São Paulo, terça-feira, 02 de setembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VINICIUS TORRES FREIRE

Infâmias, leviandades e grampos


Patifaria do grampo suscita reação que revela degradação do Executivo e do Legislativo e Judiciário que usurpa poderes

ONDE O presidente da Corte Suprema de Justiça pode chamar o presidente da República "às falas"? Num país em que o presidente da República diz que o mensalão foi uma campanha de "infâmias e leviandades" contra seu partido. Onde o presidente legisla à matroca, por meio de decretos provisórios, e o Judiciário usurpa o Poder Legislativo, em atos e falas? Num país em que o Congresso se dedica a coisas como o mensalão e a eleger Severino Cavalcanti e Renan Calheiros para presidir suas Casas.
O fim de semana foi rico em disparates institucionais, e não em "crise institucional". A ignorância e a vulgaridade mais uma vez barateiam a expressão a fim de dar nome ao que é um caso de polícia, grave, mas um caso de polícia. Trata-se aqui, claro, do grampo nas conversas do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e do senador Demóstenes Torres, do Democratas, e talvez de muitas outras autoridades da República. As manifestações que se seguiram à revelação da patifaria em parte são compreensíveis, dada a gravidade política do assunto, e a indignação e o sentimento de ultraje são mais do que esperados de quem se vê espionado. Mas o episódio diz mais. Conecta-se a um crescendo de distorções que são, estas sim, sinal de degradação institucional, mais crônica do que crítica.
Mesmo descontada a indignação, Mendes passou dos limites ao atropelar até seu declarado apreço pela presunção de inocência. Se disse que o presidente tem de ser chamado "às falas", é porque atribui culpa a alguma repartição do Executivo e, por tabela, a Lula. Mendes tende a passar dos limites políticos e constitucionais porque tem inclinação para fazê-lo, pendor notado desde que se comportava de maneira autoritária e atrabiliária na Advocacia Geral da União, sob FHC. Mas torna-se desimpedido para fazê-lo devido à degradação dos outros Poderes. Na semana passada, Mendes organizou em uma palestra suas idéias sobre o intervencionismo judiciário.
Criticou o "salvacionismo" e as "exacerbações" de Ministério Público, CPIs e polícia, mas parecia sugerir, talvez inadvertidamente, que agora é o momento de extravagância da Corte Suprema. "Mas é evidente que, em alguns casos, a inércia legislativa acentuada, sem nenhuma solução, exige que se quebre também a própria inércia judicial", palestrou.
O Judiciário é desacreditado por ser lento, por aturar a chicana e por ser elitista, alguns dos fatores que estimulam a impunidade, que propicia canalhices como o grampo.
Mas, na sua seara, a Corte Suprema tende à inércia. Na política, é ativista por meio de decisões e da falação desenfreada dos ministros do Supremo, que interferem na atividade de poderes eleitos. O ativismo voluntário do Supremo é inconstitucional -juízes só podem agir quando provocados porque não foram eleitos.
Por falar nisso, trata-se de problemas do Judiciário que o próprio Mendes quis atacar, de forma porém imprópria, quando advogado-geral. Dizia então que "o autismo é um mal complicado do Judiciário" (ainda é) e chegou a mandar carta para ministros do Supremo de então, criticando declarações anônimas à imprensa, entre outras tentativas de interferir indevidamente em outras instituições da República.

vinit@uol.com.br


Texto Anterior: Estimativa de custo é exagerada, afirma Petrobras
Próximo Texto: Cesta básica recua até 11% em agosto, afirma Dieese
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.