São Paulo, sexta-feira, 02 de maio de 2008

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entrevista

Dólar virá, mas "sem dilúvio", diz economista

ROBERTO MACHADO
DA SUCURSAL DO RIO

Com o tão aguardado grau de investimento do país, muitos analistas temem que o "selo de qualidade" chancelado pela Standard & Poor's faça a moeda americana "derreter" de vez ante o real -o que provocaria um "efeito cascata" que vai do aumento das importações à deterioração das transações correntes.
De Miami, nos Estados Unidos, o economista Paulo Leme, 52, responsável pelo departamento de pesquisa de mercados emergentes do banco Goldman Sachs, pede licença para discordar. "Não haverá dilúvio de dólares", diz ele. Leia entrevista concedida à Folha.

 

FOLHA - Muitos analistas temem uma enxurrada de dólares pela classificação com o grau de investimento. O senhor concorda?
PAULO LEME
- Não. Está mais para garoa leve do que para dilúvio. O fluxo de capitais permanecerá aumentando, mas não significa que será uma enxurrada. Eventualmente haverá adesão de outros gestores, que tinham restrição para países com rating especulativo (sem o grau de investimento). Mas o Brasil já vem atraindo capitais há anos. Na verdade, o "upgrade" estava defasado. Ele não será catalisador de uma mudança estrutural no fluxo [de capitais].

FOLHA - Mas os dólares continuarão vindo...
LEME
- Mas não será um dilúvio. Continuarão a vir por causa da melhora estrutural da economia brasileira. Se pegarmos um histórico [dos países emergentes que obtiveram o grau de investimento], há em comum um ligeiro aumento do investimento direto.

FOLHA - Esses analistas temem porque consideram que o país havia chegado a uma zona perigosa no câmbio.
LEME
- Não há nada de perigoso nem nada de favorável. O câmbio se ajusta. Se o mercado estiver desconfortável com importações crescendo 43% [atual média diária], o fluxo de capitais vai diminuir e se iniciará um processo de desvalorização do real. Mas muitas vezes se esquece que a valorização cambial está mais relacionada com os problemas do dólar do que com o real propriamente.

FOLHA - E há um piso para a queda do dólar?
LEME
- Já está ocorrendo um ajuste externo nos Estados Unidos. O resultado disso será uma futura apreciação da moeda norte-americana, que caiu muito nos últimos anos. O que, por sua vez, vai acarretar na desvalorização das moedas dos países emergentes, inclusive a do Brasil.

FOLHA - E quando esse jogo vira?
LEME
- Acredito que num prazo de 12 a 18 meses. Mas pode virar em 90 dias... Hoje está a R$ 1,66, mas daqui a 90 dias está em R$ 1,70. Para daqui a um ano, R$ 1,82 [cotações no mercado futuro de câmbio].

FOLHA - E virá mesmo depois do Copom [Comitê de Política Monetária do Banco Central], que, na mais recente reunião, elevou os juros básicos da economia, a taxa Selic, em 0,5 ponto percentual?
LEME
- Concordo 100% com a decisão do Copom. É um dos núcleos de melhor qualidade do país. O instrumento juros persegue um objetivo, relacionado a preços. E está havendo no Brasil um desequilíbrio de demanda muito forte, que provoca inflação. Aliás, um dos motivos que levaram a Standard & Poor's a elevar a nota brasileira é a qualidade da política monetária do Banco Central. A elevação dos juros será fundamental para colocar a inflação dentro da meta nos próximos 18 meses.

FOLHA - Há analistas que não acreditam no desequilíbrio de demanda. O próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, já disse que, tirando o feijãozinho, a inflação seria menor.
LEME
- É sempre possível tomar um índice de preços, eliminar 90% dos itens que formam esse índice e chegar a uma inflação zero. Mas o fato é que os núcleos [de inflação] mostram que a inflação está subindo. Bens comercializáveis, não-comercializáveis, preços administrados: a tendência é de alta em todos. Se o governo e a equipe econômica estão preocupados, têm um arsenal de medidas: cortar gasto corrente, promover uma reforma trabalhista que aumente a produtividade da economia, acelerar a reforma tributária para desonerar exportadores. Isso atacaria o problema de frente. Não dá é para endossar esse samba de uma nota só: ah, são os juros, os juros...


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