São Paulo, domingo, 03 de fevereiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ativos financeiros crescem bem mais que "economia real"

Para economistas, esse descolamento é uma das causas para recentes crises financeiras e fortes oscilações nos mercados

Ativos como ações e títulos no mundo aumentaram 17% em volume em 2006; PIB global cresceu 8% nesse mesmo período

CRISTIANE BARBIERI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os ativos financeiros -ações, debêntures, títulos públicos e depósitos bancários- estão cada vez maiores e mais distantes da chamada economia real. É o que mostra levantamento anual do McKinsey Global Institute, instituto de pesquisa da consultoria McKinsey, que acaba de ser publicado.
Segundo o estudo, os ativos financeiros têm crescido mais nos últimos anos do que na média histórica. Em 2006, o volume de ativos financeiros aumentou 17% em todo o mundo, atingindo US$ 167 trilhões. A tendência no ano passado continuou em alta. No início da década, os mesmos ativos beiravam os US$ 90 trilhões e, em 1980, eram de US$ 12 trilhões.
O PIB dos países também cresceu, porém a proporção foi bem menor. Em 2006, o crescimento dos bens e serviços produzidos em todo o mundo foi de quase 8% comparado a 2005 e alcançou US$ 48,3 trilhões. No início da década de 90, o PIB mundial girava em torno dos US$ 20 trilhões e, em 1980, era de US$ 10 trilhões.
Para economistas, o descolamento entre os ativos financeiros e a economia real foi uma das principais causas das recentes crises financeiras e das fortes oscilações nos mercados.
"Essa liqüidez fantástica viabilizou o mercado produtivo e fez explodir os investimentos diretos estrangeiros, os avanços tecnológicos e o comércio internacional", afirma Antonio Corrêa de Lacerda, professor do departamento de economia da PUC-SP. "O lado ruim, no entanto, é a volatilidade."
Isso porque aumentou o peso relativo das transações financeiras na economia. De acordo com o instituto McKinsey, o peso entre os ativos financeiros e a economia real se equivaliam em 1980. Em 2000, ele já era o triplo do PIB e, em 2006, ficou em 3,5 vezes.
"É um crescimento irracional, e a idéia de que haverá apenas uma correção não faz sentido", diz Reinaldo Gonçalves, professor de economia internacional da UFRJ. "Não haverá parada suave para um mercado que vinha a 250 km/h."

Maior peso
O relatório do McKinsey alerta que o maior peso financeiro pode levar a "correções dolorosas", caso a alta seja causada por uma elevação irreal das ações ou pelo endividamento público excessivo.
"O mundo está mais alavancado", afirma William Eid Júnior, coordenador do centro de estudos em finanças da FGV (Fundação Getulio Vargas). "Isso significa que, numa crise, os impactos serão maiores."
Não há um consenso, no entanto, sobre se a crise detonada pelos "subprime", os empréstimos imobiliários de alto risco dos Estados Unidos, reduzirá o descolamento entre o mundo financeiro e o mundo real. Desde 1980, o único ano no qual os ativos financeiros encolheram foi 2001, com o estouro da bolha da internet, os ataques do 11 de Setembro e os escândalos contábeis nos Estados Unidos.
"A não ser que seja uma crise muito duradoura, dificilmente haverá uma mudança de tendência", afirma Eid Júnior.
Isso porque, dizem os economistas, as medidas adotadas pelas autoridades dos EUA seguem a cartilha que ajudou os mercados a saírem de crises variadas: corte nos juros, incentivos fiscais e maior liqüidez.
"Na verdade, a disponibilização desse dinheiro fácil e barato depois da crise de 2001 estimulou as aplicações nos mercados de risco e a bolha do mercado imobiliário", diz Lacerda. "A decorrência seria a correção no preço dos ativos."
Outra discussão diz respeito ao tamanho da ajuda e se ela não teria chegado muito tarde. Eficazes ou não, para alguns especialistas, tais medidas seriam apenas paliativos.
"As autoridades monetárias vão repetir o erro de 2001 e 2002", diz Gonçalves. "Elas suavizarão o impacto da crise financeira, porém não corrigirão o grande problema, que é a desregulamentação dos mercados: faltam regras, as operações financeiras carregam riscos cada vez mais altos e ninguém sabe qual o tamanho do buraco."


Texto Anterior: Jorge Gerdau Johannpeter: Responsabilidade empreendedora
Próximo Texto: Valor das empresas na Bovespa cresce 1.450% em 13 anos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.