São Paulo, sábado, 02 de junho de 2007

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BORIS TABACOF

Augúrios que preocupam

A classe média está com raiva, e essa raiva está começando a se manifestar

NA ROMA Antiga, os áugures buscavam prever o curso dos acontecimentos examinando as entranhas de animais. O que acontece nas entranhas do país, hoje, merece ser decifrado de modo mais profundo do que os analistas econômicos e políticos fazem.
A classe média está com raiva, afirmou o professor da Unicamp Waldir Quadros. "Só não explodiu ainda porque também está confusa", dizia o professor em 2004. Essa raiva está começando a se manifestar. Os estudantes universitários e, em seguida, os professores estão em efervescência, dando vazão ao que antes era canalizado pelos movimentos ideológicos de esquerda.
Mas também os funcionários públicos, os profissionais liberais por meio de suas entidades, os que se dedicam à cultura e às artes que buscam desesperados os raros patrocinadores, os pequenos e médios empresários que sobrevivem com dificuldades crescentes esmagados pelos impostos. E muitos que atuam na área de serviços, sem voz porque estão dispersos, revelam uma certa amargura.
A classe média em crescimento é um fenômeno do capitalismo moderno, pois ela detém um padrão de consumo que vai além do suprimento das suas necessidades de sobrevivência. A principal característica universal da classe média é que os filhos possam ter uma vida melhor do que seus pais. E é exatamente essa visão que desapareceu no âmbito da massa imensa dos jovens brasileiros. Será que a verdadeira angústia dos estudantes é não enxergarem se vão conseguir emprego quando concluírem seu curso?
Os mais veteranos, como eu, lembramo-nos do tempo em que obter uma graduação universitária ou profissionalizante era um meio seguro de conseguir uma posição quase sempre melhor do que a da geração anterior. Hoje, quantos pais e avós têm que ajudar os seus descendentes, que não acham emprego ou obtêm uma renda baixa?
O fenômeno político que explica a vitória eleitoral do presidente Lula, com dois terços dos votos, resulta do fato de que as camadas mais pobres tiveram, nos anos recentes, uma melhora de renda. A classe média é que está imprensada entre os poucos ricos e os muitos trabalhadores.
Mas, ao longo do tempo, é ela a formadora de opinião, até porque a capacidade de alçar, embora de modo relativo, o padrão da grande maioria mais pobre está próxima do limite.
O milagre da multiplicação dos pães não vai se repetir indefinidamente. Para tentar explicar ou até justificar as crescentes dificuldades de empresas ou segmentos inteiros do setor manufatureiro, atingidos fortemente por uma política cambial ruinosa, os chamados analistas e até mesmo altas autoridades, citam a "destruição criativa".
A "destruição criativa", espécie de darwinismo aplicado à sociedade humana, afirma que empresas morrem por serem ineficientes, destruídas por novos empreendedores mais eficientes. Mas a "destruição criativa" não pode ser aplicada a toda uma parte vital e criativa da sociedade brasileira, a classe média.
O emprego e a empregabilidade estão no centro dos problemas de sua inserção numa sociedade cada vez mais complexa. O setor de serviços, especialmente nas atividades de maior conteúdo tecnológico, revela a dificuldade da oferta de postos de trabalho qualificados. A indústria, embora crescendo menos, encontra as mesmas resistências.
Mas, de modo abrangente somente mudanças e reformas, com crescimento econômico numa escala bem maior do que a atual, serão capazes de fazer retornar a esperança da classe média, maior sofredora dos equívocos da política econômica adotada por tantos anos.


BORIS TABACOF é diretor do Departamento de Economia do Ciesp e vice-presidente do Conselho de Administração da Suzano.


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