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ARTIGO
GM é espelho para os EUA
ROBERT REICH
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
COMO PRESIDENTE da
General Motors quando Eisenhower o convidou para se tornar secretário da
Defesa, em 1953, "Engine Charlie" Wilson expressou em sua
audiência de confirmação diante do Senado uma opinião que
era comum, então. Questionado se seria capaz de tomar uma
decisão adversa à GM, para servir aos interesses dos EUA, ele
respondeu que sim, poderia.
Depois, reassegurou os senadores de que um conflito como
esse jamais surgiria. "Não consigo imaginar uma situação em
que isso acontecesse, porque há
anos penso que aquilo que é
bom para o país é bom para a
GM, e vice-versa. Nossa empresa é grande demais. Ela acompanha o bem-estar do país."
Wilson estava exagerando,
mas não muito. Na época, o
destino da GM estava inextricavelmente ligado ao da nação.
Em 1953, a GM era o maior grupo industrial do mundo, um
símbolo do poderio americano.
A empresa respondia por 3% do
PIB do país. Ela era também a
maior empregadora dos EUA e
pagava aos seus operários sólidos salários de classe média,
com benefícios generosos.
Hoje, a Wal-Mart é o maior
empregador dos EUA. A Toyota
é a maior montadora de automóveis, e a GM pediu concordata. E as reconfortantes palavras de Wilson em 1953 agora
ganharam um significado invertido e irônico. Haverá pouca
diferença entre aquilo que é
bom para os EUA e para a GM,
porque a montadora passará a
ser controlada pelos contribuintes norte-americanos.
Percurso de queda
Mas por que os contribuintes
norte-americanos desejariam
ser donos da GM atual? Certamente não porque as ações prometem retornos elevados
quando a economia se recuperar. A GM está em percurso de
queda há anos. Nos anos 60, o
defensor dos consumidores
Ralph Nader revelou que os
carros da montadora eram inseguros. Na década de 70, os
produtores de petróleo do
Oriente Médio provaram que
seus carros gastavam combustível demais. Nos anos 80, as
montadoras de automóveis japonesas os expuseram como
pouco confiáveis e excessivamente caros. Muitos dos norte-americanos mais jovens jamais
compraram um carro da GM
nem pensariam fazê-lo. Mas a
recuperação do valor investido
não pode ser o principal objetivo do resgate. Presumivelmente, o motivo é servir a um propósito público mais elevado.
Mas o objetivo não é óbvio.
A meta não pode ser preservar empregos na GM, porque o
Tesouro dos EUA sinalizou que
a empresa precisa se enxugar se
deseja receber o dinheiro.
O propósito não pode ser
criar uma empresa nova, enxuta e livre de dívidas que um dia
possa propiciar lucros. É isso
que o setor privado deve realizar por sua conta e o que uma
reorganização em concordata
faria.
E o propósito do resgate tampouco pode ser criar uma nova
geração de veículos que utilizem combustíveis de forma
mais eficiente. O Congresso já
ofereceu verbas para tanto às
montadoras. Além disso, o Tesouro afirmou que não tem interesse em ser um investidor
ativo ou dizer à indústria que
carros produzir.
O único propósito prático
que posso imaginar para o resgate é desacelerar o declínio da
GM a fim de oferecer tempo suficiente a trabalhadores, fornecedores, comerciantes e comunidades que dependem da GM
para que se acomodem à extinção da companhia. Mas, se é esse o objetivo, certamente deve
haver maneiras melhores de
alocar bilhões de dólares do que
utilizar o dinheiro para adquirir a GM. Os fundos poderiam
ser gastos de modo mais produtivo para ajudar a região centro-oeste dos EUA a diversificar sua economia e reduzir sua
dependência da indústria automobilística.
Mas os políticos norte-americanos não ousam falar abertamente sobre ajuste industrial
porque o público não deseja ouvir a respeito. Um forte eleitorado deseja preservar os empregos e comunidades existentes tal qual estão, independentemente do custo que isso venha a ter para o público. Outro
grupo igualmente poderoso deseja permitir que os mercados
exercitem sua vontade, a despeito dos custos sociais de curto prazo que o processo possa
acarretar.
Dois eleitorados
Assim, em certo sentido o governo Obama está pagando bilhões de dólares para comprar a
aquiescência de ambos os eleitorados. Está dizendo ao primeiro grupo que os empregos e
as comunidades que dependem
da GM poderão ser mais preservados devido ao resgate; e ao
segundo que os contribuintes e
credores serão compensados
por isso. Mas não está dizendo
toda a verdade a ninguém. A
GM terminará por desaparecer, um dia. O resgate tem o objetivo de prover à economia
tempo suficiente para absorver
o golpe.
Por trás de tudo isso existe o
crescente temor público, do
qual o fim da GM é uma parte
pequena mas reveladora. Meio
século atrás, a prosperidade da
classe média norte-americana
era um dos grandes triunfos do
capitalismo. Quando Wilson
deixou a GM, quase metade das
famílias dos EUA tinha rendas
que se enquadravam à categoria média. A maioria dessas famílias era encabeçada não por
profissionais liberais ou executivos, mas sim por operários especializados e semiespecializados. Os empregos eram sólidos,
e os benefícios de saúde, seguros. Os norte-americanos estavam se tornando mais iguais
em termos econômicos.
Mas, começando três décadas atrás, essas tendências mudaram. Os empregos que não
requerem diplomas universitários para a classe média estão
desaparecendo. A segurança no
emprego é coisa do passado. E a
nação se tornou mais desigual.
A GM era um modelo de segurança econômica e de avanço
na prosperidade. Seu declínio é
um espelho para o desaparecimento de ambas as coisas.
Os contribuintes de classe
média se preocupam com a
possibilidade de que resgatar
empresas como a GM seja inviável. Mas também se preocupam com os empregos que não
podem perder. O édito de Wilson também foi virado de cabeça para baixo: de muitas maneiras, aquilo que foi ruim para a
GM se provou ruim para boa
parte dos EUA.
ROBERT REICH foi secretário do Trabalho dos
EUA e é professor de administração pública na
Universidade da Califórnia em Berkeley.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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