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ENTREVISTA
LUÍS CARLOS GUEDES PINTO
Lentidão em transgênico favorece as multinacionais
Ministro da Agricultura afirma que crise no setor pode custar votos a Lula
MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO
VISTO COM certo pessimismo pelos produtores rurais após a indicação, Luís Carlos
Guedes Pinto, o novo ministro da Agricultura, começa a ganhar a confiança de parte
do setor devido à franqueza com que conduz o ministério. Franqueza que permitiu ao ministro dizer ontem à Folha que a morosidade da CTNBio na avaliação dos 536 projetos para serem avaliados favorece
as multinacionais, em detrimento das pesquisas nacionais. O ministro afirmou, ainda, que o atraso do
governo no socorro à agricultura trouxe insatisfação a algumas áreas rurais, o que pode gerar perda
de votos ao Lula, embora pequena.
FOLHA - Como é assumir um ministério da importância do da Agricultura em meio a uma das maiores crises da história do setor no país?
LUÍS CARLOS GUEDES PINTO - Esse
desafio, sem dúvida, é bastante
significativo. Mas, por eu estar
participando da administração
do governo e da do [ex] ministro Roberto Rodrigues desde o
primeiro dia, o impacto foi um
pouco reduzido.
FOLHA - As coisas estão mais calmas, os produtores se desmobilizaram. A que o senhor atribui isso neste momento?
GUEDES PINTO - Olha, eu acredito
que há vários fatores. Um deles,
sem dúvida, foi o conjunto de
ações que foram desencadeadas pelo governo. Essa crise é
fruto de dois anos.
FOLHA - Ante tantos problemas...
GUEDES PINTO - Então, nesses
dois anos, o governo colocou
em prática medidas de apoio,
principalmente neste ano, porque a crise se agravou. No conjunto de medidas, foram prorrogados débitos da ordem de
R$ 20 bilhões e um apoio à comercialização que deve ultrapassar R$ 2 bilhões. De alguma
maneira, amenizaram a crise e
alcançaram, eu diria, a grande
maioria dos produtores rurais.
FOLHA - A dívida está sendo empurrada para a frente. O quanto essa
crise vai comprometer a agricultura?
GUEDES PINTO - Olha, eu acredito
que, nessa próxima safra, seja
possível que tenhamos uma redução na área plantada. Mas eu
acho que é um pouco prematuro para qualquer afirmação. Os
produtores devem usar também um pouco menos insumos, e isso talvez tenha um impacto na produtividade e, como
conseqüência, na produção.
FOLHA - Ministro, houve um desacerto, na época de Rodrigues, entre
a Agricultura e outros ministérios, e
o governo acabou chegando tarde
com o dinheiro para a agricultura. Isso pode atrapalhar a reeleição do
presidente Lula?
GUEDES PINTO - Olha, de fato, há
uma consciência de que esses
recursos teriam tido um efeito
mais positivo se tivessem sido
liberados com maior antecedência, conforme havia uma
proposição do próprio Ministério da Agricultura. Sem dúvida,
isso gerou uma certa insatisfação no setor rural e é possível
que esses setores também se
sintam não atendidos, digamos,
como gostariam, por parte da
administração do presidente
Lula. Então, é possível que haja
algum impacto em algumas
áreas, mas, por outro lado, há
um reconhecimento, por parte
de uma parcela significativa do
setor, de que o governo, dentro
das suas possibilidades, pôs em
prática tudo que era possível..
FOLHA - O que fazer se a agricultura retomar de novo um ritmo forte
de crescimento?
GUEDES PINTO - Bem, eu creio
que nós temos um problema
sério de infra-estrutura, isso é
inequívoco, não é? A nossa situação se complica na logística,
escoamento da produção. Nós
temos problemas nos portos. A
demora, a taxa de permanência
dos navios é elevada. Acho que
o problema primeiro é esse. Espero que, ao longo do tempo, à
medida que as taxas de juros estão sendo reduzidas, nossos
custos também, comparando
com os nossos concorrentes,
sejam reduzidos.
FOLHA - A aftosa retornou a Mato
Grosso do Sul em 2005. A Newcastle, ao Rio Grande do Sul, em julho, e
a "scrapie", a Mato Grosso do Sul.
Por que essas doenças continuam
ocorrendo? A falha é dos governos
federal, estadual ou municipal ou o
produtor também tem culpa?
GUEDES PINTO - Ah, sem dúvida.
Vou começar pela parte final.
Acho que há uma responsabilidade também dos produtores.
No caso da aftosa, se todos os
produtores vacinassem os seus
animais corretamente, nas
épocas recomendadas tecnicamente... Todos nós sabemos
que, além de vacinar, a vacinação tem que ser correta, na época certa e com a vacina numa
temperatura recomendada. E,
muitas vezes, há produtores
que não vacinam ou não o fazem de forma correta. A vacina
fica ao sol, perde o seu valor
etc., então, inegavelmente, há
uma responsabilidade dos produtores nesse processo.
O caso do Newcastle é a mesma coisa. O foco foi numa pequena propriedade em que os
animais não foram vacinados.
FOLHA - E a função do governo?
GUEDES PINTO - Sem dúvida alguma, há uma responsabilidade tanto do governo federal
quanto do estadual, na medida
em que nos cabe ser mais rigorosos na supervisão do processo de vacinação e de controle.
FOLHA - O senhor chegou visto como um defensor do MST e da agricultura familiar e vem surpreendendo na defesa dos transgênicos, que,
por ora, ainda é uma tecnologia voltada mais para o grande produtor.
Como o senhor vê essa nova tecnologia dos transgênicos no país?
GUEDES PINTO - O que eu tenho
procurado é fazer com que a
discussão dos transgênicos seja
feita com mais objetividade e
base científica. Porque o que
nós verificamos é que há muitas manifestações sobre esse
tema sem o embasamento adequado. Muitas pessoas não têm
informações sobre o assunto.
Eu vou dar um exemplo: a quase totalidade da insulina consumida no mundo pelos diabéticos é transgênica. Os transgênicos já são usados há mais de dez
anos no mundo e até hoje não
foi identificado um mal-estar
decorrente deles. Nós precisamos colocar esse debate num
plano muito mais racional.
FOLHA - O senhor acha que deveria
ser liberado o plantio para outros
produtos?
GUEDES PINTO - A nossa posição
é que a CTNBio, que é o órgão
criado pelo governo com esse
propósito, manifeste-se sobre
isso. A CTNBio é composta por
estudiosos, e cabe a eles essas
decisões. Acredito que, em autorizando o plantio de algodão
ou outras espécies com transgênicos, isso deve ser feito.
FOLHA - Para todos os produtos
que que já tenham essa tecnologia?
GUEDES PINTO - Não, veja bem,
eu sou favorável a que esse
plantio seja feito com prévia
autorização da CTNBio, que é
composta por 27 membros, representantes dos mais variados
segmentos da sociedade. Cabe
a ela tomar essa decisão e levar
em conta todos os aspectos relativos ao impacto do uso de
transgênicos.
FOLHA - A CTNBio não está um
pouco morosa nas apreciações?
GUEDES PINTO - É verdade, é verdade, e nós estamos preocupados com essa questão da lentidão da CTNBio, e essa é a razão
pela qual amanhã [hoje] haverá
uma reunião de nove ministros, coordenados pela ministra Dilma [Rousseff, da Casa Civil], para tratar exatamente
desse tema. Há necessidade de
que a CTNBio dê vazão a essas
536 demandas. Nós estamos
preocupados porque muitos
trabalhos de pesquisa da Embrapa estão paralisados.
FOLHA - E com isso se perdem as
pesquisas já realizadas?
GUEDES PINTO - Ao contrário do
que pensam alguns, que, paralisando as pesquisas, resguardam-se os interesses nacionais
em prejuízo das multinacionais, eu diria que é o inverso.
Algumas multinacionais é que
detêm o conhecimento, a informação e as variedades transgênicas. E a Embrapa, uma empresa pública, pode pôr à disposição da sociedade toda, sem
ônus, variedades mais produtivas e, eventualmente, transgênicas, desde que aprovadas pela
CTNBio.
A Embrapa não está podendo
desenvolver suas pesquisas
pois não está autorizada. Então, na prática, essa posição de
paralisia da CTNBio prejudica
a maioria dos produtores nacionais e favorece o interesse
daqueles que já detêm variedades transgênicas já autorizadas
para plantio no Brasil.
FOLHA - Então, nesse vácuo dessa
legislação, a pesquisa brasileira não
avança, o que não ocorre com as
multinacionais que têm projetos em
outras áreas e chegam com os produtos quase prontos.
GUEDES PINTO - Exatamente, e
muitas vezes entram no mercado como entrou a soja, via outros países, irregularmente, e
depois...
FOLHA - Toda vez em que se fala
em índice de produtividade, o agricultor empresarial fica apreensivo.
Eles já estão definidos?
GUEDES PINTO - Esse tema foi estudado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e pelo
Ministério da Agricultura no final do ano passado, início deste
ano. Houve várias reuniões técnicas sobre isso de grupos técnicos dos dois ministérios e esses estudos foram posteriormente analisados em conjunto
pela Casa Civil.
FOLHA - O senhor era considerado
defensor dos movimentos sociais,
trazendo desconfiança dos grandes
produtores. Como o senhor avalia
esses movimentos sociais?
GUEDES PINTO - Ao longo da minha vida, eu trabalhei em várias
instituições. Na universidade,
estudei a questão agrária brasileira, a reforma agrária e, por
via de conseqüência, os movimentos sociais dos trabalhadores rurais há 30, 40 anos, e,
mais recentemente, acompanhando esses novos movimentos, entre eles o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra. No Ministério da Agricultura, o objetivo é manter o
diálogo com todos os segmentos da sociedade, inclusive com
os movimentos sociais. Os trabalhadores rurais sem terra
também se organizaram para
defender seus interesses. Então, acho que o movimento, como os demais, é representativo
de determinados setores.
FOLHA - O senhor não acha que esses movimentos, às vezes, exageram um pouco nas invasões ou até
nas depredações de área de experimentos?
GUEDES PINTO - Eu acredito que,
o que caracteriza uma sociedade organizada como a nossa são
normas de convivência entre as
pessoas. Houve ocasiões em
que alguns desses segmentos
talvez tenham ultrapassado os
limites previstos nessas normas, e eu acho que cabe ao poder público mantê-las.
FOLHA - E a bioenergia?
GUEDES PINTO - Ah, sem dúvida,
é prioridade absoluta.
FOLHA - O avanço da bioenergia
pode elevar o preço dos alimentos?
GUEDES PINTO - Eu acredito que
o Brasil tem uma posição peculiar no mundo. No Brasil, nós
temos dezenas de milhões de
hectares de terras agricultáveis, que não estão sendo utilizadas. Esse ponto não nos
preocupa.
FOLHA - Se o senhor iniciasse 2007
como ministro da Agricultura, quais
seriam as prioridades?
GUEDES PINTO - Olha, primeiro
eu acho que essa hipótese não
existe...
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