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Criador dos Brics critica exportação brasileira
Para Jim O'Neill, do Goldman Sachs, "é muito difícil" que o país seja bem-sucedido apenas como vendedor de produtos primários
Chefe de pesquisa do banco,
porém, elogia economia
doméstica do país e diz que
investimento e consumo
devem ser incentivados
DA SUCURSAL DO RIO
O Brasil não pode se conformar em ser exportador de commodities num mundo cujo
crescimento é puxado pela China, afirma Jim O'Neill, chefe de
pesquisa econômica do banco
Goldman Sachs e inventor em
2001 da sigla Bric.
"Não é uma estratégia sensata", disse à Folha, de Londres,
em entrevista na qual reafirmou seu otimismo sobre o futuro dos emergentes. Abaixo,
os principais trechos.
(CLAUDIA ANTUNES)
FOLHA - O Goldman Sachs prevê
que em 2050 os atuais Brics (sigla
dos países emergentes Brasil, Rússia, Índia e China) estarão entre as
cinco maiores economias do mundo. Ao mesmo tempo, a renda per
capita dos países do atual G7 continuará aumentando. Os recursos naturais vão aguentar a pressão da demanda?
JIM O'NEILL - A evidência histórica sugere que, após um certo
nível de riqueza, normalmente
acima de US$ 6.000 per capita,
os países começam a se tornar
mais eficientes no uso da energia. Isso indica que, em algum
momento daqui a dez anos,
quando a China e a Índia chegarem a esse estágio, sua demanda por energia e outros recursos começará a diminuir. Outro
fator importante é que a China
acaba de anunciar um compromisso muito grande com a eficiência energética.
FOLHA - Os EUA relutam em se
comprometer com metas de redução de emissões de gases do efeito
estufa. Eles deveriam temer perder
competitividade se passarem a uma
economia de baixo carbono?
O'NEILL - Claro que não, seria
bom para eles. Esse argumento
é uma estratégia da direita política, que é hostil a essas ideias
[de aquecimento climático] e
usa isso como desculpa.
Acho que a América pode,
olhe para o Japão, para o Brasil.
Desde os anos 80, no mundo
desenvolvido, o Japão vem demonstrando como aumentar a
eficiência energética. Não há
muitas coisas que podemos
aprender com o Japão, mas essa é uma delas. No mundo
emergente, o Brasil está bem à
frente de outros países.
FOLHA - Se a demanda chinesa e
indiana por recursos naturais tende
a diminuir, isso corrobora os que no
Brasil alertam para o risco de o país
se tornar um exportador basicamente de commodities. Como o senhor vê esse problema?
O'NEILL - Não acho que seja
uma boa coisa para o Brasil ser.
Acho que é muito difícil ser
permanentemente bem-sucedido apenas como exportador
de produtos primários. Não é
uma estratégia de longo prazo
sensata.
FOLHA - Mas o que o Brasil pode fazer agora para evitar isso?
O'NEILL - Eu admiro bastante os
esforços para tentar conter a
valorização do real. Acho que é
bom desencorajar a doença holandesa [excesso de ingresso de
capitais]. Não sou especialista
em Brasil, mas acho que a chave
é, como em outros países que se
desenvolveram, encorajar mais
pesquisa e desenvolvimento,
para entrar em áreas de valor
agregado nas quais seja difícil
para outros competirem.
FOLHA - Em 2030, a Ásia deverá ser
responsável por mais da metade da
economia mundial. O que isso significa em termos de transformação do
sistema econômico global e de desafio para as outras regiões em desenvolvimento?
O'NEILL - Há três consequências. Primeiro, significa que a
estrutura de governança da
economia mundial tem que
mudar dramaticamente. É
muito importante que isso seja
modificado, de modo que o papel do G20 passe a um grupo
menor, uma nova forma de G7.
Em dez anos, provavelmente
precisaremos dos seguintes
países no G7: EUA, China, Índia, Japão, Brasil e a União Europeia, com um só representante. Nada de Canadá, Reino
Unido, Alemanha, França ou
Itália. Em 20 anos, poderemos
ter um sistema de câmbio diferente do que temos hoje [em
que o dólar é a moeda de referência].
Em segundo lugar, na próxima década muitos países da
África e da América Latina se
beneficiarão do crescimento da
Ásia, pelo fato de serem fortes
produtores de commodities.
Sua estratégia de longo prazo
dependerá das características
de cada um deles.
Um país como o Brasil, que
tem uma população grande e
uma demografia favorável, é
perfeitamente capaz de cuidar
de si. A grande história para o
Brasil é a sua economia doméstica, não o resto do mundo.
FOLHA - Desenvolver o mercado interno, o senhor diz?
O'NEILL - Sim, a chave para a política brasileira é não se preocupar com essas coisas de comércio global. O Brasil deve se concentrar em manter a inflação
estável e fazer coisas para
apoiar o desenvolvimento do
consumo doméstico e do investimento interno.
FOLHA - E a terceira consequência?
O'NEILL - Está ligada ao comércio internacional. Você tem que
focar em desenvolver uma vantagem, setores competitivos
com maior valor agregado, o
que envolve pesquisa e desenvolvimento. A Alemanha é o
melhor exemplo disso. De alguma forma, ela parece capaz de
lidar com uma moeda valorizada [o euro].
FOLHA - Qual o impacto econômico dos sistemas políticos nos Brics?
O'NEILL - No caso da China,
acho que, à medida que a renda
dos chineses aumente, a atual
forma da ditadura chinesa terá
que mudar. Provavelmente
continuará sendo, nos próximos 20 anos, um Estado de partido único, mas terá que permitir maior liberdade.
A grande coisa que está acontecendo na China agora é o aumento dos gastos governamentais na área social. Nas últimas
duas semanas, concordaram
em dar aos trabalhadores migrantes os mesmos direitos dos
urbanos, incluindo acesso a
tratamento de saúde. A China
já está começando a mudar.
FOLHA - O fato de o Brasil ser uma
democracia é fator de pressão sobre
os gastos do Estado. O senhor considera o gasto público brasileiro um
problema?
O'NEILL - Falando no longo prazo, o Brasil precisa reduzir o
desperdício nos gastos governamentais.
"Um país como o Brasil, que tem uma população
grande e uma demografia favorável, é
perfeitamente capaz de cuidar de si. A grande
história para o Brasil é a sua economia
doméstica, não o resto do mundo"
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