São Paulo, domingo, 02 de setembro de 2007

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Usinas do Madeira turbinam Rondônia

Preços de imóveis têm valorização de 30% e Estado recebe R$ 645 milhões em verbas do PAC para infra-estrutura

Porto Velho poderá receber até 100 mil pessoas por causa das obras, mas tem só 3% de coleta de esgoto e 45% de água encanada

Antônio Gaudério/Folha Imagem
O vilarejo de Mutum, com 400 famílias, que deve ser coberto pelas águas da represa de Jirau, no rio Madeira, no Estado de Rondônia

FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A RONDÔNIA

O anúncio da construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau no rio Madeira, em Rondônia, já provoca uma nova "corrida do ouro" na região.
Há um boom de novos empreendimentos imobiliários e de preços -valorização de até 30%- na capital, Porto Velho, investimentos de empresas e comércio e corrida contra o relógio para treinar a mão-de-obra local, 36% dela desempregada ou dependente de empregos extremamente precários.
Com 380 mil habitantes e apenas 3% das residências atendidas por rede de esgoto e menos de 45% contando com água encanada, Porto Velho teme um inchaço explosivo de mais de 100 mil pessoas (25% a mais) em sua população. Hoje, a cidade tem apenas um hospital e um pronto-socorro.
A expectativa é que milhares de pessoas corram atrás de um emprego nas duas maiores obras programadas no governo Lula. Juntas, as usinas devem consumir até R$ 28 bilhões em investimentos para gerar, a partir de 2013, 6.450 MW de energia e tentar tirar o país da rota de um novo apagão.
Centenas de famílias também devem ser removidas de algumas localidades próximas ao rio Madeira. O povoado de Mutum, a 165 km ao sul de Porto Velho e com 400 famílias, deve desaparecer completamente das margens da BR-364.

Famílias removidas
Bem próximo a Porto Velho, outras centenas terão de deixar áreas na beira do rio onde residem praticamente por toda a vida. Todos terão de ser acomodados em moradias que ainda não existem. No total, cerca de 4.000 pessoas devem ser desalojadas por duas represas.
Por causa da sua água barrenta e cheia de sedimentos, não haverá grandes represas no Madeira para as usinas, que poderiam "entupir" por causa do acúmulo de lama.
Pelo projeto, a posição das turbinas será na horizontal, usando o fluxo do rio para movimentá-las. Por isso, as duas represas devem ocupar, no máximo, uma área de 200 km2. A represa de Sobradinho (BA) tem, por exemplo, 4.200 km2. A de Itaipu (PR), 1.350 km2.
A pesca, principal fonte de recursos da população mais carente e vital para Porto Velho, também deve ser afetada pelo represamento em dois pontos distintos do largo, profundo e barrento rio Madeira. Cerca de 3.000 quilos de peixe são tirados diariamente do rio.
O garimpo, que ainda atrai milhares de profissionais, aventureiros e desempregados, também será afetado. Hoje, estima-se que 300 dragas e quase 1.000 balsas operem nessa atividade no Madeira, onde mergulhadores descem a mais de 30 metros, em plena escuridão, com mangueiras de ar na boca e cintos de chumbo, para sugar terra, e ouro, do leito do rio.
A usina de Santo Antônio, a primeira a ser construída, ficará a apenas alguns quilômetros ao sul de Porto Velho. A de Jirau estará ainda mais ao sul, a 170 km da capital e no caminho para a Bolívia, de onde vem o sentido da corrente do rio.
O leilão público para a escolha do grupo que irá tocar as obras do Madeira ocorrerá nos próximos meses, mas é clara a preponderância nos contatos com as famílias do consórcio formado pela privada Odebrecht e a pública Furnas.
Para tentar minimizar os estragos do inchaço iminente e tentar tirar proveito das usinas, as autoridades de Rondônia já iniciaram uma ambiciosa operação de treinamento de mão-de-obra e captação de recursos federais para infra-estrutura.
Em julho, o governo Lula anunciou R$ 645 milhões do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) para Rondônia. Porto Velho, governada pelo PT, foi um dos municípios que mais receberam dinheiro no país na proporção per capita. Ficou com R$ 500 milhões para saneamento e moradia.
Convênios com o Ministério do Trabalho e instituições como Sesc e Senai pretendem também aplicar outros R$ 9,8 milhões para treinar 25 mil pessoas em atividades ligadas à construção das usinas e nos serviços de seu entorno.
Para se inscrever, milhares de rondonienses chegaram a ficar 48 horas em filas nas últimas semanas. Muitos dos que não conseguiram uma vaga para cursos como de mecânico ou soldador acabaram pagando viagens do próprio bolso para buscar treinamento em locais tão distantes como São Paulo.


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