São Paulo, domingo, 02 de abril de 2006

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TROCA DE COMANDO

Declarações do novo ministro da Fazenda foram mal recebidas por analistas do mercado financeiro

Mantega é criticado por fala sobre Previdência


JONATHAN WHEATLEY
DO "FINANCIAL TIMES", EM SÃO PAULO

As declarações do novo ministro da Fazenda, Guido Mantega, dando conta de que não acha necessária uma nova reforma na Previdência, foram mal recebidas pelos analistas de mercado, que as encaram como um alerta para um desajustamento das contas públicas -o que o ministro refuta.
Um dos principais problemas das contas públicas brasileiras, o bilionário déficit da Previdência, foi parcialmente atacado com reformas levadas a cabo pelos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.
Mas novas reformas, a fim de diminuir as despesas previdenciárias, são sempre pedidas. Mantega, em entrevista concedida ao jornal britânico "Financial Times" e publicada ontem pela Folha, afirmou, no entanto, que não vê como premente a necessidade de mudanças no sistema, mas sim em sua gestão. "Não acredito que precisemos de mais reformas da Previdência. O que precisamos é de melhor administração."
A imposição de um custo adicional de cerca de R$ 5 bilhões por ano ao sistema já subfinanciado devido ao aumento do salário mínimo concedido no ano passado pode ser parcialmente contrabalançada por ganhos em eficiência e uma ação mais dura contra as fraudes, disse Mantega.
As declarações do ministro sugerem desvio da trajetória fiscal rígida determinada por seu antecessor e preocuparam os investidores internacionais, que vêm exortando o Brasil a lançar reformas estruturais para poder alcançar crescimento mais rápido.
"É uma admissão extraordinária", disse Christian Stracke, analista de mercados emergentes da empresa de pesquisas Credit Sights, de Nova York. "Uma próxima rodada de reformas do sistema previdenciário tinha sido uma das promessas certeiras dadas pela equipe econômica que deixou o governo. A premissa de todos os que têm vínculos com mercados financeiros era que uma nova reforma estrutural era prioridade."

Escândalo
Mantega assumiu o lugar de Antonio Palocci Filho quando ele foi obrigado a deixar o cargo, depois de ter seu nome vinculado a um escândalo de corrupção que atinge o governo desde junho do ano passado. Os "falcões" fiscais da equipe de Palocci, como o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, e o secretário-executivo, Murilo Portugal, decidiram partir com o ex-ministro.
Os mercados financeiros brasileiros reagiram negativamente quando Mantega, crítico declarado dos juros altos adotados pelo Banco Central e dos superávits orçamentários primários (antes de descontados os pagamentos da dívida), superiores às metas, foi nomeado para tomar o lugar de Palocci, na segunda-feira.
As ações, os títulos e a moeda tiveram queda acentuada, mas se recuperaram mais tarde no decorrer da semana, ajudados em parte pelo rápido anúncio feito por Mantega da indicação de dois sucessores de Levy e Portugal, ambos favoráveis ao mercado.
Joaquim Levy defendia a necessidade da reforma fiscal e expressara preocupação diante de uma iniciativa recente no Senado para reverter parte da legislação aprovada pelo governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso.
"A reforma fiscal é seriamente necessária", disse Nuno Câmara, economista latino-americano sênior da Dresdner Kleinwort Wasserstein, em Nova York.
"Não há como adiá-la por mais tempo. O déficit da Previdência é um problema subjacente grave, e Levy fez um excelente trabalho no sentido de deixar isso claro para todos", afirmou o economista.
Câmara previu que os mercados vão exercer forte pressão sobre o vencedor da eleição presidencial brasileira, em outubro. "Os mercados vão reagir com força se o próximo governo chegar ao poder e não disser nada sobre reforma fiscal", disse ele. "Isso se refletirá num custo mais alto dos empréstimos contraídos por empresas brasileiras."
Para a Câmara, investidores que podem ter começado a enxergar as perspectivas econômicas com complacência de repente começaram a prestar atenção mais cuidadosa às contas fiscais.
A visão de Mantega contraria a dos "falcões" que deixaram o Ministério da Fazenda ao lado do ex-ministro Palocci, que concordam com os críticos que pedem cortes impopulares nas aposentadorias e na Previdência Social, para fornecer o capital de investimentos necessário para impulsionar o crescimento.
Mas Mantega excluiu qualquer mudança em relação às políticas "eficientes e bem-sucedidas" executadas por Palocci e disse que o Brasil se encontra em "uma situação estruturalmente nova, que está consolidada e é permanente", permitindo um crescimento de entre 4% e 4,5% neste ano.


Tradução de Clara Allain


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