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OPINIÃO ECONÔMICA
Com teto alto, a casa cai
HÉLIO ZYLBERSTAJN
Um dos itens da reforma da
Previdência que o governo
enviou ao Congresso Nacional estabelece um teto único para a aposentadoria. Esse teto, de R$ 2.400,
equivale a dez salários mínimos e
valerá tanto para os que se aposentarem pelo INSS quanto para
os funcionários públicos. Hoje, o
tratamento é diferenciado: para
os contribuintes do INSS, o teto é
R$ 1.561. Para os funcionários públicos não há teto e o valor da aposentadoria é igual ao último salário. O teto único é bem-vindo
porque começa a corrigir a injustiça criada com os dois tratamentos. No entanto, como o valor
proposto eleva o atual teto do
INSS, podem surgir pelo menos
três problemas.
O primeiro deles é a persistência
do desequilíbrio do sistema. A tabela 1 mostra a relação entre o teto
da aposentadoria e a renda média
em alguns países. No Reino Unido, o maior benefício previdenciário equivale a 21% da renda
média. Na França e nos Estados
Unidos, a relação está na casa dos
50%. Na Alemanha e no Japão,
atinge a casa dos 200%. No Brasil,
sem a reforma da Previdência, o
teto do INSS já é equivalente a 2,7
vezes a renda média dos brasileiros. O teto de dez salários mínimos equivaleria a 3,4 vezes a renda média. Se o Congresso modificar a proposta e elevar o teto, a relação será ainda maior. A comparação internacional mostra que o
teto proposto pelo governo é excessivo para a realidade brasileira.
Além disso, é duvidoso que o
INSS possa pagá-lo. O aumento
no teto aumentará o valor da contribuição dos trabalhadores, o
que aumentará a receita. Mas fará
crescer também a despesa, pois os
valores dos benefícios aumentarão.
A tabela 2 mostra outro aspecto
importante: a excessiva abrangência do novo teto. Como a renda dos trabalhadores brasileiros é
muito baixa, o teto de R$ 2.400
(equivalente a dez salários mínimos) cobriria nada menos que
94% do mercado de trabalho.
Quase não sobraria espaço para
os planos de aposentadoria complementar capitalizados. A renda
dos trabalhadores do setor privado, que não é grande, sofreria um
ônus pesado com o novo teto
-eles teriam muito pouco para
poupar em fundos de aposentadoria complementar. Os fundos
de aposentadoria complementar
dos funcionários públicos, que
têm rendas mais elevadas, provavelmente ficariam sob a gestão da
administração pública e não seriam aplicados em investimentos
produtivos. Nos países onde o teto da aposentadoria é pequeno,
ocorre o contrário: os trabalhadores complementam suas aposentadorias com fundos capitalizados. Os sindicatos costumam ser
os agentes de mobilização da poupança dos trabalhadores, servindo de ponte para seus filiados participarem da democratização do
acesso ao mercado de capitais. A
poupança dos trabalhadores é
utilizada para financiar investimentos que criam empregos e geram crescimento. Com o teto proposto, nosso país perderia a oportunidade de explorar um poderoso mecanismo de mobilização de
poupança e investimento.
Finalmente, o terceiro aspecto é
o crescimento da informalidade.
Algumas simulações que fizemos
na Fipe mostram que uma redução no teto contribuiria muito para a formalização dos trabalhadores. As simulações indicam também que um aumento no benefício contributivo mínimo seria outro forte incentivo à formalização.
Portanto, se o governo quiser usar
a reforma da Previdência para reduzir a informalidade, teria que
diminuir o teto e aumentar o benefício dos contribuintes mais
pobres. Ou seja, teríamos que oferecer mais para quem ganha menos e reduzir o benefício de quem
ganha mais. A elevação do teto
proposta pelo governo é um movimento na direção contrária. Poderá agravar a precariedade e a
ilegalidade no mercado de trabalho.
Em suma: a reforma da Previdência proposta pelo governo
tem muitos aspectos positivos e
animadores. Mas a elevação do teto pode comprometer o sucesso
esperado porque aumenta a altura do edifício sem reforçar seus
alicerces. Com o teto alto, a casa
pode cair.
Hélio Zylberstajn, 57, é professor da
FEA-USP e pesquisador da Fipe, onde
coordena o Programa Mediar - Informações para a Mediação Estratégica entre
Trabalho e Capital. O autor agradece a
Anderson E. Stancioli e Marcelo Milan
que coletaram e tabularam os dados utilizados.
Internet: www.fipe.com/mediar
Luiz Carlos Mendonça de Barros, que
escreve nesta coluna às sextas-feiras, está em férias.
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