São Paulo, domingo, 02 de maio de 2004

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Metas de inflação: desinflar até onde?

ALOIZIO MERCADANTE

Estudos recentes sobre as políticas de metas de inflação revelam que elas não são superiores às outras políticas alternativas. Mas, ao implicarem regras explícitas de reação da autoridade monetária, maior transparência na comunicação com a sociedade e ampla disponibilização de dados, tornam um pouco mais acessíveis os Bancos Centrais, geralmente tão distantes da sociedade, o que é um ganho institucional e democrático.
Como a política plena de metas tem apenas dois objetivos explícitos -a desinflação e a conquista da estabilidade dos preços-, é importante debatê-los mais detidamente. O que determina o ritmo de desinflação? Qual a taxa de inflação que expressa estabilidade de preços? Não são questões banais, tampouco inócuas, já que por trás delas estão objetivos mais amplos -não da política monetária, mas da política econômica de qualquer governo, vale dizer, o crescimento da atividade econômica, do emprego e da renda.
Alguns países determinam o ritmo da desinflação em função de exigências institucionais. É o caso daqueles que ingressaram na União Européia (Espanha) ou que buscavam se qualificar para tal (Polônia, Hungria e República Tcheca). Outros consideram prioritariamente o custo para o crescimento econômico e o emprego. O Chile demorou oito anos para reduzir sua inflação de 26% para 6%, e a Inglaterra, dez anos para reduzir de 5,9% para 1,8%.
Não há uma regra econômica para a determinação do ritmo de desinflação, tampouco é essa uma decisão dos Bancos Centrais. Via de regra, o ritmo é determinado pelos governos, que têm legitimidade política para decidir uma questão que afeta todos os cidadãos e empresas de um país. A meta de inflação -de 8,5%, 5,5% ou 4,5%- depende da disposição da sociedade, aferida pelo governo, em suportar sacrifícios a curto prazo em troca de benefícios a longo prazo, já que políticas monetárias restritivas implicam, no horizonte imediato, crescimento menor do PIB, taxas de desemprego maiores, inadimplência no crédito e assim por diante.
Outra questão está na definição de estabilidade de preços. Será ela encontrada quando as taxas de inflação forem de 0%? Vários países desenvolvidos adotaram essa abordagem, mas perceberam que, quando a inflação se aproximava de zero, os sinais econômicos eram todos de deflação, e não de estabilidade. Estudos acabaram por revelar que, devido a problemas nos métodos de coleta e cálculo nas pesquisas de preços, havia uma superestimação sistemática das taxas de inflação. Nos EUA, estabeleceu-se que ocorre estabilidade de preços quando os índices de preços ao consumidor estão em torno de 2% a 2,5%. Autores como o prêmio Nobel George Ackerlof e também Edwin Truman, que foi membro do Comitê de Política Monetária do Fed (o banco central norte-americano), referendam esses números. O primeiro, aliás, sugere que, em países emergentes, esse número seja maior.
O fato é que não se sabe ao certo qual é a taxa de inflação que define estabilidade de preços no Brasil. Não há estudos sobre esse tema tão crucial, o que deveria ser realizado pelos institutos -IBGE, FGV, Fipe, Dieese- rapidamente. O que sabemos é que, em 60 anos, o IGP-DI só foi menor que 5,5% em dois momentos: em 1947 e em 1998, ambos anos de queima atroz de reservas. Isso não significa que 5,5% seja o limite de estabilidade, tampouco que, após mudanças econômicas estruturais tão profundas nesse período, o valor não seja menor. Mas significa que é necessário ter cautela para não entrarmos em um espaço pouco crível de metas de inflação e perigosamente próximo do que poderia ser o limiar de uma deflação.
A preservação da credibilidade do sistema de metas exige a fixação de metas que possam ser realizadas sem sacrificar desnecessariamente o crescimento. Nos últimos cinco anos do sistema atual, as metas não foram cumpridas em três deles. É fato que o contexto internacional tende a tornar-se mais adverso para o Brasil, com a possibilidade de crescimento das taxas de juros norte-americanas e o surgimento de novas tensões financeiras em países emergentes (Rússia, Turquia e Peru) e também em alguns setores das economias desenvolvidas -pois já reaparecem denúncias de fraudes em balanços de grandes corporações. Choques adversos no câmbio, se ocorrerem, certamente pressionarão a inflação local. Apontar uma meta decrescente para 2005, nesse ambiente, não é recomendável. É preferível usar as margens de tolerância, previstas para cima mas também para baixo.
Sabemos que a política monetária não é e não deve ser o único instrumento de combate à inflação -o que demanda também políticas industrial, agrícola, de infra-estrutura e fiscal-, mas é uma âncora fundamental para realizar a convergência de expectativas da sociedade. Assim, com base nas considerações acima, sugerimos que as metas para 2005 e para 2006 sejam estabelecidas em 5,5%, mantendo-se a tolerância de 2,5 pontos percentuais para mais ou para menos. Ao mesmo tempo, as políticas estruturais de ampliação da produtividade sistêmica devem ser aceleradas.


Aloizio Mercadante, 49, é economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo e líder do governo no Senado.

Internet: www.mercadante.com.br

E-mail - mercadante@mercadante.com.br


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