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REMÉDIO AMARGO
Ao contrário do que sugere o Copom, maioria dos reajustes salariais em 2003 não repuseram o INPC
Reposição abaixo da inflação contradiz BC
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Os reajustes salariais concedidos com base nas perdas acumuladas nos últimos 12 meses não tiveram impacto na inflação -ao
contrário, portanto, do que informou o Copom (Comitê de Política Monetária) na última semana.
Isso porque os reajustes salariais dados aos trabalhadores nos
primeiros cinco meses do ano ficaram, na maior parte, abaixo da
inflação. É o que mostra levantamento parcial do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos)
com 28 categorias profissionais,
de oito Estados, com data-base
neste semestre.
Em sua ata divulgada na semana passada, o Banco Central creditou principalmente aos reajustes a decisão de manter a taxa de
juros em 26,5% ao ano e segurar a
expansão da economia para evitar a disparada da inflação.
O comitê destacou que "a persistência da inflação tem origem
nos reajustes de preços e salários
ocorridos desde o início deste
ano, que se basearam na elevada
taxa de inflação acumulada nos
últimos 12 meses e não na sua
projeção futura".
Mas, segundo levantamento do
Dieese, em apenas 14,29% dos
acordos salariais feitos de janeiro
a maio, os trabalhadores conseguiram recuperar o poder de
compra com reajustes superiores
ao INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) do IBGE.
Esse é o indicador utilizado nas
negociações salariais. Calculado
desde 1979, serve de referência para os reajustes do salário mínimo
e dos benefícios previdenciários.
Mesmo os reajustes que ficaram
acima da variação do INPC em
2003, se localizam num intervalo
de ganho real que não ultrapassa 1
ponto percentual.
Enquanto 46,43% dos reajustes
ficaram abaixo da inflação medida pelo INPC, 39,28% dos acordos conseguiram zerar a variação
do índice na data-base.
Quando comparados com a inflação medida pelo IPCA (Índice
de Preços ao Consumidor Amplo) do mesmo IBGE, medição
utilizada pelo BC para conferir se
atingiu a sua meta de inflação, 6
das 28 categorias obtiveram reajuste abaixo do índice; cinco tiveram reajuste igual ou até 1,5%
maior que o IPCA.
Na indústria paulista, a queda
na massa de salários (soma de todos os salários dos trabalhadores)
foi de 3,9% nos primeiros quatro
meses do ano em relação ao mesmo período de 2002.
Clarice Messer, diretora do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo), informa que as empresas não estão repassando custos para os produtos, segundo
mostra pesquisa feita junto a 400
empresas em março.
"A pressão nos custos está sendo resolvida com a a renegociação
de preços com fornecedores. As
empresas também estão tentando
melhorar sua produtividade para
absorver os custos e optando pela
redução da margem de lucro",
diz. "Não há reajustes de preços
baseados na inflação passada."
Para o economista e professor
da Unicamp Walter Barelli, o argumento do BC de que os salários
pressionam a inflação não faz
sentido. "Esse era o argumento do
governo antes do Plano Real,
quando havia reajustes semestrais e até trimestrais. O fato é que
sempre tem de ter um bode expiatório para a inflação. Uma hora é
o preço do tomate, outra é o salário", diz Barelli, ao se referir ao
produto apontado como vilão da
inflação no mês passado.
Para Barelli, a explicação para
manter a inflação em patamares
elevados está no reajuste de tarifas
públicas, que usam indicadores
atrelados à variação cambial.
O economista do Dieese José
Silvestre Prado de Oliveira lembra
que a renda dos trabalhadores está em queda desde 97 e que o percentual de categorias que conseguem repor a inflação nos salários
têm diminuído desde 95. "Se os
rendimentos vêm caindo em todo
o país, se o trabalhador não consegue negociar reajustes acima da
inflação e se o consumo está reduzido, como pode haver pressão na
inflação?", questiona.
Além de as negociações não terem sido favoráveis aos trabalhadores, reforça Luis Afonso Lima,
economista do BBV, elas não
atingem mais da metade da população que atua no mercado informal de trabalho. "O consumidor
compra menos porque tem menos renda e está mais cauteloso
pois o crédito está restrito", diz.
Segundo dados do IBGE, de março de 2002 a março de 2003, a queda na massa salarial foi de 4,9%.
Fábio Silveira, economista da
consultoria MB Associados, acredita que não há espaço na economia para a volta da chamada "inflação inercial" -risco de os preços e reajustes de salários concedidos no passado contaminarem
a inflação futura.
"O nível de atividade econômica está baixo, não existe nem sustentação para a inflação se manter
nessa situação de inércia. A inflação [inercial] poderia ocorrer se
houvesse um volume grande de
antecipações salariais, por exemplo, ou de reajustes semestrais, o
que não ocorreu", diz Silveira.
Apesar de o governo ter demonstrado preocupação com as
antecipações salariais, afirma o
consultor, elas ficaram restritas a
poucas categorias -principalmente aos metalúrgicos, padeiros
e químicos de São Paulo. Os sindicatos que representam esses trabalhadores informam que as antecipações -em média de 10%
parcelados em até quatro vezes-
foram conseguidas, em sua maior
parte, em acordos por empresa.
Não valem para toda a categoria.
Os especialistas em mercado de
trabalho destacam que as principais categorias profissionais
-consideradas referência para as
negociações salariais por serem
mais organizadas e conseguirem
aumentos reais- têm data-base
no segundo semestre. Entre elas
estão bancários, metalúrgicos,
químicos e petroleiros.
"Quem conseguiu reajustes um
pouco melhores, no primeiro semestre, são as categorias mais ligadas às atividades exportadoras.
Mesmo assim, essas categorias
reúnem contingentes menores de
trabalhadores. E os reajustes obtidos não são suficientes para manter a demanda aquecida, portanto
não é esse o fator que justifica o
risco de inflação", diz Silveira.
Outro lado
O BC informou, por meio de sua
assessoria de imprensa, que não
divulga dados referentes a reajustes salariais concedidos a trabalhadores nem dados que fazem
parte das decisões tomadas pelo
Copom, ao ser questionado sobre
o peso dos reajustes salariais na
inflação. Também disse que o
acompanhamento das negociações salariais é feito junto a dados
do Ministério do Trabalho, Dieese
e IBGE.
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