São Paulo, terça-feira, 02 de maio de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Gastar bem

BENJAMIN STEINBRUCH

Ontem foi o Dia do Trabalho, mas o assunto da hora nas páginas de economia dos jornais têm sido as despesas do governo. Muito papel e tinta foram gastos nos últimos dias para noticiar e comentar os números das contas públicas no primeiro trimestre.
Vale a pena fazer um resumo dessa "ópera" para facilitar a compreensão de quem não tem muita paciência para tema tão árido. Os governos federal, estaduais e municipais iniciaram o ano eleitoral com o pé no acelerador em matéria de gastos. Com isso, em janeiro o superávit primário (receitas menos despesas, exceto gastos com juros) caiu para R$ 3,066 bilhões. Foi um valor muito baixo, que representou apenas um quarto do resultado alcançado um ano antes, em janeiro de 2005.
O governo procura fazer superávits primários para pagar pelo menos uma parte substancial dos impressionantes gastos com juros da dívida. O superávit de janeiro, porém, nem de longe foi suficiente para cobrir a carga de juros de R$ 17,9 bilhões que incidiu sobre a dívida em janeiro. Ou seja, houve um déficit nominal de R$ 14,8 bilhões no primeiro mês do ano.
Quando esse resultado foi divulgado, começou uma gritaria. Imediatamente imaginou-se, com razão, que os governos (federal, estaduais e municipais) tivessem iniciado a fase de abertura dos cofres do ano eleitoral, o que poderia representar um grave risco para a estabilidade da economia.
Nos dois meses seguintes, porém, a situação mudou. O aperto fiscal aumentou em fevereiro e o de março foi tão grande que produziu o maior superávit primário -R$ 13,2 bilhões- nesse mês dos últimos 15 anos. Uma economia de gastos suficiente para pagar todas as despesas com juros da dívida no mês, de R$ 12,8 bilhões.
Esses números, divulgados na semana passada, acalmaram um pouco os ânimos da barulhenta torcida fiscalista, o influente grupo de formadores de opinião que prega obstinadamente o controle rigoroso das contas públicas. Afinal, o setor público fechou o primeiro trimestre do ano eleitoral com o superávit fiscal até um pouco acima da meta de 4,25% do PIB (Produto Interno Bruto).
A torcida fiscalista, porém, não está convencida das boas intenções fiscais do governo federal. Observa que no primeiro trimestre do ano passado o superávit foi muito maior (R$ 20 bilhões) que neste ano e cobra mais austeridade. Em sua defesa, o pessoal do governo diz que em anos de eleição há uma dinâmica diferente, que tende a concentrar mais gastos no início de ano, com queda natural no segundo semestre em razão das restrições impostas pela lei eleitoral. Exemplo: o resultado fiscal do primeiro trimestre de 2002, também um ano eleitoral, foi pior do que o deste ano.
Há exageros nos dois lados. O pessoal do governo não dá a devida importância, por exemplo, ao aumento que está por vir nos gastos mensais da Previdência em decorrência da elevação do salário mínimo de R$ 300 para R$ 350 a partir de maio. Só esse fator representará um dispêndio mensal adicional de R$ 1 bilhão para o governo e o déficit da Previdência poderá ser R$ 10 bilhões superior ao de 2005.
Do lado da torcida fiscalista o exagero está em exigir do governo, em ano eleitoral, comportamento de freira. Existe uma meta fiscal (superávit primário de 4,25% do PIB) e ela precisa ser cumprida. Pedir mais do que isso denota um certo viés político da crítica. Ou seja, a intenção de carimbar o governo como perdulário, o que não espelha a realidade dos primeiros três anos de governo.
O Dia do Trabalho, comemorado ontem em quase todo o mundo, nos faz lembrar que o gasto público, quando bem direcionado -para investimentos e obras de infra-estrutura, por exemplo- é muito saudável para a economia. Ele estimula negócios e cria empregos. Triste é quando os gastos se concentram em despesas correntes e em juros. No ano passado, o governo conseguiu um superávit primário de R$ 93 bilhões e gastou R$ 157 bilhões em juros. Todo o esforço fiscal foi jogado no ralo.
A discussão fiscal, portanto, está fora de foco. Não se trata de escolher entre gastar mais ou gastar menos. A melhor decisão, na verdade, é a de gastar tudo o que for possível, dentro das metas, mas gastar bem.


Benjamin Steinbruch, 52, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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