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São Paulo, segunda-feira, 02 de junho de 2003

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REMÉDIO AMARGO

Ao contrário do que sugere o Copom, maioria dos reajustes salariais em 2003 não repuseram o INPC

Reposição abaixo da inflação contradiz BC

CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os reajustes salariais concedidos com base nas perdas acumuladas nos últimos 12 meses não tiveram impacto na inflação -ao contrário, portanto, do que informou o Copom (Comitê de Política Monetária) na última semana.
Isso porque os reajustes salariais dados aos trabalhadores nos primeiros cinco meses do ano ficaram, na maior parte, abaixo da inflação. É o que mostra levantamento parcial do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) com 28 categorias profissionais, de oito Estados, com data-base neste semestre.
Em sua ata divulgada na semana passada, o Banco Central creditou principalmente aos reajustes a decisão de manter a taxa de juros em 26,5% ao ano e segurar a expansão da economia para evitar a disparada da inflação.
O comitê destacou que "a persistência da inflação tem origem nos reajustes de preços e salários ocorridos desde o início deste ano, que se basearam na elevada taxa de inflação acumulada nos últimos 12 meses e não na sua projeção futura".
Mas, segundo levantamento do Dieese, em apenas 14,29% dos acordos salariais feitos de janeiro a maio, os trabalhadores conseguiram recuperar o poder de compra com reajustes superiores ao INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) do IBGE.
Esse é o indicador utilizado nas negociações salariais. Calculado desde 1979, serve de referência para os reajustes do salário mínimo e dos benefícios previdenciários.
Mesmo os reajustes que ficaram acima da variação do INPC em 2003, se localizam num intervalo de ganho real que não ultrapassa 1 ponto percentual.
Enquanto 46,43% dos reajustes ficaram abaixo da inflação medida pelo INPC, 39,28% dos acordos conseguiram zerar a variação do índice na data-base.
Quando comparados com a inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) do mesmo IBGE, medição utilizada pelo BC para conferir se atingiu a sua meta de inflação, 6 das 28 categorias obtiveram reajuste abaixo do índice; cinco tiveram reajuste igual ou até 1,5% maior que o IPCA.
Na indústria paulista, a queda na massa de salários (soma de todos os salários dos trabalhadores) foi de 3,9% nos primeiros quatro meses do ano em relação ao mesmo período de 2002.
Clarice Messer, diretora do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), informa que as empresas não estão repassando custos para os produtos, segundo mostra pesquisa feita junto a 400 empresas em março.
"A pressão nos custos está sendo resolvida com a a renegociação de preços com fornecedores. As empresas também estão tentando melhorar sua produtividade para absorver os custos e optando pela redução da margem de lucro", diz. "Não há reajustes de preços baseados na inflação passada."
Para o economista e professor da Unicamp Walter Barelli, o argumento do BC de que os salários pressionam a inflação não faz sentido. "Esse era o argumento do governo antes do Plano Real, quando havia reajustes semestrais e até trimestrais. O fato é que sempre tem de ter um bode expiatório para a inflação. Uma hora é o preço do tomate, outra é o salário", diz Barelli, ao se referir ao produto apontado como vilão da inflação no mês passado.
Para Barelli, a explicação para manter a inflação em patamares elevados está no reajuste de tarifas públicas, que usam indicadores atrelados à variação cambial.
O economista do Dieese José Silvestre Prado de Oliveira lembra que a renda dos trabalhadores está em queda desde 97 e que o percentual de categorias que conseguem repor a inflação nos salários têm diminuído desde 95. "Se os rendimentos vêm caindo em todo o país, se o trabalhador não consegue negociar reajustes acima da inflação e se o consumo está reduzido, como pode haver pressão na inflação?", questiona.
Além de as negociações não terem sido favoráveis aos trabalhadores, reforça Luis Afonso Lima, economista do BBV, elas não atingem mais da metade da população que atua no mercado informal de trabalho. "O consumidor compra menos porque tem menos renda e está mais cauteloso pois o crédito está restrito", diz. Segundo dados do IBGE, de março de 2002 a março de 2003, a queda na massa salarial foi de 4,9%.
Fábio Silveira, economista da consultoria MB Associados, acredita que não há espaço na economia para a volta da chamada "inflação inercial" -risco de os preços e reajustes de salários concedidos no passado contaminarem a inflação futura.
"O nível de atividade econômica está baixo, não existe nem sustentação para a inflação se manter nessa situação de inércia. A inflação [inercial] poderia ocorrer se houvesse um volume grande de antecipações salariais, por exemplo, ou de reajustes semestrais, o que não ocorreu", diz Silveira.
Apesar de o governo ter demonstrado preocupação com as antecipações salariais, afirma o consultor, elas ficaram restritas a poucas categorias -principalmente aos metalúrgicos, padeiros e químicos de São Paulo. Os sindicatos que representam esses trabalhadores informam que as antecipações -em média de 10% parcelados em até quatro vezes- foram conseguidas, em sua maior parte, em acordos por empresa. Não valem para toda a categoria.
Os especialistas em mercado de trabalho destacam que as principais categorias profissionais -consideradas referência para as negociações salariais por serem mais organizadas e conseguirem aumentos reais- têm data-base no segundo semestre. Entre elas estão bancários, metalúrgicos, químicos e petroleiros.
"Quem conseguiu reajustes um pouco melhores, no primeiro semestre, são as categorias mais ligadas às atividades exportadoras. Mesmo assim, essas categorias reúnem contingentes menores de trabalhadores. E os reajustes obtidos não são suficientes para manter a demanda aquecida, portanto não é esse o fator que justifica o risco de inflação", diz Silveira.

Outro lado
O BC informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não divulga dados referentes a reajustes salariais concedidos a trabalhadores nem dados que fazem parte das decisões tomadas pelo Copom, ao ser questionado sobre o peso dos reajustes salariais na inflação. Também disse que o acompanhamento das negociações salariais é feito junto a dados do Ministério do Trabalho, Dieese e IBGE.


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