, seu continente de origem:
"Os governos acharam trilhões [para os bancos], mas quando pedimos dinheiro em pequena escala é muito difícil conseguir".
De todo modo, Davos consolidou a expectativa de que os governos encontrem na cúpula de abril do G20 o segundo pilar para o qual são demandados, a regulação/supervisão do sistema financeiro, que é o coração do problema, embora já tenha contaminado também a economia real.
Mas, de novo, não se trata de o Estado assumir o controle, o que, de resto, já está descartado pelo comunicado oficial da cúpula anterior do G20, em novembro em Washington:
"Nosso trabalho será guiado por uma crença compartilhada de que princípios de mercado, de comércio e regimes de investimento abertos, e mercados financeiros eficazmente regulados, estimulam o dinamismo, a inovação e o empreendedorismo que são essenciais para o crescimento econômico, o emprego e a redução da pobreza", diz o texto assinado pelos líderes das 22 maiores economias do planeta, inclusive por Luiz Inácio Lula da Silva.
Do que se trata é tentar domar uma globalização que até agora é muito mais financeira, o que terminou sendo a fonte do contágio que provocou a única retração sincronizada na história do planeta.
Gordon Brown lembrou, na sua fala em Davos, que 50% dos ativos tóxicos emitidos nos Estados Unidos foram comprados por instituições europeias, razão pela qual a crise, que parecia norte-americana, atravessou o oceano.
Reclama por sua vez Mark Carney, presidente do Banco Central do Canadá: "Nossos bancos, como os dos Brasil, são sólidos, mas nosso comércio depende 50% dos Estados Unidos. Como poderíamos escapar da crise?"
Agora a crise começa a ganhar a rua, na forma de protestos em vários países, e "põe pressão sobre todos nós", os governantes, como admite Christine Lagarde.
A missão urgente dos governantes é, pois, pôr fim "ao odioso círculo vicioso em que estamos para atender não apenas os negócios, mas as pessoas", completa a ministra francesa.


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