São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2008

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Cresce tensão entre banqueiros e governo

Executivos dizem que BC quer um vilão para possíveis problemas da economia; para órgão, travamento é ruim para todos

BC já mostrou que não está confortável com o conservadorismo do sistema e avisou aos bancos que essa atitude vai custar caro

SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A tentativa do BC de forçar os grandes bancos privados a comprarem carteiras de instituições menores, assumindo uma atitude mais ativa no combate à falta de dinheiro em circulação por causa da crise externa, fez subir a temperatura entre banqueiros e equipe econômica. Executivos de bancos ouvidos pela Folha identificam um viés político por trás da medida e avaliam que o governo procura um vilão para os problemas que a economia deverá enfrentar no ano que vem.
No BC, essa tese é rebatida e a redução da remuneração paga pelo governo sobre a parcela dos recursos captados nos depósitos a prazo -como lançamento de papéis pelos bancos (CDBs)- é defendida como uma forma de acelerar as negociações em andamento e fazer as instituições financeiras buscarem novas opções de compra, liberando dinheiro que será repassado às empresas.
Tudo porque, segundo a Folha apurou, se avalia que, diante da dimensão da crise, destravar o mercado de crédito é o teste de fogo para o BC e uma ameaça para toda a economia. No entanto, os efeitos da medida são incertos e podem ficar longe do esperado.
Além de aumentar o custo dos empréstimos que fazem com a parte dos recursos a prazo que fica liberada para aplicarem livremente (compensando a perda de remuneração imposta pelo BC), as grandes instituições poderão reduzir o preço que se dispõem a pagar pelas carteiras dos bancos menores que estão no sufoco.
O BC mostrou claramente que não está confortável com o conservadorismo do sistema diante do cenário de escassez de liquidez e avisou os bancos que essa atitude irá custar caro. Para os executivos, punir as instituições nesse caso é querer que elas sejam menos rígidas nas compras de carteiras. Isso se traduzirá no preço que elas oferecerão pelos ativos.
A avaliação é que o Banco Central sabe muito bem que não é possível tratar de forma igual todo o segmento de bancos pequenos e médios e que as grandes instituições não comprarão o que não querem nem que sejam obrigadas a depositar dinheiro sem remuneração nos cofres do BC.
Ao mesmo tempo, os bancos não querem partir para o confronto direto com o governo e dar munição política para serem colocados de vilões perante a sociedade. É tradição a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) se manter calada ou até apoiar publicamente, mas, nos bastidores, o desconforto com a decisão do BC foi grande.
Até porque, reclamam, o BC sabe que negociações estão em andamento e que é preciso tempo para analisar uma carteira em que as operações de crédito foram concedidas por terceiros, com gestão de risco distinta. Para um executivo, mesmo que já estivesse em andamento, a negociação que sair agora parecerá que foi por causa da decisão do BC.
No centro do embate está exatamente a dificuldade de "precificar" risco na crise. A volatilidade é tal que o medo de fazer uma operação ruim que leve a perdas só contribui para que todos fiquem onde estão.
Do lado do governo, sem a contribuição dos bancos neste momento, muito provavelmente boa parte dessas empresas se tornará inadimplente, com sérias implicações para o nível de atividade justamente nos dois últimos anos de mandato do presidente Lula.
O BC está certo ainda que há muitas carteiras de crédito que podem ser negociadas. Para o mercado, há muito risco envolvido nelas. O governo, no entanto, vê como risco maior travar toda a economia porque todo mundo perderá junto.

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