|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Como recapitalizar o sistema bancário
GEORGE SOROS
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
A LEGISLAÇÃO de emergência em estudo pelo
Congresso dos EUA foi
mal calculada ou, para ser mais
preciso, não foi calculada. E
quando o Congresso tentou
aperfeiçoar o que o Tesouro havia solicitado originalmente,
emergiu um plano combinado
que consiste do Programa de
Alívio a Ativos Problemáticos
(Tarp, na sigla em inglês) que o
Tesouro solicitou e de um programa bastante diferente de infusão de capital sob o qual o governo investiria em e estabilizaria bancos enfraquecidos, e
sairia lucrando quando a economia vier a melhorar.
A abordagem de infusão de
capital custará menos aos contribuintes nos anos futuros e
poderá até dar lucro a eles.
Duas semanas atrás, o Tesouro não tinha um plano preparado -é por isso que teve de
solicitar total liberdade quanto
ao desembolso dos recursos.
Mas a idéia geral era a de propiciar alívio ao sistema bancário
ao assumir os títulos tóxicos
dos bancos e estacioná-los em
um fundo controlado pelo governo, de modo a que não fossem despejados no mercado a
preços cada vez menores.
Com o valor de seus investimentos estabilizado, os bancos
poderiam, então, levantar capital acionário.
A idéia estava repleta de dificuldades. Os títulos tóxicos não
são homogêneos, e, em qualquer processo de leilão, os vendedores certamente transferirão ao governo os piores deles.
Além disso, o esquema trata só
de metade do problema subjacente à indisponibilidade de
crédito. Pouco faz para permitir que os proprietários de casas
cumpram suas obrigações hipotecárias e pouco faz para resolver o problema da execução
de hipotecas. Com os preços
das casas ainda em queda, caso
o governo estabeleça preços
elevados aos títulos lastreados
por hipotecas, os contribuintes
poderiam sair perdendo; mas,
se o governo não pagar mais do
que os papéis valem, o sistema
bancário não teria sua situação
muito aliviada e não conseguiria atrair capital privado.
Um esquema que beneficie o
mundo financeiro tão pesadamente, em detrimento da economia mais ampla, seria inaceitável politicamente. Os democratas, que detêm a maioria no
Legislativo, alteraram os termos, de modo a punir as instituições financeiras que se beneficiem do plano. Os republicanos decidiram que não poderiam ficar para trás e impuseram o requisito de que os títulos oferecidos em leilão deveriam ser cobertos por seguros
cujos prêmios seriam pagos pela empresa oferecedora. O pacote de resgate, em sua forma
atual, constitui um amálgama
de múltiplas abordagens. E
existe risco real de que o programa de aquisição de ativos
não venha a ser empregado plenamente devido às condições
onerosas que foram impostas.
Mesmo assim, um pacote de
resgate era desesperadamente
necessário e, a despeito de suas
deficiências, poderia alterar o
curso dos acontecimentos. Ainda em 22 de setembro, o secretário do Tesouro, Henry Paulson, expressava a esperança de
evitar o uso de dinheiro dos
contribuintes; por isso permitiu a quebra do Lehman Brothers. O Tarp estabelece o princípio de que fundos públicos
são necessários e, se o programa atual não funcionar, outros
programas serão instituídos.
Já que o Tarp foi mal calculado, seria previsível que causasse resposta negativa da parte
dos credores dos EUA. Eles o
veriam como tentativa de liquidar a dívida por inflação. O dólar deve sofrer pressão renovada, e o governo terá de pagar
mais para colocar seus títulos
de dívida, especialmente os de
longo prazo. Essas conseqüências adversas poderiam ser mitigadas por um uso mais efetivo
do dinheiro dos contribuintes.
Em lugar de apenas adquirir
ativos problemáticos, o grosso
do dinheiro deveria ser usado
para recapitalizar o sistema
bancário. Fundos injetados em
nível de capital têm mais efeito
do que fundos usados para
equilibrar balanços por um fator mínimo de 12 -o que equivaleria, em termos práticos, a
fornecer ao governo US$ 8,4
trilhões para reativar o fluxo de
crédito. Na verdade, o efeito seria ainda maior porque a injeção de fundos do governo também atrairia capital privado. O
resultado seria maior recuperação econômica e chance de
lucro aos contribuintes.
Eis como o sistema poderia
funcionar. O secretário do Tesouro dependeria de auditores
bancários em lugar de delegar a
implementação do Tarp às empresas de Wall Street. Os auditores bancários estabeleceriam
as necessidades de capital acionário adicional para cada banco, a fim de que atingissem capitalização adequada nos termos das atuais normas de capitalização. Caso os administradores dos bancos não sejam capazes de levantar o dinheiro requerido junto ao setor privado,
poderiam recorrer ao Tarp.
O Tarp investiria em ações
preferenciais com prioridade
de remuneração. As ações preferenciais ofereceriam juros
baixos (digamos, 5%), para que
os bancos mantivessem o interesse em continuar emprestando. Os acionistas anteriores, no
entanto, pagariam um preço
pesado, porque suas posições
seriam diluídas pelas novas
ações preferenciais prioritárias. Mas eles teriam o direito
de subscrever novas ações emitidas nos termos do Tarp. Esses
direitos seriam negociáveis, e o
secretário do Tesouro seria instruído a estabelecer termos de
modo a que os direitos possam
ter valor positivo.
Investidores privados como
eu provavelmente correriam
para aproveitar a oportunidade. Os bancos recapitalizados
teriam autorização para elevar
seu endividamento e por isso
retomariam os empréstimos.
Limites ao endividamento bancário seriam impostos posteriormente, depois que a economia se tiver recuperado. Caso o
dinheiro fosse usado dessa maneira, a recapitalização do sistema bancário poderia ser conduzida com menos de US$ 500
bilhões em verbas públicas.
Uma legislação de emergência revisada também deveria
oferecer mais ajuda aos proprietários de casas. O projeto
requereria que o Tesouro desse
financiamento barato a títulos
hipotecários cujos termos tenham sido renegociados, com
base no custo de captação do
Tesouro. As companhias de
serviços hipotecários poderiam
ser proibidas de cobrar honorários pela execução de hipotecas, mas seria de esperar que os
detentores de títulos oferecessem incentivos à renegociação,
como a Freddie Mac e a Fannie
Mae já vêm fazendo.
Os bancos considerados insolventes não seriam elegíveis
para recapitalização. A FDIC
(agência federal que oferece seguro aos depósitos bancários)
tomaria o controle dessas empresas e seria recapitalizada
com US$ 200 bilhões, como
medida de emergência, e removeria o limite de US$ 100 mil
aos depósitos que garante. Essa
revisão na lei seria mais equânime, teria mais chance de sucesso e custaria menos aos
acionistas no longo prazo.
GEORGE SOROS é presidente do conselho da
Soros Fund Management
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Texto Anterior: Com queda da Bolsa, empresas começam a recomprar ações Próximo Texto: Frase Índice
|