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entrevista
Dólar virá, mas "sem dilúvio", diz economista
ROBERTO MACHADO
DA SUCURSAL DO RIO
Com o tão aguardado grau
de investimento do país,
muitos analistas temem que
o "selo de qualidade" chancelado pela Standard & Poor's
faça a moeda americana
"derreter" de vez ante o real
-o que provocaria um "efeito cascata" que vai do aumento das importações à deterioração das transações
correntes.
De Miami, nos Estados
Unidos, o economista Paulo
Leme, 52, responsável pelo
departamento de pesquisa
de mercados emergentes do
banco Goldman Sachs, pede
licença para discordar. "Não
haverá dilúvio de dólares",
diz ele. Leia entrevista concedida à Folha.
FOLHA - Muitos analistas temem uma enxurrada de dólares
pela classificação com o grau de
investimento. O senhor concorda?
PAULO LEME - Não. Está mais
para garoa leve do que para
dilúvio. O fluxo de capitais
permanecerá aumentando,
mas não significa que será
uma enxurrada. Eventualmente haverá adesão de outros gestores, que tinham
restrição para países com rating especulativo (sem o grau
de investimento). Mas o Brasil já vem atraindo capitais
há anos. Na verdade, o "upgrade" estava defasado. Ele
não será catalisador de uma
mudança estrutural no fluxo
[de capitais].
FOLHA - Mas os dólares continuarão vindo...
LEME - Mas não será um dilúvio. Continuarão a vir por
causa da melhora estrutural
da economia brasileira. Se
pegarmos um histórico [dos
países emergentes que obtiveram o grau de investimento], há em comum um ligeiro
aumento do investimento direto.
FOLHA - Esses analistas temem
porque consideram que o país havia chegado a uma zona perigosa
no câmbio.
LEME - Não há nada de perigoso nem nada de favorável.
O câmbio se ajusta. Se o mercado estiver desconfortável
com importações crescendo
43% [atual média diária], o
fluxo de capitais vai diminuir
e se iniciará um processo de
desvalorização do real. Mas
muitas vezes se esquece que
a valorização cambial está
mais relacionada com os
problemas do dólar do que
com o real propriamente.
FOLHA - E há um piso para a
queda do dólar?
LEME - Já está ocorrendo um
ajuste externo nos Estados
Unidos. O resultado disso será uma futura apreciação da
moeda norte-americana,
que caiu muito nos últimos
anos. O que, por sua vez, vai
acarretar na desvalorização
das moedas dos países emergentes, inclusive a do Brasil.
FOLHA - E quando esse jogo vira?
LEME - Acredito que num
prazo de 12 a 18 meses. Mas
pode virar em 90 dias... Hoje
está a R$ 1,66, mas daqui a 90
dias está em R$ 1,70. Para daqui a um ano, R$ 1,82 [cotações no mercado futuro de
câmbio].
FOLHA - E virá mesmo depois do
Copom [Comitê de Política Monetária do Banco Central], que,
na mais recente reunião, elevou
os juros básicos da economia, a
taxa Selic, em 0,5 ponto percentual?
LEME - Concordo 100% com
a decisão do Copom. É um
dos núcleos de melhor qualidade do país. O instrumento
juros persegue um objetivo,
relacionado a preços. E está
havendo no Brasil um desequilíbrio de demanda muito
forte, que provoca inflação.
Aliás, um dos motivos que levaram a Standard & Poor's a
elevar a nota brasileira é a
qualidade da política monetária do Banco Central. A elevação dos juros será fundamental para colocar a inflação dentro da meta nos próximos 18 meses.
FOLHA - Há analistas que não
acreditam no desequilíbrio de demanda. O próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, já disse
que, tirando o feijãozinho, a inflação seria menor.
LEME - É sempre possível tomar um índice de preços, eliminar 90% dos itens que formam esse índice e chegar a
uma inflação zero. Mas o fato
é que os núcleos [de inflação]
mostram que a inflação está
subindo. Bens comercializáveis, não-comercializáveis,
preços administrados: a tendência é de alta em todos. Se
o governo e a equipe econômica estão preocupados, têm
um arsenal de medidas: cortar gasto corrente, promover
uma reforma trabalhista que
aumente a produtividade da
economia, acelerar a reforma tributária para desonerar
exportadores. Isso atacaria o
problema de frente. Não dá é
para endossar esse samba de
uma nota só: ah, são os juros,
os juros...
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