UOL


São Paulo, terça-feira, 02 de dezembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

Macro e microeconomia

Que se percam as esperanças. Essa história de que bastarão marcos regulatórios adequados para o investimento externo afluir é auto-ilusão. É a velhíssima história de "fazer a lição de casa", enquanto se permitem políticas macroeconômicas que desarrumam completamente o ambiente econômico.
Como lembra em e-mail Fernando Pinto Ferreira, sócio-diretor da Global Invest, de Curitiba -em reforço ao que escrevi na coluna "O país dos Mandrakes"-, "a China, é um pais com praticamente zero de marco regulatório, uma ditadura com todas as imprevisibilidades que lhe são naturais. E por que um país desses se torna tão atraente, a despeito dos riscos que apresenta? A resposta é simples (como para outros asiáticos): carga tributaria baixa e câmbio desvalorizado, tornando o custo de produção em dólar (principalmente salários) baixo o suficiente para tornar o investimento compensador".
Desenvolvimento depende de investimento de risco. Investimento de risco depende de taxa de retorno que seja superior às taxas de renda fixa. E isso passa por juros baixos, tributação módica, redução da burocracia, câmbio competitivo e expectativa de crescimento da renda e do consumo. O resto é macumba planilheira.
Dias atrás, o "Valor" publicou artigo magistral de Dani Rodrik -professor de economia política na John F. Kennedy School of Government, da Universidade Harvard-, em que analisou os desastres acarretados pela apropriação da política pelos economistas cabeças de planilha. Demonstra a maneira como simplificam as análises, a dificuldade que têm de estabelecer raciocínios complexos, de buscar soluções que fujam do manual.
A Coréia do Sul se desenvolveu, a do Norte, não. Na hora de analisar o fenômeno, o estrategista levantaria todos os fatores de diferença: câmbio depreciado, investimento em tecnologia, educação, abertura comercial gradativa e, depois do ambiente favorável, abertura ao capital externo. E trataria de atuar sobre esses fatores. O cabeça de planilha pegaria a abertura ao capital externo e derivaria para trás.
A essa altura já deve ter caído a ficha do governo sobre essa manobra da criação sucessiva de expectativas por parte do mercado. O ano terminou com um superávit primário recorde de 4,25%, apresentado como condição necessária para o espetáculo do crescimento. O que se acena para 2004? Com mais um superávit primário, um aumento descomunal da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), a manutenção de formas diretas e indiretas de tributação (por meio dos lucros das empresas públicas), a manutenção da extraordinária transferência de renda para o setor financeiro. Ou seja, promete-se o crescimento com tudo aquilo que compromete o crescimento.
É importante que o governo comece a fazer o Banco Central trabalhar. A alegação de que o modelo é perfeito, o país é que não ajuda, não cola mais. Fazer política monetária com taxas reais de 10% é moleza. O desafio é como sair dessa armadilha da dívida pública e dos juros descomunais.
É esse o trabalho que se espera do Banco Central, se o governo Lula almeja terminar seu período deixando algum legado para a história.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Análise: Euforia no Brasil pode ter vindo cedo demais
Próximo Texto: Gradualismo: Meirelles diz que país cresce "no ritmo possível e seguro"
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.