São Paulo, sábado, 03 de março de 2007

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ARTIGO

O grande colapso do mercado de 2007

Economista faz artigo como se já estivesse em 2008, argumentando que a atual crise começou antes mesmo desta semana

Para Krugman, turbulência não pode ser atribuída a Greenspan ou à China, mas ao fato de que investidores ignoraram riscos


PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

2 7.fev.08 - O grande colapso do mercado em 2007 começou há um ano, com uma queda de 9% na Bolsa de Xangai, seguida por uma perda de 416 pontos no índice Dow Jones. Mas, como na crise financeira mundial anterior, iniciada com a desvalorização da moeda tailandesa em 1997, foram precisos muitos meses para que as pessoas compreendessem até que ponto os danos se espalhariam.
No começo, explicações implausíveis de muitos matizes foram oferecidas para a queda nos preços das ações americanas. Alguns diziam que era tudo culpa de Alan Greenspan, ex-Fed (BC dos Estados Unidos), como se o fato de que ele tivesse declarado o óbvio -que a queda no mercado da habitação poderia causar recessão- fosse novidade para alguém.
Até mesmo culpar os eventos em Xangai pelo que viria a acontecer em Nova York era tolice, em termos gerais, se excluirmos do cômputo o fato de que a queda na China -cujos mercados de ações combinados movimentam apenas 5% do total de capital movimentado pelos mercados norte-americanos- talvez tenha servido como alerta aos investidores.
Os analistas mais sábios relembram o clássico estudo de Robert Shiller, da Universidade Yale, sobre o "crash" do mercado de ações em 19 de outubro de 1987. A conclusão do estudioso? "Nenhuma notícia ou boato que tenha surgido no dia 19 ou no final de semana precedente foi responsável." Em 2007, como em 1987, os investidores correram para a saída não devido a eventos externos, mas porque viram outros investidores fazendo o mesmo.
O que tornou o mercado tão vulnerável ao pânico? Não era exatamente um caso de exuberância irracional -embora isso com certeza existisse em abundância-, mas sim uma questão de complacência irracional.
Depois que o estouro da "bolha" da tecnologia dos anos 90 fracassou em produzir um desastre mundial, os investidores começaram a agir como se nada de mau pudesse acontecer. O ágio por risco -o retorno adicional que as pessoas exigem quando emprestam dinheiro a tomadores de crédito menos que completamente confiáveis- praticamente sumiu.
Por exemplo, nos anos iniciais da década, os títulos empresariais de alto rendimento (anteriormente conhecidos como "junk bonds") só conseguiam atrair investidores por meio de oferta de ágios entre 8% e 10% com relação ao rendimento dos títulos do Tesouro norte-americano. No começo de 2007, esse ágio se havia reduzido a pouco mais de 2%.
Por algum tempo, a complacência crescente se tornou uma espécie de profecia, que, por ser feita, garante o próprio cumprimento. Enquanto a atitude de que não havia motivo para preocupação se espalhava pelos mercados, tornou-se mais fácil aos devedores menos confiáveis promover a rolagem de dívidas, de modo que o índice de inadimplência se reduziu.
Mais cedo ou mais tarde, porém, a realidade decerto se faria sentir. No começo de 2007, o colapso do boom da habitação nos Estados Unidos causara inadimplência generalizada no mercado de hipotecas "subprime" -empréstimos aos compradores de residências que não conseguem atender aos mais severos requisitos de crédito. Os emprestadores insistiram em que esse era um problema isolado, que não contagiaria o resto do mercado ou a economia real. Mas foi isso o que aconteceu.
Por um ou dois meses depois do choque de 27 de fevereiro, os mercados oscilaram loucamente, disparando diante dos menores indícios de notícias aparentemente boas e depois voltando a cair. Mas, ao final do segundo trimestre, estava claro que o ciclo de complacência auto-induzida havia sido substituído por um ciclo de ansiedade igualmente auto-induzida.
Continuava a existir grande incógnita. Será que os protagonistas do mercado, especialmente os fundos de hedge, haviam se alavancado -tomando empréstimos para adquirir ativos de risco- a ponto de a queda nos preços servir como gatilho para uma reação em cadeia de inadimplência e quebras?
Agora, diante das ruínas que ocupam o terreno da recessão mundial, sabemos a resposta.
Em retrospecto, a complacência dos investidores nos dias que antecederam a crise parece intrigante. Por que eles não perceberam os riscos?
Bem, as coisas parecem mais claras em retrospecto. Na época, até mesmo os pessimistas estavam incertos. Paul Krugman, por exemplo, em coluna em 2 de março de 2007, na qual descrevia como um colapso financeiro poderia acontecer, decidiu concluir com uma salvaguarda, declarando que "não estou dizendo que as coisas vão transcorrer dessa maneira. Mas, se uma crise vai acontecer, é assim que virá".


Tradução de PAULO MIGLIACCI

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