São Paulo, sábado, 02 de outubro de 2004

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LUÍS NASSIF

A história se repete

Nas duas colunas anteriores, tentei desenvolver um pouco mais algumas hipóteses sobre os fatores que, no Império e na República Velha, levaram à plena liberalização cambial, à apreciação do câmbio, ao agravamento das vulnerabilidades externas, afrontando toda a lógica de desenvolvimento nacional.
A hipótese é que, por trás dessas políticas, estavam interesses rentistas da parcela da elite, com acesso à banca internacional. Seu ganho maior consistia em gerar uma poupança inicial com sua atividade primária (comercialização de escravos ou exportação de café ou mesmo corrupção interna). Depois, alavancar financiamentos na City londrina -na época, o mais poderoso e moderno centro financeiro do mundo. Poupança própria e crédito barato eram investidos no Brasil a taxas elevadas em nome do banco inglês -mas os capitais eram brasileiros. O ganho principal mudava da atividade econômica em si para a arbitragem de taxas.
Esse modelo é o que explica a estagnação da economia no Império e na República Velha. Impedia o desenvolvimento por trazer, implícitos, a volatilidade cambial (liquidando com a produção nacional a cada valorização da moeda), a escassez de crédito em moeda local e, conseqüentemente, os juros proibitivos para a atividade produtiva. A moeda ficava com quem tinha o poder.
Como o sistema bancário era pouco desenvolvido na época, os grandes intérpretes do país não atinaram para essa função central dos ganhos de arbitragem na definição da política econômica.
Agora, o CD do MTB Bank escancara para quem quiser ver as entranhas desse modelo. Mostra o portentoso fluxo de transferência de dólares para o exterior, por meio das contas CC-5, misturando atividades lícitas, sonegação fiscal e dinheiro de origem criminosa. Permite avaliar o portentoso fluxo de retorno para o país por meio do anexo 4. Os indicadores da década mostraram que essa poupança não se transformou em investimento.
Tal e qual naqueles tempos, a manutenção desse tipo de política econômica predadora era sustentada pelo que Manuel Bonfim chamava de os "financistas", os jovens que estudaram no exterior, que vinham com as últimas teorias importadas dos grandes centros e que davam a legitimação teórica para o estupro monetário. Apenas a história foi capaz de demonstrar a falsidade dos argumentos utilizados, porque a soma de interesses internos era muito forte para permitir o exercício da racionalidade em tempo real.
Em todo o mundo, o Brasil era conhecido pelos índices de corrupção, pela vergonha de ser o último país a abolir a escravatura, pelo espetáculo vergonhoso dos homens de negócio e da política que enriqueciam com corrupção e iam usufruir dos prazeres na Europa -tema de uma ópera que fez bastante sucesso em Paris, ao tempo em que Carlos Gomes por lá passou.
O único ponto que se fazia questão de preservar eram os interesses dos credores internacionais. Por que, por trás da fachada oficial do banco inglês, estavam os capitais brasileiros dos rentistas.

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