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BORIS TABACOF
Augúrios que preocupam
A classe média está com raiva, e essa raiva está começando a se manifestar
NA ROMA Antiga, os áugures
buscavam prever o curso dos
acontecimentos examinando as entranhas de animais. O que
acontece nas entranhas do país, hoje, merece ser decifrado de modo
mais profundo do que os analistas
econômicos e políticos fazem.
A classe média está com raiva,
afirmou o professor da Unicamp
Waldir Quadros. "Só não explodiu
ainda porque também está confusa", dizia o professor em 2004. Essa
raiva está começando a se manifestar. Os estudantes universitários e,
em seguida, os professores estão em
efervescência, dando vazão ao que
antes era canalizado pelos movimentos ideológicos de esquerda.
Mas também os funcionários públicos, os profissionais liberais por
meio de suas entidades, os que se dedicam à cultura e às artes que buscam desesperados os raros patrocinadores, os pequenos e médios empresários que sobrevivem com dificuldades crescentes esmagados pelos impostos. E muitos que atuam
na área de serviços, sem voz porque
estão dispersos, revelam uma certa
amargura.
A classe média em crescimento é
um fenômeno do capitalismo moderno, pois ela detém um padrão de
consumo que vai além do suprimento das suas necessidades de sobrevivência. A principal característica
universal da classe média é que os filhos possam ter uma vida melhor do
que seus pais. E é exatamente essa
visão que desapareceu no âmbito da
massa imensa dos jovens brasileiros. Será que a verdadeira angústia
dos estudantes é não enxergarem se
vão conseguir emprego quando concluírem seu curso?
Os mais veteranos, como eu, lembramo-nos do tempo em que obter
uma graduação universitária ou
profissionalizante era um meio seguro de conseguir uma posição quase sempre melhor do que a da geração anterior. Hoje, quantos pais e
avós têm que ajudar os seus descendentes, que não acham emprego ou
obtêm uma renda baixa?
O fenômeno político que explica a
vitória eleitoral do presidente Lula,
com dois terços dos votos, resulta do
fato de que as camadas mais pobres
tiveram, nos anos recentes, uma
melhora de renda. A classe média é
que está imprensada entre os poucos ricos e os muitos trabalhadores.
Mas, ao longo do tempo, é ela a formadora de opinião, até porque a capacidade de alçar, embora de modo
relativo, o padrão da grande maioria
mais pobre está próxima do limite.
O milagre da multiplicação dos pães
não vai se repetir indefinidamente.
Para tentar explicar ou até justificar as crescentes dificuldades de
empresas ou segmentos inteiros do
setor manufatureiro, atingidos fortemente por uma política cambial
ruinosa, os chamados analistas e até
mesmo altas autoridades, citam a
"destruição criativa".
A "destruição criativa", espécie de
darwinismo aplicado à sociedade
humana, afirma que empresas morrem por serem ineficientes, destruídas por novos empreendedores
mais eficientes. Mas a "destruição
criativa" não pode ser aplicada a toda uma parte vital e criativa da sociedade brasileira, a classe média.
O emprego e a empregabilidade
estão no centro dos problemas de
sua inserção numa sociedade cada
vez mais complexa. O setor de serviços, especialmente nas atividades de
maior conteúdo tecnológico, revela
a dificuldade da oferta de postos de
trabalho qualificados. A indústria,
embora crescendo menos, encontra
as mesmas resistências.
Mas, de modo abrangente somente mudanças e reformas, com crescimento econômico numa escala bem
maior do que a atual, serão capazes
de fazer retornar a esperança da
classe média, maior sofredora dos
equívocos da política econômica
adotada por tantos anos.
BORIS TABACOF é diretor do Departamento de Economia
do Ciesp e vice-presidente do Conselho de Administração
da Suzano.
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