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São Paulo, sexta-feira, 02 de maio de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Com teto alto, a casa cai

HÉLIO ZYLBERSTAJN

Um dos itens da reforma da Previdência que o governo enviou ao Congresso Nacional estabelece um teto único para a aposentadoria. Esse teto, de R$ 2.400, equivale a dez salários mínimos e valerá tanto para os que se aposentarem pelo INSS quanto para os funcionários públicos. Hoje, o tratamento é diferenciado: para os contribuintes do INSS, o teto é R$ 1.561. Para os funcionários públicos não há teto e o valor da aposentadoria é igual ao último salário. O teto único é bem-vindo porque começa a corrigir a injustiça criada com os dois tratamentos. No entanto, como o valor proposto eleva o atual teto do INSS, podem surgir pelo menos três problemas.
O primeiro deles é a persistência do desequilíbrio do sistema. A tabela 1 mostra a relação entre o teto da aposentadoria e a renda média em alguns países. No Reino Unido, o maior benefício previdenciário equivale a 21% da renda média. Na França e nos Estados Unidos, a relação está na casa dos 50%. Na Alemanha e no Japão, atinge a casa dos 200%. No Brasil, sem a reforma da Previdência, o teto do INSS já é equivalente a 2,7 vezes a renda média dos brasileiros. O teto de dez salários mínimos equivaleria a 3,4 vezes a renda média. Se o Congresso modificar a proposta e elevar o teto, a relação será ainda maior. A comparação internacional mostra que o teto proposto pelo governo é excessivo para a realidade brasileira. Além disso, é duvidoso que o INSS possa pagá-lo. O aumento no teto aumentará o valor da contribuição dos trabalhadores, o que aumentará a receita. Mas fará crescer também a despesa, pois os valores dos benefícios aumentarão.
A tabela 2 mostra outro aspecto importante: a excessiva abrangência do novo teto. Como a renda dos trabalhadores brasileiros é muito baixa, o teto de R$ 2.400 (equivalente a dez salários mínimos) cobriria nada menos que 94% do mercado de trabalho. Quase não sobraria espaço para os planos de aposentadoria complementar capitalizados. A renda dos trabalhadores do setor privado, que não é grande, sofreria um ônus pesado com o novo teto -eles teriam muito pouco para poupar em fundos de aposentadoria complementar. Os fundos de aposentadoria complementar dos funcionários públicos, que têm rendas mais elevadas, provavelmente ficariam sob a gestão da administração pública e não seriam aplicados em investimentos produtivos. Nos países onde o teto da aposentadoria é pequeno, ocorre o contrário: os trabalhadores complementam suas aposentadorias com fundos capitalizados. Os sindicatos costumam ser os agentes de mobilização da poupança dos trabalhadores, servindo de ponte para seus filiados participarem da democratização do acesso ao mercado de capitais. A poupança dos trabalhadores é utilizada para financiar investimentos que criam empregos e geram crescimento. Com o teto proposto, nosso país perderia a oportunidade de explorar um poderoso mecanismo de mobilização de poupança e investimento.
Finalmente, o terceiro aspecto é o crescimento da informalidade. Algumas simulações que fizemos na Fipe mostram que uma redução no teto contribuiria muito para a formalização dos trabalhadores. As simulações indicam também que um aumento no benefício contributivo mínimo seria outro forte incentivo à formalização. Portanto, se o governo quiser usar a reforma da Previdência para reduzir a informalidade, teria que diminuir o teto e aumentar o benefício dos contribuintes mais pobres. Ou seja, teríamos que oferecer mais para quem ganha menos e reduzir o benefício de quem ganha mais. A elevação do teto proposta pelo governo é um movimento na direção contrária. Poderá agravar a precariedade e a ilegalidade no mercado de trabalho.
Em suma: a reforma da Previdência proposta pelo governo tem muitos aspectos positivos e animadores. Mas a elevação do teto pode comprometer o sucesso esperado porque aumenta a altura do edifício sem reforçar seus alicerces. Com o teto alto, a casa pode cair.


Hélio Zylberstajn, 57, é professor da FEA-USP e pesquisador da Fipe, onde coordena o Programa Mediar - Informações para a Mediação Estratégica entre Trabalho e Capital. O autor agradece a Anderson E. Stancioli e Marcelo Milan que coletaram e tabularam os dados utilizados.
Internet: www.fipe.com/mediar


Luiz Carlos Mendonça de Barros, que escreve nesta coluna às sextas-feiras, está em férias.


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