São Paulo, quarta-feira, 02 de agosto de 2006

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ENTREVISTA

LUÍS CARLOS GUEDES PINTO

Lentidão em transgênico favorece as multinacionais

Ministro da Agricultura afirma que crise no setor pode custar votos a Lula

MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO

VISTO COM certo pessimismo pelos produtores rurais após a indicação, Luís Carlos Guedes Pinto, o novo ministro da Agricultura, começa a ganhar a confiança de parte do setor devido à franqueza com que conduz o ministério. Franqueza que permitiu ao ministro dizer ontem à Folha que a morosidade da CTNBio na avaliação dos 536 projetos para serem avaliados favorece as multinacionais, em detrimento das pesquisas nacionais. O ministro afirmou, ainda, que o atraso do governo no socorro à agricultura trouxe insatisfação a algumas áreas rurais, o que pode gerar perda de votos ao Lula, embora pequena.

FOLHA - Como é assumir um ministério da importância do da Agricultura em meio a uma das maiores crises da história do setor no país?
LUÍS CARLOS GUEDES PINTO
- Esse desafio, sem dúvida, é bastante significativo. Mas, por eu estar participando da administração do governo e da do [ex] ministro Roberto Rodrigues desde o primeiro dia, o impacto foi um pouco reduzido.

FOLHA - As coisas estão mais calmas, os produtores se desmobilizaram. A que o senhor atribui isso neste momento?
GUEDES PINTO
- Olha, eu acredito que há vários fatores. Um deles, sem dúvida, foi o conjunto de ações que foram desencadeadas pelo governo. Essa crise é fruto de dois anos.

FOLHA - Ante tantos problemas...
GUEDES PINTO
- Então, nesses dois anos, o governo colocou em prática medidas de apoio, principalmente neste ano, porque a crise se agravou. No conjunto de medidas, foram prorrogados débitos da ordem de R$ 20 bilhões e um apoio à comercialização que deve ultrapassar R$ 2 bilhões. De alguma maneira, amenizaram a crise e alcançaram, eu diria, a grande maioria dos produtores rurais.

FOLHA - A dívida está sendo empurrada para a frente. O quanto essa crise vai comprometer a agricultura?
GUEDES PINTO
- Olha, eu acredito que, nessa próxima safra, seja possível que tenhamos uma redução na área plantada. Mas eu acho que é um pouco prematuro para qualquer afirmação. Os produtores devem usar também um pouco menos insumos, e isso talvez tenha um impacto na produtividade e, como conseqüência, na produção.

FOLHA - Ministro, houve um desacerto, na época de Rodrigues, entre a Agricultura e outros ministérios, e o governo acabou chegando tarde com o dinheiro para a agricultura. Isso pode atrapalhar a reeleição do presidente Lula?
GUEDES PINTO
- Olha, de fato, há uma consciência de que esses recursos teriam tido um efeito mais positivo se tivessem sido liberados com maior antecedência, conforme havia uma proposição do próprio Ministério da Agricultura. Sem dúvida, isso gerou uma certa insatisfação no setor rural e é possível que esses setores também se sintam não atendidos, digamos, como gostariam, por parte da administração do presidente Lula. Então, é possível que haja algum impacto em algumas áreas, mas, por outro lado, há um reconhecimento, por parte de uma parcela significativa do setor, de que o governo, dentro das suas possibilidades, pôs em prática tudo que era possível..

FOLHA - O que fazer se a agricultura retomar de novo um ritmo forte de crescimento?
GUEDES PINTO
- Bem, eu creio que nós temos um problema sério de infra-estrutura, isso é inequívoco, não é? A nossa situação se complica na logística, escoamento da produção. Nós temos problemas nos portos. A demora, a taxa de permanência dos navios é elevada. Acho que o problema primeiro é esse. Espero que, ao longo do tempo, à medida que as taxas de juros estão sendo reduzidas, nossos custos também, comparando com os nossos concorrentes, sejam reduzidos.

FOLHA - A aftosa retornou a Mato Grosso do Sul em 2005. A Newcastle, ao Rio Grande do Sul, em julho, e a "scrapie", a Mato Grosso do Sul. Por que essas doenças continuam ocorrendo? A falha é dos governos federal, estadual ou municipal ou o produtor também tem culpa?
GUEDES PINTO
- Ah, sem dúvida. Vou começar pela parte final. Acho que há uma responsabilidade também dos produtores. No caso da aftosa, se todos os produtores vacinassem os seus animais corretamente, nas épocas recomendadas tecnicamente... Todos nós sabemos que, além de vacinar, a vacinação tem que ser correta, na época certa e com a vacina numa temperatura recomendada. E, muitas vezes, há produtores que não vacinam ou não o fazem de forma correta. A vacina fica ao sol, perde o seu valor etc., então, inegavelmente, há uma responsabilidade dos produtores nesse processo. O caso do Newcastle é a mesma coisa. O foco foi numa pequena propriedade em que os animais não foram vacinados.

FOLHA - E a função do governo?
GUEDES PINTO
- Sem dúvida alguma, há uma responsabilidade tanto do governo federal quanto do estadual, na medida em que nos cabe ser mais rigorosos na supervisão do processo de vacinação e de controle.

FOLHA - O senhor chegou visto como um defensor do MST e da agricultura familiar e vem surpreendendo na defesa dos transgênicos, que, por ora, ainda é uma tecnologia voltada mais para o grande produtor. Como o senhor vê essa nova tecnologia dos transgênicos no país?
GUEDES PINTO
- O que eu tenho procurado é fazer com que a discussão dos transgênicos seja feita com mais objetividade e base científica. Porque o que nós verificamos é que há muitas manifestações sobre esse tema sem o embasamento adequado. Muitas pessoas não têm informações sobre o assunto. Eu vou dar um exemplo: a quase totalidade da insulina consumida no mundo pelos diabéticos é transgênica. Os transgênicos já são usados há mais de dez anos no mundo e até hoje não foi identificado um mal-estar decorrente deles. Nós precisamos colocar esse debate num plano muito mais racional.

FOLHA - O senhor acha que deveria ser liberado o plantio para outros produtos?
GUEDES PINTO
- A nossa posição é que a CTNBio, que é o órgão criado pelo governo com esse propósito, manifeste-se sobre isso. A CTNBio é composta por estudiosos, e cabe a eles essas decisões. Acredito que, em autorizando o plantio de algodão ou outras espécies com transgênicos, isso deve ser feito.

FOLHA - Para todos os produtos que que já tenham essa tecnologia?
GUEDES PINTO
- Não, veja bem, eu sou favorável a que esse plantio seja feito com prévia autorização da CTNBio, que é composta por 27 membros, representantes dos mais variados segmentos da sociedade. Cabe a ela tomar essa decisão e levar em conta todos os aspectos relativos ao impacto do uso de transgênicos.

FOLHA - A CTNBio não está um pouco morosa nas apreciações?
GUEDES PINTO
- É verdade, é verdade, e nós estamos preocupados com essa questão da lentidão da CTNBio, e essa é a razão pela qual amanhã [hoje] haverá uma reunião de nove ministros, coordenados pela ministra Dilma [Rousseff, da Casa Civil], para tratar exatamente desse tema. Há necessidade de que a CTNBio dê vazão a essas 536 demandas. Nós estamos preocupados porque muitos trabalhos de pesquisa da Embrapa estão paralisados.

FOLHA - E com isso se perdem as pesquisas já realizadas?
GUEDES PINTO
- Ao contrário do que pensam alguns, que, paralisando as pesquisas, resguardam-se os interesses nacionais em prejuízo das multinacionais, eu diria que é o inverso. Algumas multinacionais é que detêm o conhecimento, a informação e as variedades transgênicas. E a Embrapa, uma empresa pública, pode pôr à disposição da sociedade toda, sem ônus, variedades mais produtivas e, eventualmente, transgênicas, desde que aprovadas pela CTNBio. A Embrapa não está podendo desenvolver suas pesquisas pois não está autorizada. Então, na prática, essa posição de paralisia da CTNBio prejudica a maioria dos produtores nacionais e favorece o interesse daqueles que já detêm variedades transgênicas já autorizadas para plantio no Brasil.

FOLHA - Então, nesse vácuo dessa legislação, a pesquisa brasileira não avança, o que não ocorre com as multinacionais que têm projetos em outras áreas e chegam com os produtos quase prontos.
GUEDES PINTO
- Exatamente, e muitas vezes entram no mercado como entrou a soja, via outros países, irregularmente, e depois...

FOLHA - Toda vez em que se fala em índice de produtividade, o agricultor empresarial fica apreensivo. Eles já estão definidos?
GUEDES PINTO
- Esse tema foi estudado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e pelo Ministério da Agricultura no final do ano passado, início deste ano. Houve várias reuniões técnicas sobre isso de grupos técnicos dos dois ministérios e esses estudos foram posteriormente analisados em conjunto pela Casa Civil.

FOLHA - O senhor era considerado defensor dos movimentos sociais, trazendo desconfiança dos grandes produtores. Como o senhor avalia esses movimentos sociais?
GUEDES PINTO
- Ao longo da minha vida, eu trabalhei em várias instituições. Na universidade, estudei a questão agrária brasileira, a reforma agrária e, por via de conseqüência, os movimentos sociais dos trabalhadores rurais há 30, 40 anos, e, mais recentemente, acompanhando esses novos movimentos, entre eles o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. No Ministério da Agricultura, o objetivo é manter o diálogo com todos os segmentos da sociedade, inclusive com os movimentos sociais. Os trabalhadores rurais sem terra também se organizaram para defender seus interesses. Então, acho que o movimento, como os demais, é representativo de determinados setores.

FOLHA - O senhor não acha que esses movimentos, às vezes, exageram um pouco nas invasões ou até nas depredações de área de experimentos?
GUEDES PINTO
- Eu acredito que, o que caracteriza uma sociedade organizada como a nossa são normas de convivência entre as pessoas. Houve ocasiões em que alguns desses segmentos talvez tenham ultrapassado os limites previstos nessas normas, e eu acho que cabe ao poder público mantê-las.

FOLHA - E a bioenergia?
GUEDES PINTO
- Ah, sem dúvida, é prioridade absoluta.

FOLHA - O avanço da bioenergia pode elevar o preço dos alimentos?
GUEDES PINTO
- Eu acredito que o Brasil tem uma posição peculiar no mundo. No Brasil, nós temos dezenas de milhões de hectares de terras agricultáveis, que não estão sendo utilizadas. Esse ponto não nos preocupa.

FOLHA - Se o senhor iniciasse 2007 como ministro da Agricultura, quais seriam as prioridades?
GUEDES PINTO
- Olha, primeiro eu acho que essa hipótese não existe...


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